Crítica: Tubarão (1975)
Ficha técnica:
Direção: Steven Spielberg.
Elenco: Roy Scheider, Robert Shaw, Richard Dreyfuss, Lorraine Gary e Murray Hamilton.
Nacionalidade e data de estreia: Estados Unidos, 20 de junho de 1975.
Sinopse:
Um tubarão assassino causa terror em uma praia de uma pequena cidade. Diante do medo e da pressão popular, três homens resolvem caçar a temível criatura.
Mandíbulas
Steven Spielberg ainda não era o “confiável” diretor que conhecemos hoje, quando assumiu o comando de “Tubarão”. Tendo feito anteriormente apenas um elogiado trabalho diretamente para o cinema (“Louca Escapada”, de 1974), Spielberg ainda precisava provar que era realmente bom. Demonstrando talento em seu longa-metragem de estreia: “Encurralado” (1971), o então jovem diretor precisava apenas de um projeto que alcançasse um público maior e o projetasse para a fama.
“Encurralado” foi feito para a TV, mas devido ao grande sucesso foi exibido em alguns cinemas. Foi o filme que tirou Spielberg das séries de TV e o levou ao universo dos longas-metragens. “Louca Escapada” veio a seguir e provou que o diretor tinha talento. Produzido pela dupla Richard D. Zanuck (filho do lendário produtor Darryl F. Zanuck) e David Brown, a aventura com misto de comédia agradou aos críticos, entrando para a história do cinema como o primeiro filme de Spielberg feito originalmente para a tela grande. Mas até então, Spielberg havia feito apenas projetos de baixo orçamento e relativamente sem grandes complicações de produção.
Quando os mesmos produtores Zanuck e Brown compraram os direitos do livro “Tubarão”, de Peter Benchley, eles ficaram imaginando o que fazer com aquela material que parecia infilmável, devido às condições complicadas em filmar algo que se passa boa parte em pleno mar aberto. Mas a ideia de levar o texto de Benchley para o cinema parecia algo irrecusável; e assim, eles resolveram ir em frente.
Para a direção lhes foram sugeridos nomes como Richard Fleischer (20.000 Léguas Submarinas, de 1954) e John Sturges (“O Velho e o Mar”, de 1958), que, como se vê, tinham (ou adquiriram) experiências com filmes ambientados na água. Mas os produtores queriam fugir da fórmula ‘filme de aventura padrão’, e contratar um diretor relativamente novo que viesse a dar uma visão mais particular à obra. Foi aí que Spielberg entrou no projeto, depois de ter o roteiro e se interessar em filmá-lo.
Você vai precisar de um barco maior
“Tubarão” é provavelmente o melhor filme já feito sobre o mar. Claro que os elementos aqui variam, não consistindo apenas em mostrar uma situação comum no oceano. Medo é o elemento-chave em “Tubarão”. O medo de entrar na água depois que uma jovem foi atacada (cena inicial marcante que já dá a ideia do que virá pela frente), e depois um garoto que é morto quando os banhistas estavam todos se divertindo na praia, aos olhos vigilantes de Martin Brody (Roy Scheider, ótimo), o chefe de polícia.
Quando o prefeito não consegue mais manter as aparências de local tranquilo naquela pacata cidade, ele autoriza a caça ao tubarão branco que está aterrorizando aquelas pessoas. Quint (Robert Shaw), um caçador de tubarões dá seu preço para capturar a temível criatura, e o oceanógrafo Matt (Richard Dreyfuss) é contratado para auxiliar nas pesquisas. No mar, em um barco chamado Orca, Brody, Quint e Matt tentam a todo custo achar o tubarão. Mas a missão não se mostra nada fácil por dois fatores: as discordâncias entre eles e as limitações técnicas. Além do mais, o predador das águas aparece e some de forma inesperada. E quando aparece, é para destruir.
Com o roteiro sendo escrito e reescrito (com apoio inclusive do próprio autor do livro, que escreveu a primeira versão), “Tubarão” não se apressa em mostrar a caçada, evitando assim cair no lugar-comum. Para Spielberg, o que importa é mostrar que algo ali não está bem e que precisa urgentemente ser resolvido. Fugindo do rótulo ‘filme de aventura’, os personagens ganham contornos mais humanos, com seus medos (Quint sempre preocupado com o mar), anseios (Matt temendo algo que ele conhece muito bem) e obsessão (Quint, se assemelhando ao capitão Ahab do clássico “Moby Dick” em sua neurótica insistência em destruir o animal).
A cena em que eles se distraem no barco, contando histórias, cantando e mostrando suas cicatrizes, depois seguido por um relato emocionante e tenso de Quint, de quando ele serviu na Segunda Guerra e, juntamente com outros homens, fizeram parte de uma missão e foram brutalmente atacados por tubarões famintos, é uma das melhores do filme, mostrando o grande talento de Spielberg em dirigir atores.
Se o filme que conhecemos mantém hoje o status de clássico absoluto, com suas muitas qualidades artísticas inquestionáveis, não podemos dizer que suas filmagens foram tranquilas. Aliás, tranquilidade passou longe do processo fílmico que envolveu “Tubarão”. Como já dito antes, os produtores já sabiam que levar a obra de Peter Benchley para as telas não seria tarefa das mais fáceis; e eles não contavam com o perfeccionismo de Spielberg, que se recusou em filmar em um tanque em estúdio (artifício geralmente utilizado na maioria dos filmes que envolvem cenas marítimas, entre eles o megassucesso “Titanic”).
Levando sua equipe técnica e os três atores para o meio do mar, Spielberg foi percebendo que aquela empreitada custaria muito mais dias ali do que o previsto inicialmente; e com isso o orçamento ia estourando. Muito preocupados e tendo que colocar mais dinheiro na produção, os produtores temiam o pior.
Se nos dias atuais, um diretor e sua equipe podem criar quase tudo em estúdio com telas de chroma key ao fundo, adicionando os mais modernos efeitos de computação gráfica, em 1975 não havia nada disso, e tudo era feito na raça, com muita força de vontade (e criatividade). O grande desafio da produção era como criar um tubarão ameaçador. Como na época não existia computação digital, e obviamente o bicho não poderia ser de verdade, tiveram que construí-lo mecanicamente.
O processo de construção foi demorado, o que fez com que Spielberg filmasse primeiro todas as cenas que não necessitassem do tubarão. O tempo foi passando, os testes com os tubarões mecânicos iam falhando, e os produtores consequentemente pressionando o diretor. Spielberg então teve uma ideia genial: Não mostrar o tubarão nos quase 80 minutos iniciais do filme, apenas sugerindo sua presença ali, sem ele aparecer. Para isso, a marcante trilha sonora de John Williams foi essencial, pontuando a chegada da criatura de acordo com a introdução da música. Quando ouvimos aquelas notas musicais tensas que vão se repetindo, sabemos que o tubarão está se aproximando.
Se o tubarão mecânico na época não pôde ser muito bem aperfeiçoado, Spielberg teve a seu favor o fato de que um tubarão de verdade tem os olhos sem vida, facilitando assim a aceitação do limitado processo técnico por parte do público. Mas ninguém já se importa mais do que é feito aquele animal, quando já o vemos lá pela terça parte do filme, porque o que se destaca mesmo é o medo que ele já causou até ali, mesmo sem ter aparecido.
O final do filme é diferente do final do livro. Contrariando o pedido do próprio autor da obra literária, Spielberg optou por um final mais impactante e hollywoodiano. Segundo o diretor, àquela altura o público aceitaria qualquer coisa que fosse mostrado. E ele sabia que o público queria emoção, adrenalina, sentir medo de verdade. e um final mais vibrante coroaria tudo que fora mostrado até ali.
“Tubarão” estreou nos cinemas em 1975, fazendo muito barulho nas bilheterias. Filas quilométricas de pessoas nas portas dos cinemas para ver um filme que mostrava o medo no mar. O boca a boca fez toda a diferença. Quem ia assistir, gostava e indicava aos amigos e vizinhos. Nascia então o cinema de verão norte-americano. A Sétima Arte se divide entre antes e depois de “Tubarão”. O surgimento do primeiro Blockbuster da história, revelando ao mundo o talento de um dos maiores diretores de todos os tempos.
Sequências foram feitas no único intuito de gerar dinheiro. O nome do barco também é o nome da baleia assassina que atormenta a vida de Richard Harris em “Orca, a Baleia Assassina” (1977). Este foi apenas um dos (toscos) filmes que surgiram na esteira do sucesso do filme de Spielberg. Tivemos depois filmes com piranhas (inclusive voadoras), crocodilos e tubarões voadores (!!).
“Tubarão venceu os Oscars de Edição (Verna Fields), Trilha Sonora (John Williams, que por este trabalho também levou o Globo de Ouro e o BAFTA) e Mixagem de Som (Roger Heman, Earl Madery, Robert L. Hoyt e John Carter). Foi indicado também a melhor filme, mas perdeu para “Um Estranho no Ninho”. Spielberg foi ‘esquecido’ pela Academia, sendo lembrado dois anos depois por “Contatos Imediatos do Terceiro Grau“.
Resumo
“Tubarão” redefiniu o cinema nos anos 70, tornando-se o primeiro filme de grande bilheteria no verão norte-americano. Nascia o Blockbuster.