Crítica: O Matador (Original Netflix – 2017)
O Matador, primeira produção nacional da Netflix, tem boas intenções mas comete erros que comprometem o resultado final
Sinopse: Num sertão sem lei um homem que se autointitula Cabeleira vai em busca do destino de seu pai, um pistoleiro famoso. Nessa busca ele acaba se tornando o matador mais temido do sertão.
Diretor: Marcelo Galvão
Roteiro: Marcelo Galvão
Elenco: Diogo Morgado, Etiene Chicot, Nill Marcondes, Maria de Medeiros, Deto Montenegro, Paulo Gorgulho, Marat Descartes, Daniela Galli, Igor Cotrim
Em uma das primeiras cenas de “O Matador”, vemos um grupo de cangaceiros no meio do sertão pernambucano executando um homem com um único tiro. Essa abertura nos dá mais ou menos uma noção do que veremos em cena na próxima hora e meia do filme. Um faroeste tupiniquim com violência explícita e toque social, mas que nem sempre funciona. Marcelo Galvão (Colegas, Lado B) toma algumas decisões inteligentes, mas infelizmente os erros do diretor acabam se sobressaindo.
A partir de um roteiro original escrito pelo próprio Marcelo, o filme conta a história de Cabeleira (Diogo Morgado), um homem que foi criado por Sete Orelhas (Deto Montenegro), um pistoleiro do sertão pernambucano. Um dia ele sai e não volta mais. Passam-se anos e Cabeleira vai atrás de Sete Orelhas, e se torna um matador. O melhor do sertão. Tudo seria perfeito se o roteiro ficasse só nisso. Mas não é bem isso que acontece.
No meio da história de Cabeleira, Marcelo Galvão inclui duas outras subtramas paralelas. Uma encabeçada por Paulo Gorgulho que quer vingança pela morte de sua esposa e filho por um grupo de cangaceiros. Ao mesmo tempo surge uma outra trama encabeçada por Daniela Galli, que quer também vingança pela morte de seus pais. Esse excesso de tramas traz um excesso de personagens que deixa o roteiro confuso e complexo.
O elemento social no entanto, fica claro no roteiro. A terra sem lei, o coronelismo, o cangaço, está tudo ali. Até a comparação com a cidade grande. Mas tudo é ofuscado pelo excesso de personagens e tramas. Embora haja um entrelaçamento nas tramas, ele soa forçado e não convence. Personagens surgem do nada e somem, sem grandes explicações. Não sabemos ao certo suas origens, são personagens rasos, sem profundidade que não acrescentam muito a trama. A impressão que dá é que estão ali apenas para reforçar a questão social do filme. O que talvez seja o ponto positivo e mais interessante do roteiro.
Mas mesmo assim Marcelo Galvão ainda assim acerta. O diretor escolheu uma montagem dinâmica e rápida, num estilo similar a videoclipes. O que deixa a história menos enfadonha e cansativa. O que poderia facilmente acontecer em vista do número excessivo de personagens e tramas paralelas. E falando em personagens, Marcelo conseguiu ainda sim criar personagens interessantes e até carismáticos. E algumas tramas paralelas são interessantes, e se tivessem sido melhor exploradas, o filme teria um resultado mais positivo.
Mas o que sem dúvida alguma deixa e muito a desejar, são os efeitos especiais do filme. O CGI usado é risível. Em um dado momento, por exemplo, aparece uma onça parda que claramente foi colocada em cena de forma digital. A tempestade de areia também é completamente fake. Fica claro que ela foi feita por computador. E em nada lembra, por exemplo, a tempestade de areia de Mad Max. Talvez use-se a desculpa, de que o que estamos vendo é um ‘causo’, que está sendo contado por um contador de história. Mas mesmo assim, o CGI é fraco demais para se desculpar, mesmo sendo parte de uma história.
Em contra partida a fotografia, que foi premiada em Gramado, é excelente. O uso de cores quentes revela bem a secura e a dureza do sertão nordestino. As cores misturadas com sujeira e poeira, dão um clima totalmente palpável no sertão. O colorido do nordeste também aparece. Cores que vemos em luzes, roupas, bandeiras, tudo isso reflete bem o colorido do povo festivo sertão nordestino. Um povo que convive com o medo dos coronéis e do cangaço, que sofre com seca, mas ainda sim se diverte para esquecer dos seus problemas.
Não há como negar que Marcelo Galvão se esforça para fazer algo diferente do que vemos no cinema nacional. Além de usar uma violência gráfica, o diretor usa alguns planos invertidos, filmando de cima para baixo e em contraluz. O que dá um da certa originalidade ao filme. Vemos ali algo diferente do que vemos no cinema nacional. Esforços que são em vão em vista dos outros erros cometidos pelo diretor.
O elenco no entanto colabora para que o filme não se torne um desastre total. Com elenco praticamente desconhecido do grande público, o filme tem como grandes destaques Diogo Morgado e Daniela Galli. Diogo Morgado é uma mistura de crueldade com inocência criados de forma natural e carismática. Seu matador tem frieza e crueldade ao matar, mas ainda sim se mostra humano e carismático. Já Daniela Galli mostra força na sua personagem. Uma força misturada com impetuosidade e medo, uma mistura perigosa, que poderia ter sido melhor desenvolvida, mas é desperdiçada. A maioria dos personagens no entanto, funcionam, até mesmo os personagens caricatos. Esses personagens são uma espécie de alegoria do sertão. O coronel, o cangaceiro, a cafetiana, a prostituta, o matador, o policial corrupto, todos estão ali formando um pano de fundo do que seria, e ainda é, o sertão nordestino.
O Matador infelizmente comete mais erros do que acertos. Marcelo Galvão bem que se esforça em fazer um faroeste tupiniquim com alguma originalidade e uma fotografia admirável. O roteiro acerta em focar no fundo social da terra sem lei, e apresenta alguns personagens interessantes. Mas o filme é engolido pelo excesso de tramas e personagens, o que torna o roteiro complexo e difícil de se acompanhar. Além disso os efeitos visuais deixam e muito a desejar. O resultado final é um filme com boas intenções, mas que não funciona muito bem. Em suma o primeiro filme nacional da Netflix tem bons acertos, mas é engolido pelos seus erros entregando um resultado regular, mas até certo ponto satisfatório.
Resumo
O Matador infelizmente comete mais erros do que acertos. Marcelo Galvão bem que se esforça em fazer um faroeste tupiniquim com alguma originalidade e alguns personagens que funcionam. Mas é engolido pelo excesso de tramas e personagens, e uma parte técnica que deixa a desejar.