Black Mirror S04XE05: Metalhead
“Black Mirror” é daquele tipo de série que gera fãs divididos entre dois grupos: “aqueles que conheceram-na antes de ficar mainstreaming” e “aqueles pós-netflix”. Em termos gerais, esse primeiro grupo tem criticado bastante essa 4ª temporada por, segundo muitos deles, ter perdido a criatividade, estando apenas reciclando as ideias. Já o segundo grupo tem gostando bastante da temporada que mesmo apresentando problemas, ainda é bem acima da média do que se é visto na rede de streaming. Mas observando a reação de muitos que já viram a série inteira, constatei de o episódio 05 Metalhead tem sido o mais dividido, mesmo entre ambos os grupo. Não à toa, esse episódio é um dos mais misteriosos e ambíguos dessa temporada.
Metalhead se passa em um mundo pós-apocalíptico onde um grupo formado por Bella, Clarke e Antony precisa resgatar um suprimento escondido em um armazém sob a guarda de um cão-robô assassino que passa a persegui-lo. Vale sempre lembrar que esse texto terá spoilers à partir de determinado momento. Mas pode continuar lendo, pois avisarei quando chegar esse momento.
De cara, percebe-se que Metalhead não é um episódio qualquer pela cinematografia monocromática assinada pelo diretor de fotografia, Aaron Morton. Essa fotografia em preto e branco com bastante contraste confere uma soturnidade ao episódio antes mesmo de sermos apresentados aos eventos. O efeito é muito próximo ao que George Miller buscou na versão black & chrome de “Mad Max – Estrada da Fúria” de 2015, ressaltando aquele deserto inóspito e violento. A ausência de cores também serve para mostrar um alto grau de violência (esse talvez seja o episódio mais violento da temporada) sem desviar a atenção para o sangue jorrando e explodindo, efeito visto também em uma versão preto & branco de um filme, nesse caso, “Logan” de 2017.
Além dessa exuberante fotografia, a direção de David Slade trabalha muito bem algumas panorâmicas que dão ao espectador a real localização dos personagens em fuga, além de servir como uma visão subjetiva daqueles que os perseguem, no caso, cães-robôs assassinos. Isso proporciona um senso de urgência à ação, pois o episódio dá indícios de que coisas ruins podem acontecer com qualquer personagem e a qualquer momento. Tal escolha é essencial para o funcionamento da trama pois ela é toda baseada no medo, inspirando-se em filmes de terror, onde pouco sabe-se da ameaça, a não ser que ele pode matar à todos, tal qual ocorreu com o clássico “Alien, o Oitavo Passageiro” de 1979. O episódio pouco fala sobre esses cães-robôs, mas segundo o próprio criador da série, Charlie Brooker, eles foram inspirados nos robôs da empresa Boston Dynamics. Se você ainda não está associando o nome ao objeto, sugiro clicar aqui para conhecer essa empresa. Lhe garanto que é “muito Black Mirror”.
Mas voltando ao episódio. A falta de contexto tem levado alguns a criticar duramente o episódio, como se ele não fosse tão inserível no mundo de “Black Mirror”. Entretanto, é nessa ausência de informação que surge o que esse episódio tem de melhor. O enigma! A partir daqui entraremos em spoilers.
Um desses enigmas é tentar entender como a humanidade chegou à esse ponto, onde robôs matam a “sangue frio” pessoas como se estivem eliminando pragas de uma plantação. Apenas do episódio não dizer, é bem possível que a humanidade passou a utilizar exaustivamente tais robôs, dotando-os de inteligência artificial o que resultou no extermínio de parte da humanidade, naturalmente a parte mais pobre. Essa automatização tem sido utilizada em outros episódios dessa temporada, causando inclusive a morte de uma pessoa no E03. Com o constante uso dessa tecnologia, a vida humana passou a ser vista como algo secundária. Essa ideia fica mais clara na cena final onde descobrimos que o objeto que o grupo tentava resgatar era um ursinho de pelúcia. Em entrevista ao site Entertainment Weekly, Charlie Brooker disse que aqueles brinquedos representam a única sutileza, delicadeza, ou mesmo o único traço de uma humanidade perdida naquele mundo. Naturalmente que essa interpretação, apesar de oriunda do criador da série, não deve ser vista como definitiva. Em diversos fórum é possível encontrar uma série de teorias sobre o que acontecera com aquele mundo. Teorias que ligam esse episódio ao último da temporada. Outras que ligam com episódios de temporadas anteriores. Não há limites para tais teorias, e se você gosta desse tipo de conteúdo, confira esse tópico no Reddit (em inglês) onde a galera se empenha nessas discussões. Se quiser algo em português, no texto do meu amigo Matheus Fiori, uma turma tem feito um trabalho incrível de “viajar na maionese”. Vale a pena conferir.
Metalhead pode não ser o melhor episódio da temporada, mas com certeza é um dos mais bem produzidos com uma perfeita ambientação e uma fotografia que o diferencia dos demais episódios, tanto da temporada quanto da série em si.