Entrevista: Gabriela Amaral Almeida Diretora do Longa ‘’Animal Cordial’’
O Cinema Nacional vem se transformando e ganhando ótimas formas, mais prestígio e cada vez mais sabor. Nomeando os ‘’culpados’’ por isso, temos aqui uma mulher, baiana, de personalidade e assinatura. Já escreveu séries, cinema e TV para grandes nomes como Cao Hamburger, Marco Dutra, Márcia Faria, Sérgio Machado e o titânico Walter Salles.
Gabriela Amaral Almeida, formada pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e especializada em Roteiro pela EICTV (Escuela Internacional de Cine y TV) em Cuba, é agenciada hoje pela WME (William Morris Endeavor) dos Estados Unidos.
Diretora, produtora, dramaturga e é claro, uma grande roteirista, já participou de mais de cem Festivais nacionais e internacionais com os seus 6 curtas que lhe renderam diversos prêmios.
Agradeço aqui o tempo cedido pela cineasta. Seja bem-vinda ao espaço do Cinem(ação).
Agora que sabemos quem é a ‘’Gabriela’’, nos apresente o Animal Cordial e fale um pouco do que se trata o seu longa.
Gabriela Amaral Almeira: O Animal Cordial é uma fábula violenta sobre desejo na nossa sociedade atual. Surge de um evento real (o assalto a um restaurante que eu costumava frequentar, em São Paulo, com Luana Demange, co-autora do argumento) e envereda por embates humanos que articulam homem e mulher, patrão e empregado, ricos e pobres, brancos e negros.
Para a realização deste filme, foi algo mais independente ou contou com Leis de Incentivo e Editais?
Gabriela Amaral Almeira: o filme é uma produção independente, feita com dinheiro privado, produzida por Rodrigo Teixeira, da RT Features (responsável pela produção de filmes como Frances Ha, A Bruxa, Call me By your name, dentre outros).
Com esta bela bagagem em roteiro, e cada vez mais mostrando um maravilhoso pulso na direção, como foi o processo até saber que estava com o projeto perfeito para ir de vez para o primeiro longa?
Gabriela Amaral Almeira: Eu estava para filmar o que seria meu primeiro longa-metragem, “A Sombra do Pai”, cujo orçamento vem inteiramente de editais públicos (Fapesb e Ancine); mas o atraso no pagamento da verba me impulsionou a criar O Animal Cordial e filmá-lo antes. Não acredito que a gente realmente saiba quando chegou a hora de mudar de formato – acredito que minhas histórias foram, aos poucos, pedindo mais tempo de tela, até chegar no roteiro de O Animal Cordial. É um processo gradual e constante. Rodrigo Teixeira embarcou no projeto do filme desde a sinopse, o que foi uma injeção de ânimo para levantar e concluir o filme num prazo de tempo relativamente pequeno, para cinema (entre escrita e finalização).
E quanto foi este prazo de tempo?
Gabriela Amaral Almeira: Dois anos e dez meses.
Como você monta uma equipe? É indo pelo histórico de trabalhos, pela amizade e confiança ou pelo tesão que ela sente em seu projeto e sabe que poderá contar com ela até o fim?
Gabriela Amaral Almeira: cada filme tem um DNA diferente e, como diretora, gosto de estar aberta a trabalhar com quem melhor se encaixe no perfil da história. A escolha de equipe, incluindo aí elenco (muito importante!), acontece a partir do que o projeto pede. Para “O Animal Cordial”, conheci a fotógrafa Bárbara Álvarez, com quem consolido uma parceria que já vai pelo segundo longa (depois do Animal, dirigi “A Sombra do Pai” logo na sequência, e a equipe se manteve mais ou menos a mesma – por afinidade artística, sobretudo). Com o músico Rafael Cavalcanti, trabalho desde o primeiro curta-metragem – ele tem um método de trabalho próprio, que muito me agrada; começa a trabalhar a pesquisa de sons e músicas desde o roteiro e participa ativamente das etapas de edição de imagem e edição de som. Um parceiro de vida (somos casados) e para a vida.
Caramba, que lindo! Parabéns por isso! Agora uma pergunta que sempre faço é: se vocês pudessem contar com um budget maior para esta produção em específico, no que gostaria de ter investido?
Gabriela Amaral Almeira: é muito difícil responder esta pergunta quando o filme já existe como obra fechada, com seus erros e acertos. Mas é o que diretores sempre falam: eu investiria em mais tempo de set, que é a parte mais cara de uma produção. Quanto mais tempo, mais chances de descobrir coisas maravilhosas e inesperadas. Acho que é isso.
Eu sou apaixonado pelo trabalho do Irandhir Santos, ele está facilmente entre os três atores nacionais que mais admiro. Na minha opinião, foi uma escolha incrível neste casting, mas adentrando um pouco a este trabalho, você costuma montar personagens em cima de profissionais que quer trabalhar ou não, escreve e os aprofunda, depois tenta procurar atores e atrizes que julga aptos a dar vida e tons a eles? E já emendando, você costuma seleciona-los ou deixa para sua equipe? Como funciona esta seleção?
Gabriela Amaral Almeira: A seleção, até hoje, eu mesma faço. No caso do Animal Cordial, Rodrigo Teixeira foi um parceiro criativo essencial, pois indicou atores excepcionais para os papéis que eu ia desenvolvendo (caso de Murilo Benício, Camila Morgado e Humberto Carrão); houve também uma parte de testes (conheci os atores Diego Avelino, Ariclenes Barroso e Jiddu Pinheiro num teste que eu mesma fiz); e outros partiram de convites pessoais meus (Luciana Paes, Irandhir Santos, Eduardo Gomes, Thais Aguiar). Quanto ao processo de criação, isso costuma variar. Costumo me inspirar muito em atores que conheço, mas também escrevo muitos personagens para decidir depois quem irá interpretá-los. Depende muito do projeto.
Entre os prêmios de suas obras, sempre se destaca os de ‘’roteiro’’ e ‘’melhor atriz’’. Você tem uma especialização forte na escrita, mas descreva sobre este seu trabalho diferenciado com as suas personagens.
Gabriela Amaral Almeira: O prêmio de melhor atriz, acredito, foi atribuído a Luciana Paes no Fantaspoa, e não a mim. A minha experiência com dramaturgia vem da minha formação acadêmica (meu mestrado toma como base A Poética de Aristóteles para analisar livros e filmes de horror) e da minha passagem pelo teatro em 2012, quando trabalhei como dramaturga na Cia Livre de Teatro, dirigida pela Cibele Forjaz. O trabalho com o ator, para mim, é o pilar de todo o resto – e é bastante intuitivo.
Ah com certeza. A Gabriela então pode talhar muito bem suas atrizes, mas tem uma em especial no qual você tem uma parceria admirável. Nos fale um pouco sobre você e a talentosa Luciana Paes.
Gabriela Amaral Almeira: Luciana é uma atriz que me acompanha em diversos momentos da vida. Atua num dos meus primeiros curtas (A Mão que afaga), é protagonista de meu primeiro longa (O Animal Cordial) e também participa do segundo (A Sombra do Pai). Com ela, tenho um canal de comunicação tão aberto, que falta pouco para nos comunicarmos por telepatia (risos). É uma atriz destemida, que alcança a profundidade de uma situação dramática com tanta potência, que me comove. Uma grande parceira e também uma inspiração.
Bom, provamos do seu feminismo e sentimos você tocar em feridas que pareciam nunca se estancar na nossa indústria, mas hoje temos números e nomes que demonstram uma evolução. Desde os pilares como Eunice Gutman, Tata Amaral, Lúcia Murat, Anna Muylaert e Laís Bodanzky até está maravilhosa nova leva na qual você faz parte ao lado de Petra Costa, Rosane Svartman, Juliana Rojas, Anita Rocha Silveira entre outros tantos nomes. Como você vê este cenário?
Gabriela Amaral Almeira: Admiro todas as mulheres citadas. Quero que este cenário cresça, incorporando mais e mais mulheres. Ainda somos poucas – mas somos fortes!
Você me fez lembrar da ímpar Frances McDormand no Oscar, bradou sobre ‘’Inclusion Rider’’. Gostaria de ouvir a sua opinião a respeito desta cláusula.
Gabriela Amaral Almeira: Acredito ser uma medida necessária para renovar o quadro de colaboradores de uma equipe cinematográfica, sempre restrita a uma predominância branca e masculina. Essas medidas emergenciais são a garantia de abertura de um espaço que foi negado às minorias por muito tempo. As coisas precisam começar de alguma lugar e acho que pedir legalmente por mais diversidade nos sets é um excelente começo.
Cor, movimentação, objetos que tem a sua própria voz, mise en scene. Indo para um lado mais técnico, em seus trabalhos encontramos uma linguagem muito interessante aí. Estes caprichosos elementos costumam nascer em suas páginas, você já escreve os concebendo ou na produção de seus sets que eles surgem?
Gabriela Amaral Almeira: No roteiro, busco escrever o que é essencialmente necessário ao funcionamento do drama, sem me estender em detalhes que meus colaboradores, num momento posterior, poderão fazer de forma bem mais criativa. Procuro saber, de cada um da equipe, como eles contariam aquela história a partir de seus departamentos específicos. Isso cria uma polifonia rica, onde a narrativa escrita se desdobra para diversas linguagens (a foto, a arte, o figurino, a maquiagem, so som, a música etc.). É como gosto de fazer.
Realmente você sabe como costurar a obra! Você acha que com um país com tamanha geografia, mitos, crenças, um folclore tão rico e diversas religiões, já estava mais do que na hora do nosso cinema ter uma atenção muito mais voltada para o terror?
Gabriela Amaral Almeira: Eu acredito que as narrativas de horror/terror refletem as angústias e medos de uma sociedade. Há muitos monstros soltos no Brasil de hoje – já passou da hora da gente olhar para isso e tentar compreender a nossa mitologia. É um período muito fértil para o cinema de gênero brasileiro.
Isso é uma grande verdade. Eu acabei falando de uma forma mais mística a este terror, mas o brasileiro quando liga o noticiário é atingido por uma enxurrada de atrocidade reais. Lembro-me que no Festival do Rio, você chegou a comentar sobre a ideia do Animal Cordial ter partido de um caso real onde vocês estavam almoçando em um restaurante que fora assaltado recentemente. Acabei então associando com outros longas como: Última Parada 174, O Lobo atrás da Porta, VIPs, Carandiru, e agora também teremos a filmagem do caso ‘’Richthofen’’ entre outros tantos que acabam pegando estes fatos em verde e amarelo de nossa conturbada sociedade e transformando-as em suculentas tramas para ficção. O terror nacional, que já teve ícones como Zé do Caixão, tem um público voraz que consome muita coisa da gringa mas que ainda não possui uma cara, devia seguir por este caminho até ganhar uma identidade?
Gabriela Amaral Almeira: Foi como respondi anteriormente: o horror funciona como alegoria do que a gente não dá conta, na nossa própria realidade. Uma mitologia do horror nacional passa, necessariamente, pelo mapeamento e reconhecimentos de nossos medos.
Com as suas palavras, qual é a maior dificuldade em se fazer cinema no Brasil?
Gabriela Amaral Almeira: São tantas. Mas, hoje, acho que a maior delas está na distribuição. Há tantos filmes incríveis sendo feitos, mas a maioria deles sequer encontra janela de exibição (não estou falando das comédias da Globo, claro, mas de todos os outros filmes – o que é um problema).
Seja na área de direção, atuação, literatura, quais profissionais e obras mais inspiram o seu trabalho?
Gabriela Amaral Almeira: Vou citar três nomes: Flannery O’Connor (literatura); Alfred Hitchcock (cinema); Harold Pinter (dramaturgia/teatro).
Após esta resposta venho com uma pergunta mais descontraída e sacana: Você prefere ter um roteiro seu dirigido por um grande mestre, ídolo do seu íntimo, ou dirigiria um roteiro de algum profissional que tanto te estimula?
Gabriela Amaral Almeira: Precisa mesmo escolher? Se não, fico com os dois.
Tudo bem, vai, vou aceitar. Para encerrarmos, vamos falar um pouco sobre o seu próximo longa que já está na fase de pós-produção. A Sombra do Pai foi selecionado para o Curso de Desarrollo de Proyectos Cinematográficos Iberoamericanos promovidos pela Fundación Carolina, na Espanha, depois em Sundance contando com a assessoria de Robert Redford, Marjane Satrapi e o magnânimo, Quentin Tarantino. Fale sobre essa fascinante experiência.
Gabriela Amaral Almeira: Quando estamos com um projeto de anos aguardando o momento de ser realizado (foi o caso de A Sombra do Pai), todo e qualquer incentivo é importante para seguirmos adiante. Os laboratórios da Fundación Carolina e de Sundance são como combustível para o realizador iniciante. Você conta com o apoio de pessoas que admira (como os nomes que você citou) e de repente pensa “ok, eu não devo ser tão maluca, vou continuar batalhando para filmar isso”. Isso é ouro.
Então em sequência de lançamento, será o seu segundo longa, você poderia nos dar uma palinha do que vem por aí?
Gabriela Amaral Almeira: A Sombra do Pai conta a história de Dalva, uma menina de oito anos que não consegue se comunicar com o pai, o pedreiro Jorge, cada dia mais triste após a morte de um colega na construção. Para tentar resolver a situação, Dalva tenta trazer a mãe dos mortos de volta à vida. É basicamente isso.
Com certeza todo o caminho é cheio de pedras, não há facilidade na arte, mas qual a maior dica que você pode dar para quem está começando?
Gabriela Amaral Almeira: é urgente aprender a cair e levantar. Caímos muito e levamos muita porta na cara, na tentativa de fazer nossa sensibilidade ser ouvida. Ora conseguimos, ora não. É preciso aprender a dançar esta valsa maluca.
Queria primeiramente parabenizá-la por tamanha dedicação e competência ao conseguir que um longa de gênero assim, esculpido na real atualidade, consiga nos impactar e ser tão visceral em sua proposta, fora as premiações e conquistas lá fora. Algo realmente a se inspirar. Parabéns pelo trabalho Gabriela. Agora para encerrar a entrevista, te presenteamos com este espaço para que convoque o público para em breve assistir Animal Cordial nos cinemas e deixe uma mensagem para o pessoal do Cinem(ação).
Gabriela Amaral Almeira: Pessoal do Cinem(ação), vão ver O Animal Cordial nos cinemas, onde tudo é espetacular, grande e reluzente! O filme estreia dia 9 de agosto. E foi feito pra vocês.
Ficha técnica:
ANIMAL CORDIAL
DIREÇÃO– Gabriela Amaral Almeida
ROTEIRO – Gabriela Amaral Almeida
EDIÇÃO – Ide Lacreta
PRODUÇÃO – Rodrigo Teixeira
ESTRELANDO – Murilo Benício, Camila Morgado, Irandhir Santos, Luciana Paes, Humberto Carrão, Ernani Moraes, Jiddú Pinheiro e Ariclenes Barroso.