O Homem Que Caiu na Terra – A adaptação que trouxe David Bowie na “pele” de um ET
O Homem que Caiu na Terra (1976) é uma adaptação do livro de Walter Tevis (1963), de mesmo nome, e republicado em português pela Dark Side Books, em comemoração aos 40 anos de aniversário da estreia do filme. Nicolas Roeg (Convenção das Bruxas) foi o escolhido para dirigir o longa com David Bowie, nosso camaleão favorito, no papel principal. Todas as filmagens aconteceram no Novo México e produzido no Reino Unido, talvez por isso, perdeu o ar hollywoodiano e proporcionou o caminho para a prateleira cult.
A história de O Homem que Caiu na Terra conta sobre um extraterrestre que sai de seu planeta como uma última esperança em busca de água. Para isso, existe um grupo de pesquisa que localizou a Terra como um possível destino. Eles selecionam alguns dos seus, com maiores chances de sobreviver nas condições que o nosso planeta azul dispõe, como pressão, peso, clima e a vida em sociedade com os humanos. Para o último, existe um treinamento que proporciona eles assistirem à televisão e aprenderem como acontecem as interações humanas. O plano é infiltrar algum de sua espécie e conseguir fundos para construir um foguete que possa resgatar sua raça e trazê-los para a Terra.
Bom, isso é o que explica o livro. Mas a opção do filme é fazer algo mais desconexo, que fosse possível deixar para quem assiste explorar a imaginação da época sobre os aliens. Existe nas páginas uma discussão interna do personagem principal sobre a sua missão e as relações que tem com os terráqueos. Mas no filme precisamos captar pelos detalhes que são jogados aos poucos na tela, quase imperceptível, a não ser pelo fato que ele se humaniza ao decorrer da narrativa. Claro, uma escolha da direção e produção, ao escolher focar em um, dos vários assuntos, que o clássico de Tevis traz. Durante o filme, é mostrado claramente como acontece a discussão sobre estrangeiros nos EUA. Como as pessoas não sabem lidar com as diferenças.
A história do longa é uma visão de fora do personagem principal, Thomas Jerome Newton (David Bowie), que vem à Terra em busca de água para seu povo. Para isso, traz algumas tecnologias bobas, mas que revolucionam a indústria. Com essas patentes reúne o dinheiro necessário para construir seu resgate. No meio do caminho acaba se apaixonando por uma humana, Mary-Lou (Candy Clark), e tem seus planos afetados pela ganância humana.
Existem detalhes nos livros que são alterados no filme, mas também tem sua importância para entendermos a história e o porque das mudanças no filme. Além de Mary-Lou ser negra na história de Tevis e branca no filme, a relação entre ela e o extraterrestre é um pouco diferente. Thomas se vê confuso em seus sentimentos por ela e várias vezes pensa na diferença, se existe alguma, entre o que sente por sua esposa (de seu planeta natal). Mas não existe uma confirmação de amá-la, até porque ele se vê preso na Terra, também por ter começado a gostar e sentir simpatia pelos humanos, o que se mistura no carinho que tem por Mary-Lou. Já no filme fica claro que eles se amam. Esse detalhe pode ser pouco, mas embasa a narrativa do porque ele demora para colocar o plano em prática e acaba sendo pego pelo governo norte americano.
Resolvido isso, vamos ao que interessa, o ponto de discussão do filme é sobre o estrangeirismo e aqui percebemos o quanto a sociedade não evoluiu muito nos últimos 40 anos. Os negros e estrangeiros tem um currículo de maltrato por parte da nação livre lá em cima e o filme mostra isso na pele de um extraterrestre. No livro fica claro que Thomas acaba por decidir ajudar os terráqueos e os impedirem de destruir seu ecossistema. Mas, por conta do preconceito, ele não é aceito nesse mundo diferente e acaba sendo preso pelo governo. Algo que vemos no nosso dia a dia, estrangeiros são tratados com hostilidade por, ora vejam só, serem diferentes.
Então, nesse bolo todo de preconceito, entra David Bowie como ator principal. Um homem com traços andrógenos, que tem uma carreira formada por tentar trazer a diferença e fazê-la ser aceita pela sociedade. Ele mesmo. Essa escolha para Thomas não foi impensada. Além da aparência ser ideal para o ET, alto, magro, ruivo e de olhos estranhos, a persona também se encaixa nos fundamentos do personagem. O que é um soco no estômago para uma época que ainda não pensava sobre todos os avanços que temos hoje, não existia desconstrução da sociedade, não é mesmo. Um dos motivos, talvez, por terem colocado esse longa na prateleira do cult.
E, no fim, acabamos mais uma vez caindo naquele velho pensamento: a humanidade tem salvação. Ao mesmo tempo que nos vemos presos nesse mundo, no qual a ganância destrói sonhos e deixa cada vez mais próximo o fim do nosso ecossistema.
*Existe um remake de 1987 que só passou na TV norte americana