A Importância do Senso de Urgência em “The Post: A Guerra Secreta”
Assistir a um filme é mais do que uma experiência visual ou auditiva. Uma obra cinematográfica, quando bem feita, é capaz de transformar sons e imagens em uma experiência sensorial, ativando áreas especificas do nosso cérebro e liberando substâncias químicas capazes de extrair as mais diversas reações. Um exemplo disso é o filme O Regresso, de 2015 dirigido por Alejandro G. Iñárritu que tem uma capacidade imersiva tão grande que não raramente, espectadores sentiram frio ao assisti-lo. Assim como em Julie & Julia, de 2009 dirigido por Nora Ephron que não raro o espectador assisti ao filme e sente uma fome inacreditável (assista a Chef’s Table e tenha tal experiência elevada a enésima potência). Além disso, filmes de horror têm como característica causar um efeito físico em seu público como medo e angústia. Isso sem falar nos filmes que nos fazem rir ou até mesmo chorar copiosamente. Essas são algumas reações físicas que temos durante a exibição de um filme, mas hoje, vamos falar de uma muito específica que está presente no novo trabalho de Steven Spielberg, The Post: A Guerra Secreta – falaremos do famigerado “senso de urgência”.
The Post: A Guerra Secreta é baseado em eventos reais onde a equipe do jornal The Washington Post está diante de um escândalo envolvendo o governo americano e a guerra no Vietnã. Por se tratar de um evento único porém marcante, o filme se foca em um curto período de tempo, dedicando todos os seus esforços para que o público imerja no embate levantado, e é nessa imersão que o senso de urgência se faz necessário.
Para entendermos o que é senso de urgência, recorramos ao mestre Alfred Hitchcock, que explica como causar senso de urgência no público. Ele exemplifica da seguinte maneira: imagine que há uma bomba debaixo uma mesa onde 4 pessoas estão conversando, e então, de repente, “Boom!” Uma explosão. Há um espanto, uma surpresa por parte do público. Entretanto, antes dessa surpresa, não ouve qualquer preparação para o ato, gerando apenas um efêmero susto. Hitchcock nos mostra que existe outra maneira de trabalhar uma cena, e não é preciso grandes milagres, basta uma boa decupagem da cena (para entender mais sobre decupagem assista a esse vídeo-ensaio produzido pelo Artecines). Agora, imagine que há uma bomba debaixo da mesa e o público sabe disso. O efeito surpresa já se esvaiu automaticamente, mas o foco da cena não é o susto e sim o senso de urgência. O público está consciente de que a bomba vai explodir em cinco minutos, o que gera tensão pois os personagens não sabem disso. O pública “entra” na história por ter uma informação que os personagens não têm. Desta forma, Hitchcock mostra que uma mesma cena pode extrair sensações distintas de acordo com a decupagem dela. O vídeo abaixo (em inglês) mostra o cineasta explicando conceito.
Em The Post: A Guerra Secreta, Steven Spielberg, outro mestre do cinema, utiliza-se do mesmo princípio para criar um senso de urgência no espectador. O diretor sabe que o público conhece a história e já sabe o final da mesma. Ou seja, não há surpresa alguma na história. Mas o que nos faz imergir na trama não é o fator surpresa, e sim a sensação de que algo precisa ser feito, e rápido. Spielberg utiliza de alguns elementos como a câmera que nunca fica estática, se movimentando energicamente para todos os lados, criando uma sensação de continuidade. Um exemplo bem claro disso está no perfeito uso de plongées (câmera de cima para baixo) que nos dá a dimensão da quantidade de trabalho que aquela equipe tem nas mãos para organizar, estudar e publicar, e de contra-plongées (câmera de baixo para cima) criando uma tensão por permitir que o público fique por baixo dos protagonistas, observando suas feições nervosas e tensas.
Outro recurso brilhante é a trilha sonora. Na verdade, é a ausência de trilha sonora nos momentos mais tensos da história. Se em filmes recentes Spielberg pesa a mão na dramaticidade, com trilhas altas e invasivas, em The Post: A Guerra Secreta ele dosa um pouco mais. Embora haja momentos onde a trilha parece invasiva demais, quando ela cede espaço ao silêncio é que a tensão cresce.
No final do filme, mesmo sabendo como se daria o desfecho, a sensação é de alívio, graças à endorfina que é produzida pelo cérebro em momentos de tensão, gerando uma sensação de bem estar após relaxamento. Nem todos os diretores tem essa habilidade em criar senso de urgência em suas obras. Por exemplo, no filme O Destino de Uma Nação, dirigido por Joe Wright, esse senso de urgência é esvanecido por um roteiro inchado e didático demais. Ainda que Wright tenha total domínio da câmera (ele a utiliza muito bem), ele não consegue vencer o obstáculo de um final já conhecido do público.
O senso de urgência é um elemento muito importante para o cinema, e mestres como Alfred Hitchcock e Steven Spielberg sabem explora-la muito bem, e entender esses recursos pode proporcionar ao espectador uma melhor imersão na história contada.