Crítica | O Artista do Desastre
Artista do Desastre
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Crítica | O Artista do Desastre

O Artista do Desastre é divertido e intrigante, mas – como seu protagonista – inconclusivo em suas intenções

Ficha técnica:

Direção: James Franco
Roteiro: Scott Neustadter, Michael H. Weber
Elenco: Dave Franco, James Franco, Seth Rogen, Alison Brie, Ari Graynor, Josh Hutcherson, Jacki Weaver
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2018 (25 de Janeiro de 2018 no Brasil)

Sinopse: Greg Sestero (Dave Franco) se aproxima do excêntrico Tommy Wiseau (James Franco) após uma aula de atuação e os dois desenvolvem uma intensa amizade ancorada no sonho em comum de fazer sucesso nas artes dramáticas. Juntos eles partem para Hollywood, onde Tommy, cansado de ser rejeitado em testes, decide produzir, financiar, dirigir, escrever e protagonizar – ao lado do melhor amigo – o longa-metragem que o catapultará ao estrelato: “The Room”.

Artista do Desastre

“Eu sou um herói, e vocês são todos vilões. Vocês riem do herói, e é isso que vilões fazem”. Essa é a frase que o auto proclamado “herói americano” Tommy Wiseau exclama diante de um grupo de teatro em determinado momento de O Artista do Desastre. A cena em questão diz muito sobre o novo filme dirigido por James Franco – que também encarna Wiseau -, que tem como uma de suas propostas justamente questionar o que é o bom e o ruim, o sucesso e o fracasso e explorar esse excêntrico indivíduo responsável por The Room, considerado por muitos o “pior filme já feito”. É até poético, então, que – assim como a enigmática figura de seu protagonista – O Artista do Desastre possua uma áurea de indefinição por trás de suas intenções como filme, que parece idolatrar, mas também caçoar Tommy; que ri com ele mas também – assim como aqueles da cena teatral de Los Angeles – dele.  Há, por trás da comédia de absurdos biográfica contida em O Artista do Desastre, uma mistura muito mais melancólica de admiração e pena por seu protagonista, um sonhador que não possui absolutamente nenhum talento ou compreensão da arte que tanto deseja trazer ao mundo.

Roteirizado por Scott Neustadter e Michael H. Weber (dupla responsável por 500 Dias Com Ela) com base no livro de mesmo nome escrito por Greg Sestero (que também estrela o The Room original) e Tom Bissell, o filme acompanha todo o processo de criação por trás de The Room – lançado em 2003 -, mas acima disso a incomum amizade entre seus realizadores, Greg Sestero e Tommy Wiseau, vividos aqui pelos irmão Dave e James Franco, respectivamente. Greg é um jovem aspirante a ator que, numa aula de atuação, se intriga pela figura de Tommy. Como não poderia? Alto, vampírico, de longos cabelos pretos e com um sotaque Europeu – ainda que orgulhosamente alegue ser americano -, o sujeito possui uma coragem perante o palco que incentiva o tímido Greg a abordá-lo, propondo algum tipo de parceria. A comparação com vilões do cinema feita por um professor vivido por Bob Odenkirk (numa das inúmeras pontas do filme) então, se justifica. Wiseau é quase um monstro de Frankenstein em sua figura contraditória, montada e de afetações, que clama ter dezenove anos -mesmo que aparente quarenta – e é dono de uma fortuna que ninguém sabe de onde veio. “Não fale sobre mim, nem pra sala, nem pra ninguém”, diz Tommy para Greg, antes de entrar em um de seus vários apartamentos, com correspondências esquecidas pelo chão. Após inúmeras rejeições em audições para papeis no cinema, Tommy decide fazer seu próprio filme, mesmo que não saiba, exatamente, escrever um roteiro, dirigir ou sequer atuar.

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Se aqueles que nunca assistiram a The Room podem questionar a veracidade da interpretação de James Franco –   vencedor do Globo de Ouro 2017 de melhor ator em comédia ou musical por sua performance neste filme – como Wiseau, tal indagação esvai-se quando acompanhamos os créditos finais, com comparações entre o original e a reprodução. Franco, inclusive, é inteligente ao optar por uma construção que não é excessivamente idêntica e calculada, de maquiagem carregada – daquelas que a academia ama-, como fez Gary Oldman com seu Winston Churchill em Destino de Uma Nação. Ao invés disso, ao adotar as inflexões e postura de Wiseau, o ator permite que a força de sua performance como Tommy cresça naturalmente após o estranhamento inicial.

Mas quem são os verdadeiros freaks? Com a chegada de Tommy e Greg em Los Angeles, Franco adota uma abordagem frenética e  de inquietação enquanto captura as faces das pessoas que habitam Hollywood, nas calçadas, limusines e pré estreias. É tudo estranho, alienígena e, por um momento, é como se Tommy encontrasse neste show de horrores uma casa, com sua fixação pelo “sonho americano”. É apenas mais trágica, então, sua incapacidade de se integrar, de ter qualquer tipo de vínculo emocional com qualquer pessoa, e é aí que Franco trabalha seu cinema de ironias visto em “O Artista do Desastre”, que acaba se tornando a maior virtude desta obra, mas também seu calcanhar de aquiles.

O sucesso de The Room e o culto por trás do mesmo se deve, é claro, à extrema diversão proveniente de um filme ruim que se leva totalmente a sério, um sucesso que vem da vergonha alheia, uma risada dos esforços de Wiseau e seu cinema absurdo. É o trash não intencional, aquele cinema de bordões e piadas internas – um movimento. Com essa ideia de piada interna em mente, é apenas natural que Franco adote essa abordagem em O Artista do Desastre, uma obra farsesca que é filmada, editada e possui até mesmo uma trilha sonora orquestrada esperada de um “filme de Oscar”. Quem conhece a filmografia de Franco, no entanto (que dirige pelo menos 2 filmes por ano), nota a estética incongruente com o resto de seus filmes. Por trás de uma narrativa daquelas edificantes, que elevam o poder criativo, há a tiração de sarro com este tipo de produção, que é elevada já em seus créditos iniciais, onde artistas como Kevin Smith,  J. J. Abrams e Kristen Bell comentam a magia por trás de The Room, como num documentário. Noutro momento, o diretor enfoca a premiere de Shakespeare Apaixonado, uma comédia romântica vencedora do Oscar – e das maiores piadas daquele ano – graças a pesada campanha política feita pelo monstro Harvey Weinstein e sua Miramax.

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“Você é meu”, diz a chefe de uma agência de atores vivida por Sharon Stone para Greg em determinado momento. James Franco parece ter a intenção de evidenciar a hipocrisia de uma indústria que fabrica seus heróis e que exploram sonhadores apenas para abandoná-los posteriormente, celebrando suas histórias através de produções emocionalmente artificiais. Nesse sentido, a abordagem adotada por Franco é realmente um cinema exploitation, um cinema de gêneroÉ uma pena, então, que essa exploração acabe se virando contra o próprio Franco, que ao seu próprio modo também explora a história de Wiseau. O cinema que ele propõe pode até ser irônico, mas justamente por isso carece de qualquer sinceridade, como se ficasse em cima do muro.

Assim, há sempre este ar de indefinição na obra de Franco. Quando vemos, ao final, a recepção positiva quase que imediata, acompanhada de um discurso de Greg sobre como nem mesmo Hitchcock conseguira uma recepção tão calorosa quanto essa, há sempre aquele tom de ironia pairando sobre o ar. O Artista do Desastre, então, fica nesse meio termo, numa produção que diverte, mas dotada de um cinismo crescente que só é evidenciado pela forma com que Franco trata Wiseau na vida real, levando-o a talk shows e convidando-o ao palco de premiações apenas para exibi-lo, como um párea, como se dissesse “aqui, assista-o”.

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Nesses momentos, Franco cineasta se torna um daqueles vilões, e entrega uma obra divertida, mas duvidosa em suas intenções. Desta forma, quanto mais ele se adentra no universo bizarro e misterioso de Tommy Wiseau, o diretor acaba por mistificar ainda mais a obra e persona deste “artista”. Ao mesmo tempo, se este filme daria uma boa sessão dupla com Ed Wood de Tim Burton – outra obra sobre um “artista do desastre” -, ficam também cada vez mais evidentes as diferenças essenciais entre ambos: enquanto Wood era claramente apaixonado pelo Cinema – ainda que não o compreendesse de fato, Wiseau está na cena pela fama, pelo glamour que vem idealizado por uma própria indústria que transforma histórias como a dele em inspiração.

Esta parece ser a eterna sina de seu artista, condenado a viver de seu trabalho mais vergonhoso e transformá-lo, de alguma forma, em êxito. Thom yorke e sua Radiohead já diziam: “os sonhadores nunca aprendem”.

  • Nota Geral:
3

Resumo

Há, por trás da comédia de absurdos biográfica contida em O Artista do Desastre, uma mistura muito mais melancólica de admiração e pena por seu protagonista, um sonhador que não possui absolutamente nenhum talento ou compreensão da arte que tanto deseja trazer ao mundo.

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