Crítica | Me Chame Pelo Seu Nome
Me Chame Pelo Seu Nome é muito mais do que o “filme gay” da temporada
Ficha técnica:
Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: James Ivory
Elenco: Armie Hammer, Timothée Chalamet, Michael Stuhlbarg, Amira Casar, Esther Garrel
Nacionalidade e lançamento: França, Itália, EUA, Brasil, 2017 (18 de Janeiro de 2018 no Brasil)
Sinopse: É o verão de 1983 no norte da Itália, e Elio Perlman (Timothée Chalamet), um rapaz precoce de 17 anos, passa os dias na villa do século 17 de sua família, transcrevendo e tocando música clássica, lendo e flertando com sua amiga Marzia (Esther Garrel). Um dia, Oliver (Armie Hammer), um estudante de pós-graduação, chega para ajudar o pai de Elio, como o aluno-visitante anual de verão. Em meio ao esplendor ensolarado deste cenário, Elio e Oliver descobrem a embriagadora beleza do despertar do desejo ao longo de um verão que mudará suas vidas para sempre.
As comparações feitas entre Me Chame Pelo Seu Nome (2017), e Moonlight – Sob a Luz do Luar – grande vencedor do Oscar 2017 – são injustas: embora tenha a “temática gay” em comum, o novo filme do italiano Luca Guadagnino – diretor de Um Sonho de Amor (2009), Um Mergulho no Passado (2015) e do vindouro Remake de Suspiria – se difere em muitos aspectos da produção de Barry Jenkins. Me Chame Pelo Seu Nome não fala sobre repressão social, prega algum tipo de hino ou levanta a bandeira de movimentos. Se ele fala sobre repressão, são aquelas emocionais, autoimpostas pelos personagens que habitam a história baseada no livro de mesmo nome; se prega algum tipo de hino, é o do amor. Mais do que isso: ao cercar seu protagonista, Elio (Timothée Chalamet) de privilégios – a família judaica liberal e bem estabelecida financeiramente que vem na forma de seus compreensivos e sensíveis pai (Michael Stuhlbarg) e mãe (Amira Casar) – , Guadagnino, o roteirista James Ivory e André Aciman – escritor do livro – devotam as 2 horas e 12 minutos da projeção a explorar a relação amorosa de Me Chame Pelo Seu Nome como qualquer outra história de amor.
Essa exploração começa em 1983, com a chegada de Oliver (Armie Hammer) na casa de verão pertencente a família de Elio (Timothée Chalamet), localizada ao norte da Itália. Estudante de pós-graduação, Oliver chega para ajudar o professor Pearlman, pai de Elio, como o aluno-visitante anual de verão. Os dias que eram até então tediosos para Elio, um jovem de 17 anos e prodígio em música clássica que reservava para seus dias estudo musical e ocasionais pegações com a jovem francesa Marzia (Esther Garrel) ganham um novo propósito enquanto o garoto tenta compreender, conflitado, a figura de Oliver, assim como os sentimentos que se afloram pelo americano de 24 anos. Essa confusão da intriga inicial vem, como no próprio amor, do conflito. Elio, franzino e culto é, a primeira vista, o oposto de Oliver, um homem atlético, extrovertido e seguro de si. O garoto caçoa na mesa de família a arrogância com qual Oliver se despede das pessoas, com o seu “Later/Até Mais” tipicamente americano, colocando o nome do outro na conversa apenas para ouvir o que as pessoas ao seu redor pensam dele e, quem sabe, até mesmo reconhecendo em segredo sua própria arrogância em comum. A atração das garotas por Oliver apenas desperta ciúmes por parte de Elio, como se o americano representasse tudo que o jovem gostaria de ser. Não tarda, no entanto, para que o inicial julgamento superficial fique em segundo plano enquanto Elio e Oliver se aproximam cada vez mais, a medida em que um sentimento mútuo aflora.
Desse sentimento nasce um jogo de sedução. “É como se elas te desafiassem a desejá-las”, explica o pai de Elio para Oliver, referindo-se às estátuas greco-romanas, ideais de perfeição masculinas que o mesmo tanto estuda. E é fascinante como Guadagnino estende esse jogo extra-filme. Após registrar a viralidade atlética de Oliver enquanto o mesmo joga vôlei, o diretor nos nega a imagem de Elio enquanto ele joga, permitindo que acompanhemos apenas o pós jogo, focando em seu corpo suado. Através das lentes de Guadagnino e seu diretor de fotografia Sayombhu Mukdeeprom, seus protagonistas se tornam as próprias estátuas curvilíneas que pedem para serem desejadas. Oliver entra em suas cenas já idealizado, saindo da piscina, filmado em contra-luz e jogando o cabelo para trás; Foco na boca extremamente rosa e jovial de Elio enquanto ele come uma fruta; Essa ideia é consumada no belo plano em que vemos Oliver na sacada, imortalizado pela luz do luar.
As provocações não se resumem apenas aos seus personagens e são elevadas pela forma com que o diretor arquiteta o cenário e as pessoas dentro dele. Um diálogo entre Elio e Oliver em particular, em frente à um monumento da primeira guerra mundial não poderia ser mais literal: a discussão se torna uma batalha, onde ambos se afastam de início, andam em volta da estátua apenas para se encontrarem no fim -com um próprio clímax que é alcançado não através de momentos emocionais exagerados, mas sim numa confissão -, nessa cena que parece coreografada como uma pequena dança, de movimentos fluidos e naturais que ecoam até mesmo alguns momentos da trilogia Antes do Amanhecer de Richard Linklater. E este talvez seja um dos maiores méritos de Me Chame Pelo Seu Nome: a de retratar seus momentos ternos sem medo do piegas, com uma transparência e intimidade que acaba criando um elo entre aquelas pessoas e nós. Ainda assim, há um claro controle de Guadagnino sobre o que ele quer nos mostrar. Se a maioria dos diretores não resistiria em dar um close nas mãos e bocas de seu casal na cena em que Oliver acende um cigarro para Elio, o italiano opta por filmar tal cena a distância, como se reservasse aquele momento aos personagens, numa altura em que a atração não precisava mais ser evidenciada.
Quanto mais conhecemos Elio e Oliver, mais aqueles papeis iniciais se desfazem e novas facetas são descobertas. “Você sabe o quão feliz estou por termos dormidos juntos?”, diz o americano para o garoto em determinado momento. A imagem de Oliver andando de bicicleta sem segurar no guidão evidenciam uma libertação nesse sentido, e a força desses personagens deve-se, é claro, as grandes performances de Timothée Chalamet e Armie Hammer. Mais do que entrega às cenas sexuais, os dois constroem seus personagens com sutilezas e uma sensibilidade que só é aumentada pelo material com o qual trabalham, escrito por James Ivory.
Essa sensibilidade vem de um filme que valoriza o próprio ato de sentir. Um close em duas pernas se esfregando à beira da piscina, uma mão que acaricia a outra e um sussurro que dá nome a este filme. É através desses gestos pequenos mas que dizem mais do que palavras que Me Chame Pelo Seu Nome se completa, e é incrível como até os coadjuvantes se tornam mais complexos através dos mesmos, como no poderoso conforto silencioso maternal que Elio recebe após o coração partido. Ainda assim, é no emocionante monólogo final quase confessional do pai do Elio que os sentimentos acumulados durante a projeção se externam.
A cena final, um close na face e Elio ao som da emocionante música Visions of Gideon composta para o filme por Sufjan Stevens enquanto os créditos finais passam resume a jornada, como se ela fosse mais do que uma história de amor. Como se neste close, Luca Guadagnino reatribuísse a Elio o protagonismo que sempre foi dele. Esse sempre foi, afinal, seu coming of age, sua história de descoberta e crescimento, e Guadagnino – elegantemente – se apega ao seu rosto até o fim. Com seus pais em desfoque, ao fundo, este momento se torna íntimo e confidencial entre o protagonista e a própria audiência. Nele, um turbilhão de emoções transcorre pela face de Elio, que num curto período de tempo esboça confusão e dor, mas ao fim um sorriso de entendimento. O sorriso de quem reconhece a dor, mas celebra a oportunidade que teve de viver um amor tão intenso como o qual viveu com aquela pessoa. Esse é o verdadeiro privilégio.
Resumo
Ao cercar seu protagonista de privilégios – a família judaica liberal e bem estabelecida financeiramente que vem na forma de seus compreensivos e sensíveis pai e mãe – , Guadagnino, o roteirista James Ivory e André Aciman – escritor do livro – devotam as 2 horas e 12 minutos da projeção a explorar a relação amorosa de Me Chame Pelo Seu Nome como qualquer outra história de amor, e isso é o maior elogio poderia ser atribuído a esta sensível obra.