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CRÍTICA: A MELHOR ESCOLHA

Quando um Homem perde um Filho, ele tem muito peso em suas costas, mas cabe a ele fazer A Melhor Escolha.

Ficha técnica:

Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater
Elenco: Steve Carell, 
Bryan Cranston e Laurence Fishburne
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (22 de Março de 2018 no Brasil)

Sinopse: Um ex-marinheiro busca ajuda em seus antigos companheiros que serviram juntos no Vietnã, uma forma de enterrar o seu filho que acaba de morrer servindo o país no Iraque.

Pelos eventos no Mundo, nota-se que aqui estamos em dezembro – pelas árvores e enfeites de Natal – de 2003, pois o ditador Saddam Hussein fora pego pelas Forças Armadas Norte-Americanas, a internet está sendo cada vez mais propagada e os telefones celulares estão ganhando o mundo com muita força. Em meio a tudo isso, temos Larry Shepherd (Steve Carell), mais conhecido como ”Doc”, em meio a uma dolorosa busca.

Dá sua lista de Amigos, ele optou por ir primeiro atrás de Sal Nealon (Bryan Cranston) um velho largado, bêbado boca suja, cheio de verdades e dono de um bar que vive ás moscas. Depois de um pouco de papo, Doc sugere que fossem a um lugar, mas não conta onde nem por que. Eis que encontram o – agora – Reverendo Richard Mueller (Laurence Fishburne) pregando em uma pequena Igreja, com toda a sua poderosa fé e objetivos reconfigurados dos tempos de Marinha.

Eis que o plot do filme vem a tona e você começa a ter e sentir bem melhor o que o Diretor Richard Linklater (do nostálgico Jovens, Loucos e Rebeldes ao impressionante Boyhood: Da Infância à Juventude) quer realmente passar. Você nota a mão pesada da Direção querendo por exatamente tudo que programou no Roteiro em seu devido lugar – luxo para poucos – A verdade, os questionamentos, a raiva, angústia, o peso de tudo que este Longa representa, tudo lapidado com muito carinho e personalidade. Linklater soube dosar bem a mensagem e não se atrapalhou na execução. Temos muito potencial aqui.

Um protagonista apático, recluso e quase anônimo em seu próprio filme, mas se dermos um passo para trás e olharmos bem melhor as suas margens, estamos muito mas muito longe de nos deparar com uma má atuação. Steve Carell está impecável – posso dizer que a cada dia mais, ele se torna um dos meus atores favoritos – em sua forma de agir e pensar. Vivenciamos os seus penosos passos, um corpo cansado prestes  a explodir, cheio de perguntas mas nem se quer ousa faze-las. Um misterioso e surpreendente homem, que sabe se impor mesmo sendo um cara assustadoramente sereno. O fardo que ele carrega é único, e Carell se mantém completamente envolvente, mesmo estando por vezes, nas sombras de seus coadjuvantes. Tem  uma energia que não transmite, conflitante em contê-la e mesmo assim, alveja o público de forma sórdida, não só pela empatia ou pena em questão, mas ele tem o seu personagem nas mãos de uma forma muito bem moldada por ele e o seu Diretor. Outros atores com certeza teriam abordado o personagem  de outra forma, trabalhado em outro modo de compor a sua atuação neste papel. Foi uma escolha feita a dedo.

Cranston por sua vez, está completamente irritante, com aquele tom de deboche o tempo todo, fazendo com que todos a sua volta lutem para suportar a sua presença. Com um humor ofensivo que funciona muito bem na trama, se torna o ser completamente antagônico ao seu amigo de Serviço prestado no Vietnã – também muito bem interpretado por Fishburne. Os dois tem diálogos longos, onde debatem a existência de Deus, o propósito da fé, o que realmente queremos da vida ou até mesmo coisas mais corriqueiras como a musicalidade do Eminem. E os dois trabalham em cima do protagonista ”Doc” o influenciando aqui e ali como se fossem um Anjinho e o Diabinho em seus ombros. Incalculável a química neste trio.

Quando digo ”Anjo e Diabo” em seus ombros, eu falo quase que literalmente, uma vez que da para perceber que o Roteiro pedia por enquadramentos assim. A fotografia os coloca quase que 90% do filme em posições bem especificas. Um a frente do outro, quando estaão influenciando mais, e sempre nos mesmos lados. Sal sempre a direita de Doc e Mueller a esquerda, como se realmente representassem tais entidades. Outra coisa interessante neste artificio, é sentir que ele é verídico, quando ele perde o filho e procura primeiro o ”Diabo” com a sua raiva, e depois ”Deus” com suas dúvidas. Mas na incerteza, leva os dois para a sua jornada em busca de enterrar o filho em sua própria cidade.

Temos cenas como na Igreja, onde Sal zomba da atual posição de Mueller, pois já ”serviram” juntos em outros tempos, fazendo alusão ao céu, quando Lúcifer ainda era um Anjo. Eles questionam muito a religião em si, mas se você olhar para Sal, alcoólatra inveterado, vulgar, que não pensa no dia de amanhã, com a sua forte imaturidade que só quer saber de diversão instantânea, tirando proveito de tudo – como pegando balas grátis por onde passa – e sempre oferecendo estes doces ou pedindo para que as pessoas a sua volta relaxem, vemos a pontuação gritando que é muito atentador ser ele. Já Mueller, que procura trabalhar nas brechas dos desajustados, tentando aflorar de alguma forma a crença de cada um, possui um leque incrível de frases prontas. Carrega uma bengala – como se fosse a sua própria cruz – demonstrando que o seu caminho, o caminho que julga certo, é muito mais tortuoso e sofrido mas que é satisfatório pois sempre está orgulhoso de si. Em uma cena específica, em que a dupla dobra uma bandeira juntos, a parte listrada em vermelha fica com Sal e o azul cheio de estrelas com Mueller.

Além de trabalhar muito bem o Drama proposto e com pitadas cínicas de humor que chega a arder, eles falam sobre os seus falsos governantes, o poder catastrófico e salvador da mentira e sobre o envelhecimento de que ninguém escapara, temos bons personagens povoando todo o Longa, como é o caso de J. Quinton Johnson, onde soube estruturar e dar credibilidade em seu personagem – ele participa de uma das melhores cenas do Filme, onde prova ter rebolado para contracenar com grandes nomes.

Um fato interessante, é que este Longa ”poderia” ser uma continuação do Filme de 1973,  A Última Missão – estrelado por Jack Nicholson – onde 2 Marinheiros são designados a levar um terceiro oficial para a cadeia, por ter cometido um pequeno delito. Os três acabam ficando amigos, e a dupla acaba levando o garoto para a farra. Um contexto que faz muito sentido, levando se em conta a etnia do trio, suas personalidades e até mesmo a subtrama proposta. Mas é algo não oficial, pois até existe menções para os nomes da outra obra, mas não são os mesmos da trinca destes protagonistas, o que nos faz pensar que talvez tenha sido A Melhor Escolha homenagear mas criar algo seu. O passado aqui é muito mais sombrio e amargo do que se fosse realmente uma continuação da película do Hal Ashby.

O filme é tão autoral, tem uma assinatura tão forte, que ele vence na proposta, mas talvez não anime tanto o público. Por ter algumas reviravoltas óbvias, este road movie peca em instigar uma coisa maior que nunca acontece. Fica aquele gostinho de quero mais. O final de fato faz jus a ambos os títulos – no inglês Last Flag Flying – mas ainda sim cria-se um palco que não é usado em momento algum. Temos aqui alguém que escreve bons diálogos, mas que não gosta de sair do planejado, não se arriscando em situações que poderiam ser bem mais memoráveis.

Talvez era só para nos obrigar a sentir o vazio que Doc sentiu ao longo de todo o filme. Quem sabe seja a ideia do Roteiro, nos embebedar de uma expectativa assim como a vida faz, nos instigando a chegar em lugares que não sabemos ir, mas nos impedindo de alcançar o que buscamos para saciarmos.

3.5

Resumo

A Melhor Escolha é um Longa que você sente pontadas o tempo todo, seja na hora de rir por alguma desgraça ou de quase chorar por uma maior ainda. Um belo trabalho de múltiplas perspectivas, trabalhosas atuações e uma bela e sincera mensagem filosófica.

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