O Cinema como Mecanismo de Resistência | #Marielle Presente
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O CINEMA COMO MECANISMO DE RESISTÊNCIA | #MARIELLEPRESENTE

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião de seu autor, não refletindo a princípio os ideais dos demais autores do site.

 

Desde que passei a escrever sobre cinema em meados de 2016, sempre tive a preocupação de transparecer o que penso e sinto ao assistir a um filme. Não raramente exponho lágrimas derramadas durante minha experiência de assistir a uma obra, o que demonstra que cinema tem uma capacidade imersiva que extrapola o que é visto em tela. Assistir a um filme não é apenas um ato de entreter (pode até ser mas não necessariamente é). Cinema é um retrato de sua época, sendo um instrumento vivo, que mexe com nossos sentimentos e entra em nossas vidas podendo inclusive se tornar um agente de mudanças na nossa sociedade.

 

Hoje, esse texto foi escrito no contexto de um ato hediondo onde a vereadora Marielle Franco foi brutalmente executada em uma possível tentativa de silenciar quem gritava os abusos cometidos por quem detém o poder político nas favelas do Rio de Janeiro. Diante disso, me questionei quanto cinéfilo, se o cinema tem me servido como conscientizador social e político de resistência, e se deveria manifestar-me quanto a isso. Deveras, se você está lendo esse texto, fica claro que após meditar no assunto, me informar sobre o ocorrido e ter conversado com os editores do site, decidi posicionar-me ao abordar o cinema e seu enorme poder de resistência na figura de uma diretora do qual tenho o imenso prazer de ter conhecido e estudado sobre. Estou falando de Lúcia Murat.

 

Lúcia Murat nasceu em 24 de outubro 1948, no Rio de Janeiro. Estudou economia e se envolveu com o movimento estudantil ainda jovem. Com a implantação do AI-5 (Ato Institucional Número Cinco) em dezembro de 1968, entrou para o grupo comunista conhecido como MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). Presa em 1971, foi torturada e encarcerada por três anos e meio. A experiência da prisão e das torturas durante a ditadura militar exerceu forte influência em sua obra, que se tornaram uma ajuda para a sobrevivência de Lúcia pós ditadura.

 

O cinema de Lúcia Murat é uma extensão de sua vida política. Todas as suas lutas, conquistas, derrotas e questionamentos estão presentes em suas obras, a começar por seu primeiro trabalho, “Que Bom Te Ver Viva” de 1989, filme que mescla ficção com documentário para tratar de casos de tortura de mulheres durante o último período de ditadura militar no Brasil (1964 – 1985).

 

O filme é uma compilação de depoimento de oito mulheres que enfrentaram a tortura e a prisão durante o regime militar. Estas entrevistas são intercaladas com delírios e fantasias, vividas pela atriz Irene Ravache. Trata-se da perspectiva feminina da tortura e seus impactos na vida daquelas mulheres que mesmo não estando presas fisicamente, ainda estão psicologicamente sob domínio de uma paranoia e que é sintetizada na frase de uma depoente: “Será que um dia deixarei de ver um homem como um torturador?”

 

O filme é um soco no estômago que reflete a dor daquelas mulheres que resistiram o quanto puderam diante do totalitarismo à elas imposto. Uma dor que perdura, mesmo depois de muito tempo, afinal, o corpo pode até se recuperar mas as marcas psicológicas da tortura nunca saram. Não é um filme fácil de ser assistido, mas é uma obra que reflexiona um período que não deve ser esquecido para que nunca mais volte a ser vivido.

 

Outro filme marcante sobre a resistência da mulher ao totalitarismo é “Uma Longa Viagem” de 2011. Novamente Lúcia Murat se vale de uma ficção documental para trazer às telas o impacto dos movimentos de resistência na vida da sua família. Estamos diante do filme mais pessoal da diretora que expõe que militância não é apenas gritar palavras de ordem. Há diversas perdas envolvidas na luta por um estado democrático de direito. São nesses momentos que o pensamento coletivo, de empatia se faz necessário para que coloquemos os direitos de outros na frente dos nossos.

 

Para finalizar esse passeio pelo cinema de resistência de Lúcia Murat, temos “Praça Paris” que tem estreia em circuito nacional prevista para 26 de Abril de 2018. O filme gira em torno de Glória (Grace Passô), uma ascensorista na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Filha de um pai abusivo, Glória busca tratamento psicológico com a terapeuta portuguesa, Camila (Joana de Verona) para lidar com as memórias dos abusos do pai e com a ausência e proteção de seu irmão, Jonas (Alex Brasil), que está preso. Aqui Lúcia Murat discute a violência do Rio de Janeiro explorando uma estrutura racista entranhada na sociedade, o que era pauta constante nos projetos de Marielle Franco. Não estamos falando de violência única e exclusivamente, até por que esta é apenas a “ponta do iceberg“. “Praça Paris” é um estudo sobre violência e empatia. O filme provoca-nos como espectadores e nos propõe sairmos de nossa zona de conforto e privilégios, distantes do conflito, para refletirmos nossas ações diante da marginalização de um grupo de pessoas.

 

praca paris

Manifestação do elenco do filme durante o Festival do Rio

 

Espero de verdade ter podido contribuir um pouco com a memoria de Marielle Franco trazendo essas obras que tanto conversam com algumas de suas causas. Não permitir que sejamos calados, é um dever que nós temos como comunicadores (parafraseando Grécia Baffa, autora deste site). Podemos utilizar o cinema como instrumento de mudança e valoriza-lo por isso. O cinema nunca abaixará a cabeça para nenhuma imposição de censura ou intimidação. A arte resiste! Lucia Murat resiste! O cinema resiste! Marielle… presente!

 

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