Festival de Gramado 2018: ‘Ferrugem’ e ‘Benzinho’ se consagram
Filmes de Aly Muritiba e Gustavo Pizzi, destaques em Sundance, se consagram em Gramado.
Aconteceu no último fim de semana, a entrega dos prêmios do Festival de Gramado 2018. O Festival, está em sua 46ª edição, ocorre anualmente na cidade de Gramado na Serra Gaúcha, e é considerado o principal e mais importante prêmio do cinema nacional. Esse ano o Festival, que homenageou Edson Celulari (Ópera do Malandro) com o Troféu Oscarito, Ney Latorraca (Beijo no Asfalto) com o Troféu Cidade de Gramado e Carlos Saldanha (Rio) com o Troféu Eduardo Abelin, foi recheado de emoção, protestos e consagrou Ferrugem, de Aly Muritiba, e Benzinho, de Gustavo Pizzi.
E os protestos começaram logo ‘cedo’ no sábado. Um grande número de cineastas exibiam a camiseta escrito “Ancine Eu Existo”, em protesto ao novo edital da Ancine. De acordo com esse edital, as regras de financiamento serão baseadas em uma pontuação a partir de critérios comerciais e não artísticos. Isso significa que: diretores das ‘Globochanchadas’ e da ‘Universal’ terão muito mais chances de produzir seus filmes do que diretores mais autorais como Aly Muritiba e Gustavo Pizzi, os grandes premiados da noite. Essa situação ficaria ainda pior para um diretor e produtor de curta-metragens cujas bilheterias nacionais são praticamente nulas. Tanto é assim que ao receber o Kikito de Melhor Curta por Guaxuma, Nara Normande desabafou:
Curta é filme. Curta de animação é filme. Pelo amor de Deus, né.
Seu coro foi engrossado pelo ganhador do prêmio de Melhor Desenho de Som, Aly Muritiba pelo filme Ferrugem.
Comecei como curta-metragista. Esse prêmio é a todos os realizadores de curtas-metragens nessa batalha. Ancine, curta metragem é filme.
Ferrugem inclusive foi um dos grandes vencedores do Festival de Gramado desse ano. O filme conta a história de Tati, uma adolescente, que como tantas outras adora compartilhar sua vida nas redes sociais. Mas ela precisa amadurecer e lidar com as consequências, depois que algo que ela não queria que se tornasse público é divulgado no grupo do WhatsApp de sua turma de colégio. O filme recebeu do Kikito principal da noite Melhor Filme, além do prêmio de Melhor Roteiro. Inclusive ao receber esse último prêmio o diretor disse:
Ferrugem teve uma equipe composta 70% por mulheres. Isso não foi por acaso, foi deliberado. A indústria é muito excludente com elas.
Outro filme que fez bonito e transformou ainda mais o Festival em um verdadeiro ato político, foi o filme 10 Segundos Para Vencer, do veterano José Alvarenga Jr. O filme que é a cinebiografia do pugilista Eder Jofre, saiu com dois prêmios Melhor Ator Coadjuvante para Ricardo Gelli e Melhor Ator para Osmar Prado. Osmar que foi responsável pelo grande momento político da noite. Ao receber o prêmio, o ator agradeceu como se é de praxe. O ator, que é apoiador do ex-presidente Lula convicto e não esconde isso, aproveitou o palco de Gramado para mandar seu recado:
Pelo restabelecimento do estado democrático do país. Abaixo às conduções coercitivas, as torturas psicológicas, as delações premiadas e a injusta prisão do presidente Lula.
Em meio a aplausos e vaias Osmar continuou:
Podem vaiar. (Lula) Injustamente trancafiado nas masmorras de Curitiba pelo juiz Sérgio Moro.
Na mesma linha que Osmar, Otto Guerra, diretor da animação A Cidade dos Piratas, que recebeu a Menção Honrosa do Júri, também fez um forte discurso político entre aplausos e vaias.
Parabéns, Osmar pela coragem. Vivi a época do outro golpe (de 1964), foi como se baixasse uma nuvem negra sobre o Brasil. Espero que após essa eleição o ódio acabe, que façamos as pazes. Lula livre, pelo amor de Deus.
O filme de Otto Guerra foi a única animação em longa metragem entre os selecionados para o Festival de Gramado desse ano. No filme um diretor de cinema enfrenta uma situação complexa no meio da produção de seu longa metragem: a autora de “Os Piratas do Tietê” começa a rejeitar os personagens quando o enredo está praticamente pronto. Para tentar salvar o filme, ele decide contar a sua história e realidade e ficção se misturam em um caótico labirinto.
Continuando com os discursos contundentes, André Ristum, vencedor do Kikito de Melhor Diretor por A Voz do Silêncio, fez um discurso politico mas com uma mensagem menos polêmica, mas muito potente:
Em um momento que tudo está tão dividido e polarizado. Que ninguém tem nem paciência de ouvir o outro, como vimos no palco, a pessoa fala, e o outro já vaia. Outro xinga. No momento que não se respeita a opinião do outro, que esse filme possa trazer o mínimo de reflexão.
Com essas palavras o diretor mostrou a relação de seu filme com a atual realidade. Em A Vos do Silêncio vemos a sete personagens aparentemente comuns conduzem suas vidas buscando, cada um, aquilo que acredita lhe trazer satisfação pessoal. Mas, mesmo com vidas distintas e distantes, eles se aproximam pela maneira como orientam suas existências com base em preocupações mundanas. Além do prêmio Melhor Diretor, o filme ainda recebeu o Kikito de Melhor Montagem.
Quem também deu seu recado e de forma simples e bonita foi Karine Teles. A atriz, que subiu duas vezes ao palco, primeiro para receber em nome de Adriana Esteves o Kikito de Melhor Atriz Coadjuvante, e depois para receber o seu de Melhor Atriz pelo filme Benzinho, usou o palco de Gramado para não apenas mostrar sua posição ao agradecer Osmar, como também para refletir a importância da mensagem do filme nos nossos dias.
Obrigada, Osmar. Muito obrigada. Benzinho é sobre tantos trabalhadores inviáveis do nosso país, tantas mulheres que carregam as famílias nas costas no nosso país e fazem o mundo andar para frente.
Em Benzinho, Karine Teles é Irene, uma mãe cujo filho é convidado para jogar handebol na Alemanha. Essa notícia vira sua vida de ponta cabeça ao ter de lidar com a problemática irmã (Adriana Esteves), lidar com as instabilidades do marido (Otávio Müller), se desdobrar para dar atenção ao seus outros filhos e enfrentar a partida de seu mais velho antes de estar preparada para isso. O filme além de ter ganho os prêmios de Melhor Atriz e Atriz Coadjuvante, recebeu os Kikitos de Melhor filme na escolha do Júri da Crítica e do Juri Popular. Antes de fazer sucesso em Gramado, inclusive o filme de Gustavo Pizzi, que tem a produção de Karine Teles fez sucesso em Sundance.
Estrangeiros Premiados
Além de premiar os filmes brasileiros, o Festival de Gramado também reverencia os filmes Latino Americanos. E nesse ano o grande vencedor foi o paraguaio As Herdeiras, de Marcelo Martinessi. O filme conta a história Chela (Ana Brun) e Chiquita (Margarita Irún), herdeiras de uma família abastada no Paraguai, vivem confortavelmente há 30 anos. Porém, ao chegar na terceira idade, percebem que o dinheiro não é mais suficiente e começam a vender seus bens. Quando suas dívidas chegam ao ponto da Chiquita ser presa por cobranças fraudulentas, Chela começa a providenciar um serviço local de táxi para um grupo de senhoras ricas. Enquanto Chela se acostuma com a nova realidade, ela conhece a jovem Angy (Ana Ivanova) e juntas embarcam em uma transformação pessoal.
O filme faturou nada mais nada menos do que 8 Kikitos: Melhor Filme, Melhor Filme Juri da Crítica, Melhor Filme do Juri Popular, Melhor Roteiro, Melhor Diretor e Melhor Atriz triplamente, as atrizes Ana Brun, Margarita Irún e Ana Ivanova dividiram o prêmio.
O Ator Néstor Guzzini levou o Kikito de Melhor Ator pelo filme uruguaio Mi Mundial, de Carlos Morelli. O filme conta a história de Tito é um garoto talentoso e que sonha em se tornar um grande jogador de futebol. Aos 13 anos, ele chama a atenção de um importante olheiro, e consegue fechar um contrato milionário com um time. Do dia para a noite, Tito tira a sua família da pobreza e começa a assumir as responsabilidades do mundo adulto, mas é só quando as coisas começam a dar errado que o garoto voltará a encontrar no esporte
algo além de um compromisso profissional.
Já o Boliviano Marcos Loayza venceu o Kikito de Melhor Diretor pelo filme Averno. Um uma produção Bolívia e Uruguai, que conta a história de Tupah um jovem engraxate que precisa resgatar seu tio, Jacinto. Para isso, ele precisará encontrar o misterioso Averno, um local conhecido apenas no imaginário dos habitantes dos Andes, onde reza a lenda que mortos e vivos podem coexistir. O filme também levou o Kikito de Melhor fotografia.
Confira abaixo todos os premiados:
Curta-metragem brasileiro
- Melhor Desenho de Som: Fábio Carneiro Leão, por Aquarela
- Melhor Trilha Musical: Manoel do Norte, por A Retirada Para Um Coração Bruto
- Melhor Direção de Arte: Pedro Franz e Rafael Coutinho, por Torre
- Melhor Montagem: Thiago Kistenmacker, por Aquarela
- Melhor Fotografia: Beto Martins, por Nova Iorque
- Melhor Roteiro: Marco Antônio Pereira, por A Retirada Para Um Coração Bruto
- Melhor Ator: Manoel do Norte, por A Retirada Para Um Coração Bruto
- Melhor Atriz: Maria Tugira Cardoso, por Catadora de Gente
- Prêmio Especial do Júri: Estamos todos aqui, de Chico Santos e Rafael Mellim
- Prêmio Canal Brasil de Curtas: Nova Iorque, de Leo Tabosa
- Melhor Filme do Júri Popular: Torre, de Nádia Mangolini
- Melhor Filme do Júri da Crítica: Torre, de Nádia Mangolini
- Melhor Direção: Fábio Rodrigo, por Kairo
- Melhor Filme: Guaxuma, de Nara Normande
Longas estrangeiros
- Melhor Fotografia: Nelson Waisntein, por Averno
- Melhor Roteiro: Marcelo Martinessi, por Las Herederas
- Melhor Ator: Nestor Guzzini, por Mi Mundial
- Melhor Atriz: Ana Brum, Margarita Irun e Ana Ivanova, por Las Herederas
- Prêmio Especial do Júri: Averno, de Marcos Loayza
- Melhor Filme do Júri Popular: Las Herederas, de Marcelo Martinessi
- Melhor Filme do Júri da Crítica: Las Herederas, de Marcelo Martinessi
- Melhor Direção: Marcelo Martinessi, por Las Herederas
- Melhor Filme: Las Herederas, de Marcelo Martinessi
Longas brasileiros
- Melhor Desenho de Som: Alexandre Rogoski, por Ferrugem
- Melhor Trilha Musical: Max De Castro e Wilson Simoninha, Por Simonal
- Melhor Direção de Arte: Yurika Yamazaki, por Simonal
- Melhor Montagem: Gustavo Giani, por A Voz Do Silêncio
- Melhor Ator Coadjuvante: Ricardo Gelli, por 10 Segundos Para Vencer
- Melhor Atriz Coadjuvante: Adriana Esteves, por Benzinho
- Melhor Fotografia: Pablo Baião, por Simonal
- Melhor Roteiro: Jessica Candal e Aly Muritiba, Por Ferrugem
- Melhor Ator: Osmar Prado, por 10 Segundos Para Vencer
- Melhor Atriz: Karine Telles, por Benzinho
- Menção Honrosa: A Cidade Dos Piratas, de Otto Guerra
- Melhor filme do Júri Popular: Benzinho, de Gustavo Pizzi
- Melhor filme do Júri da Crítica: Benzinho, de Gustavo Pizzi
- Melhor Direção: André Ristum, por A Voz Do Silêncio
- Melhor Filme: Ferrugem, de Aly Muritiba
Uma última informação o 47º Festival de Gramado já tem data para acontecer. Na entrevista coletiva de encerramento, os organizadores informaram que o Festival do ano que vem ocorrerá entre os dias 16 e 24 de agosto. Então até lá!
Confira abaixo os Trailers dos principais vencedores: