CCXP 2017 consolida o jeito brasileiro de ser nerd
A CCXP 2017 é a “melhor Comic Con do mundo” segundo o diretor David Ayer. Se o elogio foi apenas para agradar ou se ele é verdadeiro, fica a cargo dos entendedores. Se é que existe algum “sommelier de comic cons” por aí. Fato é que a CCXP, a Comic Con Experience, já se consolidou como a maior do mundo em público, segundo as informações enviadas após o fechamento do evento. Foram 227 mil pessoas presentes nos quatro dias, 30% a mais que em 2016. O número supera bastante a capacidade máxima de 130 mil pessoas da SDCC, a San Diego Comic Con.
Brasileiro gosta de evento grande. Somos o país das ruas lotadas no carnaval, dos estádios de futebol megalomaníacos no meio da floresta, das festas juninas no sertão. Se os americanos são os maiores especialistas em fazer espetáculos (do Super Bowl ao Oscar, passando pela virada do ano na Times Square), os brasileiros são os maiores especialistas em fazer festas. E isso teve na CCXP 2017.
Música, gritaria, nerds felizes da vida. Brasileiro grita quando vê o Will Smith, a Alicia Vikander, o Simon Pegg. Brasileiras (e alguns brasileiros) gritam muito quando veem Dylan O’Brien e Nick Jonas. Brasileiro dança e faz “sarrada no ar” com roupa do Homem-Aranha. Entre os painéis principais, tinha gritaria até mesmo ao aparecer uma simples imagem de Stranger Things no telão. É isso que deve encantar os gringos. Alicia Vikander disse que foi o mais perto de chegou de se sentir uma popstar. Única vencedora do Oscar a pisar no palco da CCXP, a nova estrela da franquia “Tomb Raider” foi ovacionada. Não mais do que Will Smith, mas ele já deve estar acostumado – assim como os astros teen que marcaram presença no evento.
Na matéria em inglês escrita por Steve Weintraub no site americano Collider, um elogio interessante: a presença de food trucks e muitas opções de comida (eu mesmo comi um kebab delicioso, apesar do preço salgado) e os corredores espaçosos. Aparentemente, a SDCC é mais apertada. No Brasil, somos um pouco mais espaçosos, assim sobra mais espaço para fazer fila. Porque, é claro, teve muita fila! E se é verdadeiro o clichê de que “brasileiro adora fila”, a CCXP 2017 corrobora com ele. O estande da HBO exigia algumas horas de fila para uma experiência divertida de Game of Thrones, mas a atenção se volta para a loja em forma de castelo do Harry Potter, que exigia horas de fila para… fazer compras (o que Brasileiro também adora fazer)!
Vale citar mais um pouco do texto do Collider. “Tendo visitado muitas Comic-Cons ao redor do mundo, CCXP é a primeira que se parece com a San Diego Comic-Con”, afirma. Ser maior não significa ser melhor, mas o crescimento em qualidade indica que isso pode ser uma questão de tempo.
Diversidade, empoderamento e respeito
HQs sobre mulheres poderosas no Artist’s Alley, painéis sobre a diversidade nos quadrinhos e na cultura pop, debates sobre “mulheres que chutam bundas”. Não dá pra falar de cultura pop em 2017 sem tratar destes assuntos. A CCXP 2017 teve isso de várias maneiras. A própria Alicia Vikander falou sobre sua nova Lara Croft, que passa a ser menos sexualizada no novo filme. “Eu queria fazer uma personagem carismática, com quem você queira se divertir”, contou, em um discurso que poderia bem ser uma indireta à versão mais “machista” dos games e filmes anteriores.
O público da CCXP é, de fato, o sonho de todos os organizadores de grandes eventos. Não há tumultos nem brigas. As filas são formadas respeitosamente e as catracas são ultrapassadas com pressa e animação, mas nunca com violência ou desespero. É o jeito nerd de ser brasileiro.
Mas nem tudo é perfeito
Talvez as mulheres cosplayers não concordem quando dizemos que o público da CCXP é respeitoso. “Machismo tem em todo lugar, principalmente no mundo cosplay. É muito olhar maldoso”, conta Cecília, cosplayer de Arlequina. Aparentemente, a Comic Con Experience é ótima para que todos possam ser quem realmente gostariam de ser, mas shorts curtos na perna das mulheres ainda são vistos como convites.
Os painéis também estão longe de ser perfeitos. Embora seja nítida a melhora do “status” das estrelas que vão ao evento anual, o fato é que muitos dos painéis do Auditório Cinemark trazem apenas algumas informações razoáveis, diferente da enxurrada de novidades que vemos no evento americano original.
O painel da Warner Bros, por exemplo, foi interessante em colocar Simon Pegg e Tye Sheridan para falarem sobre o filme “Jogador Nº 1”, e Alicia Vikander para falar de “Tomb Raider: A Origem”. Além disso, vieram apenas algumas informações básicas, como a data de estreia de “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” – 15 de novembro de 2018 anotado na agenda – e os próximos filmes da DC Comics, incluindo surpresas como “Batgirl” e “Flash Point”. Boa parte do tempo foi ocupada com vídeos pouco chamativos. Um dia, quem sabe, teremos por aqui mais novidades sobre os filmes de super-heróis. É como se a CCXP pegasse a “rebarba” dos principais lançamentos. Sony e Disney certamente se destacaram um pouco mais em seus painéis, seja pela exibição de “Viva: A Vida é Uma Festa” ou pela presença de Tom Hardy por videoconferência, por exemplo.
Tudo é uma questão de conhecer o público-alvo e entender o que ele quer. Definitivamente, o público da CCXP não parece querer ver o humorista Léo Lins apresentando um painel – mesmo que seja só lendo algumas chamadas, visivelmente nervoso. Essa mesma audiência também não me parece desejar ver as novidades da próxima novela da Globo. Eu entendo perfeitamente a organização do evento. Ter a Globo como Media Partner é um trunfo importante, e firmar parcerias com grandes nomes nacionais é um caminho necessário. Mas também é preciso cautela para que no futuro a Comic Con brasileira não se transforme em uma grande propaganda genérica de qualquer empresa que chegar por lá com dinheiro no bolso.
Votos de que não seja um “evento do futuro”
Aos poucos, a CCXP vai se firmando como o “jeito brasileiro de ser nerd”. Gradativamente vai encontrando seu caminho, com erros e acertos. Já é a “maior do mundo”. Resta tornar-se a “melhor do mundo” para mais pessoas do que apenas David Ayer (embora isso já seja um começo).
Vamos torcer para que o evento não fique com o mesmo estigma do próprio Brasil: aquele que nos coloca como o país do futuro, cheio de eternas promessas que nunca se tornam “presente”. Se for pra conseguir ter a melhor Comic Con do mundo, que seja com mais comida, mais espaço, mais filas, mais artistas importantes, mais respeito ao corpo alheio, mais autenticidade… e muito mais malemolência!