Esqueça Política, Lula e “Estancar Sangria” – A Maior Falha de “O Mecanismo” São Suas Metáforas
Este texto contém spoilers da série.
“O Mecanismo”, mais recente série da Netflix tem causado muita polêmica por seu conteúdo político-partidário que vem desagradando à parte do público que vê na série uma total incoerência entre o discurso proposto e o exposto durante os 8 episódios da série. De fato, a série vem causando comoção, gerando uma série de críticas ao diretor e produtor da série, José Padilha, e até mesmo para a plataforma de streaming que vem perdendo alguns (poucos é verdade) assinantes após o lançamento da obra.
Entretanto, sempre que surge uma obra com a barulho que fez “O Mecanismo”, algumas observações acerca da obra são abafas ou até mesmo desviadas por parte do público e dos críticos. O discurso em diversos textos, críticos ou não, acaba se tornando tão repetitivo quanto a própria série. Logo, esse texto não se trata de uma crítica completa da série e seus elementos técnicos, narrativos e/ou ideológicos. Até por que o Bruno Sorc já escrevera sobre a série aqui no site. Quero apenas levantar um elemento narrativo que esvazia muito do que a série quer mostrar – as metáforas.
“O Mecanismo” é uma obra pretensiosa, que tenta contar eventos baseados na maior investigação contra corrupção da história do país – a Operação Lava Jato, e para tal, vale-se da premissa ficcional para contar uma história sem necessariamente vinculá-la aos reais fatos ocorridos. Todavia, a série utiliza essa liberdade para criar algumas metáforas que inicialmente se mostram interessantes mas se perdem no meio do caminho. Vamos a elas:
O Câncer
A primeira metáfora da série é apresentado logo no início do primeiro episódio quando o personagem de Selton Mello (Rufo) narra que a corrupção no país é como um câncer, que se espalha pelo corpo ao se multiplicar e se retroalimentar até que atinge a metástase, quando células cancerígenas se espalham além do local onde começou. A metáfora funciona perfeitamente para representar a condição doente em que se encontra nosso país. Porém, a série não se satisfaz em apenas apresentar essa metáfora; ela a martela a todo momento na cabeça do espectador, como se fossemos incapazes de percebê-la.
Uma obra que se valeu da mesma metáfora foi “Aniquilação” de 2018. Ali o conceito narrativo de “show don’t tell” (mostre, não conte) é perfeitamente implementado, dando espaço para o público preencher as lacunas que formam o quadro oriundo da metáfora. Em “O Mecanismo”, a série opta por dizer, e não apenas uma vez, mas diversas vezes, cansando o espectador com informações repetitivas e limando a conexão com a metáfora proposta.
Os Fractais
Na série, Beta (filha do Ruffo) tem algum tipo de autismo (conclusão minha) que faz com que ela fique presa à uma imagem abstrata que se move e se repete em seu tablet. Essa imagem é um fractal, objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhante ao objeto original. No último episódio, Ruffo utiliza-se do conceito do fractal para explicar o mecanismo da corrupção brasileira, que nasce de um lugar, se divide, gera outras imagens e se retroalimenta. Já vimos isso antes não?
Sim, a série está repetindo o conceito de algo que estava sendo martelado em nossas cabeças, desde o primeiro episódio. Eles realmente queriam que entendêssemos essa correlação, tanto que a cena concluí com Ruffo criando um organograma da corrupção com (pasmem) 4 elementos. Tudo isso para ligar 4 pontos que foram entendidos desde o princípio.
MP x PF
Agora vamos para a pior utilização de metáfora que “O Mecanismo” apresenta – a relação promiscua entre Ministério Público e a Polícia Federal (ridiculamente chamada de Polícia Federativa). Essa eu demorei um pouco para entender, o que me agradou por um lado. Mas por outro lado, ela esvazia complemente a participação de Verena (Caroline Abras) na série.
Verena vive um relacionamento instável com a Claudio, um delegado (acredito que seja esse seu cargo) do Ministério Público. Tal relacionamento é completamente problemático, afinal Cláudio desde o início se mostra controlador e egocêntrico, nunca se preocupando com Verena, que apaixonada, sempre acaba cedendo aos seus caprichos. Para piorar tudo isso, a direção (em especial os dirigidos por Marco Prado) exploram o corpo da atriz em inúteis cenas de sexo que surgem toda vez que há uma reconciliação, mesmo Verena dizendo nunca mais querer olhar na cara do sujeito.
Essa mixórdia entre Verena e Claudio é uma metáfora a como a Polícia Federal está sob julgo do Ministério Público que interfere em suas ações como se fosse um namorado controlador. Faz sentido? Sim. Justifica colocar a personagem como alguém incapaz de agir por conta própria, ficando sempre a disposição do namorado que a tem apenas como um objeto de satisfação sexual ou mesmo como fonte de sua atuação profissional? Nem um pouco.
Verena acaba por se tornar apenas uma receptora de metáforas, tanto o da relação com MP quanto o do câncer que ele descobre ter. Mesmo quando ela parece estar bem, tomando as rédeas das investigações, vem um homem; lhe puxa o tapete; ela fica furiosa; mas depois perdoa e fica tudo bem… e isso vai repetindo e se repetindo.
Por esses e outros motivos que a série tem recebido tantas críticas negativas. É claro que a discussão política acerca da obra tomou o lugar de outras narrativas, mas a verdade é que “O Mecanismo” é uma série com cara de ter sido produzida às pressas, sem a devida atenção com o roteiro, que sim, carece de profundidade e cuidado narrativo. Uma pena, pois o material é bom. Vamos ver se nessa possível segunda temporada eles capricham mais, por que essa primeira foi bem complicada.