POLÍCIA FEDERAL - A LEI É PARA TODOS (2017) | Política Partidária, Ideologia e Desonestidade
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POLÍCIA FEDERAL – A LEI É PARA TODOS (2017) | Política Partidária, Ideologia e Desonestidade

Hoje o Brasil vive um momento político dos mais delicados e sensíveis de sua história. O polarismo ideológico vem causando brigas e discussões que tem nos tirado de lugar algum e nos levado a lugar nenhum. Naturalmente, o cinema não ficaria incólume à todo esse movimento. E nada melhor do que um filme sobre a Lava Jato para colocar toneladas de lenha nessa fogueira política.

 

POLÍCIA FEDERAL – A LEI É PARA TODOS chega aos cinemas com a responsabilidade de retratar a maior investigação de corrupção da história do país. Mas ele não pode ser apenas isso. O filme precisa ser totalmente isento de partidarismo, para passar credibilidade ao seu espectador. E é aqui que começam os problemas de POLÍCIA FEDERAL.

 

É totalmente compreensível que um filme com o orçamento que teve (estima-se mais de R$ 15 milhões, parte disso em doações de empresas anônimas) tente fugir do embate político e focar suas atenções nos eventos que ele propõe a mostrar. Para isso o filme já começa dizendo que a corrupção sempre existiu na história do Brasil, e que o que acontece agora, é reflexo de ações corruptas que atravessam nossa história, mesmo antes da democracia e suas siglas partidárias. Mas logo depois dessa apresentação, com alguns poucos minutos de filme, a questão do “temos de ser neutros” começa a surgir em forma de diálogos pouco naturais e completamente soltos na história. Um momento muito claro disso é quando uma repórter com fúria nos olhos questiona por que estão investigando apenas o PT. A resposta é uma frase pronta, que se repete o filme todo: “investigamos fatos, não partidos”.

 

Mesmo o filme assumindo um ritmo frenético (foram 10 minutos sem nenhum plano com mais de 3 segundos, sim eu contei) quase que sem pausa desde a primeira cena, ele se dá o direito de parar a cada 20 minutos ou menos para repetir o mesmo discurso do “isentão”. Isso deixa a história engessada e com dificuldades de se desenvolver.

 

Durante a coletiva de impressa para a divulgação do filme, ficou claro a preocupação dos produtores, roteiristas e até dos atores em criar uma obra neutra de posições ideológicas, o que é um tremendo tiro no pé  e uma auto-sabotagem, pois o filme é claramente ideológico. E NÃO HÁ PROBLEMA NENHUM NISSO!

 

Todo filme revela o viés do seu autor. É intrínseco e natural. Podemos até não concordar com o ponto de vista proposto pelo autor, mas isso não muda o fato dele existir. Um exemplo disso é o filme FOME DE PODER (2016) que é um filme incrível, com uma mensagem capitalista muito forte (ainda que passível de outros entendimentos). Ao mesmo tempo tivemos A QUALQUER CUSTO (2016) que vai na total contra-mão desse discurso. Ambos são excelentes filmes, e é bem provável que você rejeite um dos dois discursos.

 

Voltando para POLÍCIA FEDERAL. Para mostrar que a investigação é neutra, eles inserem na história a figura de Sérgio Moro como uma pessoa detentora do selo “Rodrigo Hilbert de padrão de qualidade”, precisando parar a história para mostrar ele proferindo palavras inspiradoras ao seu filho enquanto cozinha de avental. Ou mesmo interagindo carinhosamente com sua esposa que está no filme apenas para mostrar o quão carinho ele é com ela. Mas suas aparições não são apenas para isso, afinal, ele não precisa ser apenas perfeito – precisa ser “isentão” também. Então por duas vezes (que eu lembre) o filme precisa parar o que está sendo mostrando para dizer que Sérgio Moro é “neutro”.

 

Aliás, dizer frases de efeito é o que o filme de pior. Frases como “isso é um absurdo”, “que país é esse?” e “queremos melhorar o país” são jogadas na nossa cara o tempo todo, como se o roteiro fosse escrito por comentaristas de notícias de jornais na internet.

 

Agora, quando o assunto é atuação, temos dos lados opostos no filme. De um lado temos Antonio Calloni, que interpreta Ivan, um chefe de investigação focado em seu trabalho. Ivan é um dos poucos que estão confortáveis no papel e que consegue leva-lo à serio. E mesmo quando o roteiro lhe dá falas bem tolas, Calloni consegue transformar aquela tolice em conflito interno, e esse é o grande acerto de sua escalação.

 

Já os demais atores não conseguem o mesmo êxito, e não que sejam atores ruins, por que não são, mas o texto não ajuda. Por exemplo, há uma cena onde o policial Julio (Bruce Gomlevsky) está almoçando com seu pai petista quando este lhe questiona o por que de seu filho querer acabar com o partido. A cena é constrangedoramente expositiva, chegando ao ponto do personagem gritar aos prantos “o senhor se esqueceu de que eu também votei neles?”. Pronto, o filme mais uma vez criou uma cena para dizer que é neutro, afinal o policial também votou “neles”.

Elenco em posição muito similar a posição do pôster de SPOTLIGHT (2015)

 

Querem ver como um filme sem essa necessidade de “gritar” sua neutralidade faria para mostrar isso? Simples, uma cena mostrando o policial procurando algo no quarto quando ele vê com tristeza no olhar, uma foto do pai militando por X partido. Óbvio demais? Possivelmente. Mas ai eu lembro do filme SPOTLIGHT (2015) que segundo os roteiristas do filme, foi uma inspiração estilística para o filme. No filme há uma cena onde a mãe da jornalista que investiga casos de abuso na Igreja a convida para ir à missa. A cena é simples, singela, nada expositiva e consegue criar o conflito interno na personagem. Em POLÍCIA FEDERAL tentou-se a mesmo artifício, mas faltou sensibilidade e liberdade criativa.

 

Entretanto, se o filme escorrega na decisão de como contar a história, ele acerta em cheio no design de produção e figurino. A escala de grandeza da produção salta aos olhos. Tomadas aéreas de perseguição de carros, helicópteros e aviões são dignos de grandes blockbusters. Uma direção que cortasse menos as cenas deixariam ainda mais evidentes onde foram investidos os 15 milhões estimados em orçamento.

Tanto o figurino quanto os adereços estão perfeitos, criando um excelente realismo ao filme.

 

Na contra-mão do que vinha sendo apresentado até o 3º ato, os momentos em que o filme assume seu viés politico são os melhores (na questão de entretenimento, claro), como por exemplo no momento em que Lula (Ary Fontoura) aparece. A começar que pela primeira vez temos uma câmera com um mínimo de criatividade, num enquadramento em contra-plongeé, que já de cara o coloca numa posição vilanesca. A partir dali, o grande vilão Lula assume o antagonismo dos heróis da Lava Jato. É maniqueísta? Sim, mas pelo menos se livraram das amarras da neutralidade e assumiram o que o filme realmente é.

 

POLÍCIA FEDERAL – A LEI É PARA TODOS é um filme que se auto-sabota. Cheio de clichês, o filme esquece de desenvolver sua trama para pregar algo que não se sustenta, o que o torna hipócrita e desonesto. Uma história rica em trama que foi desperdiçada por conta da covardia de seus realizadores. Seria mais honesto um filme onde Sérgio Moro tivesse um uniforme do Superman debaixo do terno, enquanto seu antagonista só vestisse vermelho e gritasse aos quatro ventos “Stalin matou foi pouco”. Não sei vocês, mas eu veria esse filme… fácil.

 

 

Se quiser conhecer mais do meu trabalho, eu escrevo para blog ArteCines e semanalmente falo de cinema no meu Canal no Youtube.

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