Crítica| Deadpool 2
Entre a farsa e o autêntico
Ficha técnica:
Direção: David Leitch
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick e Ryan Reynolds
Elenco: Ryan Reynolds, Josh Brolin, Morena Baccarin, Zazie Beetz, Julian Dennison
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2018 (17 de maio de 2018 no Brasil)
Sinopse: Deadpool (Ryan Reynolds) está de volta maior, melhor e mais engraçado do que nunca. Quando o super soldado Cable (Josh Brolin) chega em uma missão assassina, o mercenário precisa aprender o que é ser herói de verdade, recrutando pessoas poderosas, ou não, para ajudá-lo.
Em 2016, Deadpool se provou uma surpresa financeira e criativamente. Além de ter arrecadado mais de 700 milhões para um orçamento de 58 milhões, a obra representava um respiro para o “filme de super-herói”, com uma classificação indicativa arriscada de 18 anos, seu protagonista falastrão que abraçava o politicamente incorreto, o humor ácido e as quebras da quarta parede que referenciavam diretamente seu material de origem e a cultura pop como um todo. Se ele acreditava ser mais ousado do que realmente era, ao menos apresentava essa ironia satírica para um público acostumado com as sacadas divertidinhas – mas inofensivas – de seus concorrentes. Era, assim, um filme que se pautava pela subversão.
Deadpool 2 chega, então, com o desafio de suprir as expectativas construídas sobre a figura de Wade Wilson/Deadpool (Ryan Reynolds, no papel que salvou sua carreira), agora um personagem predominante na cultura pop, que chegou como um vira-lata e carrega o peso de uma franquia de imenso valor. Desta forma, Deadpool 2 é um filme que a todo momento parece se propor a elevar a linguagem do primeiro. Mais metalinguagem, mais referências, mais piadas e mais ação. Se esta é uma tradição bem conhecida das piores sequências, que apenas reciclam os êxitos do primeiro e ampliam o escopo, o roteiro de Rhett Reese, Paul Wernick e do próprio Reynolds (que mereceria este crédito apenas pela quantidade de improvisações que faz no set) logo aponta tais vícios, brincando justamente com uma indústria que cada vez menos assume riscos (e o próprio filme original representava um risco).
É bom esclarecer que reconhecer tais vícios enquanto os executa, com o benefício da dúvida em relação a suas intenções – satíricas ou não – não tornam uma obra mais eficiente do ponto de vista cinematográfico, e muito menos imune a críticas. Pelo contrário: ao se isentar desses comprometimentos apenas como desculpa para realizá-los , a obra ameaça constantemente ingressar na lista dos preguiçosos que tanto critica. O mais curioso de Deadpool 2 (uma obra que, já adiantando, possui qualidades boas que até superam o primeiro filme por vezes) é justamente essa crise de identidade, esse caráter subversivo que mira desconstruir mas que também – quase que secretamente – celebra a linguagem, vícios e assuntos que está comprometido a desconstruir.
Mais sobre essa crise de identidade: com um roteiro que adota uma abordagem e passagens de flashback similares ao primeiro, este também conta com um evento dramático que dá início a jornada do herói experienciada pelo protagonista. Ao contrário do primeiro, no entanto, onde o drama da doença de Wade e sua procura por uma cura se beneficiava da ótima performance de Reynolds – que conseguia transitar entre o humor e o drama com facilidade e fluidez – e de uma montagem que alternava com sucesso entre os acontecimentos tristes e mais cômicos – atribuindo a mesma atitude autodepreciativa de seu protagonista à narrativa -, Deadpool 2 exagera no sentimentalismo intencional não pelo conflito ou execução da cena em si – que ainda conta com o acompanhamento orquestrado ditando o tom emocional -, mas sim pelo que segue após a mesma: uma hilária montagem de abertura inspirada nos filmes da série 007. São dois momentos que até funcionam isoladamente, mas que acabam por anular um ao outro pelos extremos opostos que representam, até mesmo num filme como este, onde tudo é movido pela farsa. Esta farsa funciona melhor quando não há uma necessidade real de tornar tais personagens e suas angústias honestas, como parece ser o caso neste ponto específico da jornada emocional do protagonista.
Este desequilíbrio parece ser um sintoma da troca de diretores. Após supostas diferenças criativas com o estúdio e Reynolds (que tem mais controle depois de ter levantado quase que sozinho o primeiro do chão), Tim Miller saiu do cargo e quem assume a direção aqui é David Leitch, mais conhecido por sua coordenação de dublês em inúmeras franquias de ação (inclusive em John Wick, em que foi co-diretor) e sua direção em Atômica. Se as cenas de ação são eficazes – e não se esperaria menos dele -, é na condução da história que nota-se a diferença. Há claras intenções de uma jornada mais convencional de redenção no meio de todo o excesso visto aqui.
Tais equívocos não significam que esta sequência não divirta – às vezes por atirar para todos os lados, é verdade -, dando destaque para os novos personagens vividos por Josh Brolin e Zazie Beetz como Cable e Domino respectivamente. Figuras importantes nos quadrinhos em qual o filme se baseia, não se pode dizer que ambos possuem aqui um desenvolvimento de personagem que fuja do superficial, ainda que nem precisem. Enquanto Cable, viajante do tempo vivido por Brolin representa – com sua figura do brucutu carrancudo – o humor buddy cop por sua personalidade contrastante com a de Deadpool, a Domino de Beetz representa as gags visuais e criativas decorrentes de seu próprio poder: ter sorte. É, inclusive, na sequência de perseguição que ocorre no segundo ato e apresenta os poderes de Domino que ocorre um dos momentos mais hilários do filme, no qual Rob Liefeld – criador de Deadpool, péssimo desenhista e um escritor pior ainda -e sua incapacidade de desenhar pés é citada, num bem-vindo momento de anarquia.
E isso evidencia como parte da graça de Deadpool -mas também de sua perigosa danação – encontra-se em seus momentos de metalinguagem, na plena consciência de que está aprisionado num mundo onde o único a saber que aquilo tudo não passa de “faz de conta” é ele mesmo. Com referências bem escritas, encontra-se o divertimento; naquelas que citam programas e personagens do mundo exterior apenas porque pode fazê-lo, o insuportável. E isso nos leva a experiência interessante que é ver Deadpool 2 nos cinemas: suas oscilações entre drama e humor acabam sendo tão desconjuntadas, que as intenções tonais do filme perdem-se na tradução, diluem-se na tentativa de comunicação entre público e realizador. É claro que o público rirá, mesmo que não entenda todas as referências e comentários proferidos por Wade Wilson, não é mesmo? É irônico então, que essa seja uma armadilha criada por suas próprias intenções, onde o deboche é tanto que, quando o filme tem algo sério a dizer, a única coisa que consegue extrair de seu público alvo – os fãs sedados, ansiosos por referências, que ele mesmo ajudou a criar – é o riso.
Talvez isso diga muito sobre o tipo de filme que Deadpool 2 (ainda mais que o primeiro) é: suas ironias e bambeamentos entre o sério e o ridículo, entre o autoconsciente e a intenção de extrair emoções autênticas funcione melhor na poltrona de casa, onde não há a track de risadas obrigatórias da audiência acompanhadas de cada comentário -à la sitcom – feito, diminuindo a força dos momentos emocionalmente ambíguos e permitindo uma assimilação mais justa. Se essa busca de seu diretor por momentos emocionais honestos falha na maior parte da projeção justamente devido ao “monstro” que Reynolds criou, os frutos são colhidos perto de seu fim, onde, na exceção, o desvio de tom se transforma numa surpreendente catarse.
Quem diria, afinal, que a mensagem singela – em seu idealismo simplista – de bem contra o mal clássico, o “não matamos o bandido porque não somos iguais a ele” venha num filme como Deadpool 2, prole de uma franquia dedicada quase em sua totalidade ao cinismo contra o heroísmo clássico (“superhero landing!”). A mais nova aventura do Mercenário Tagarela pode se dedicar a desconstruir tais tradições, mas há, por baixo dessa marra toda, um fã de quadrinhos incorrigível. A música que embala o momento chave – Tomorrow, do musical infantil Annie – onde um herói corre para salvar o espírito de uma criança, não mente. O mundo é uma merda, mas nem tudo está perdido. “O sol vai sair amanhã”. Deadpool 2 pode ser juvenil em suas piadas de pênis e excremento, mas é pueril em suas noções simplórias – mas verdadeiras – de bem contra o mal, de amor (a cena sem ironias embalada ao som de Take On Me abraça sem medo o piegas) e – pasmem -família.
E não é isso que os super-heróis deveriam fazer?
Deadpool 2 | Morena Baccarin no Brasil
Resumo
Ainda que seja mais desconjuntado que o primeiro, Deadpool 2 possui uma crença na jornada emocional de seu protagonista que falha em muitos momentos mas atinge a catarse no satisfatório fim