Trilogia das Cores: o futuro da União Europeia foi previsto no cinema?
Quem já assistiu à Trilogia das Cores sabe o quanto ela traz de elementos complexos, profundos, mas ao mesmo tempo banais e cotidianos. Aos que não conhecem os três filmes que formam a obra prima do diretor polonês Krzysztof Kieslowski (pronuncia-se Cristof Kieslóvski), fica a recomendação: são filmes mais lentos se comparados ao cinema comercial atual e bastante sutis, mas trazem elementos profundos a serem discutidos.
Criada com o objetivo de discutir e homenagear o bicentenário da Revolução Francesa, criando filmes temáticos para as três cores da bandeira da França, a trilogia traz as três palavras que formam o lema do país: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Mas o diretor trata de todos os temas em todos os filmes, ainda que cada um trate de um tema com mais ênfase. Nos títulos brasileiros, o tema está no título: A Liberdade é Azul (Trois Couleurs: Bleu), A Igualdade é Branca (Trois Couleurs: Blanc), A Fraternidade é Vermelha (Trois Couleurs: Rouge).
A união europeia
A Trilogia das Cores foi feita no contexto da União Europeia. Retratos de seu tempo, os filmes mostram muito do que era a Europa no período em que o projeto político da consolidação do bloco econômico estava em curso – tanto que em 1999 foi criada a zona do Euro.
Vale ressaltar, aqui, aos que não viram os filmes: Kieslowski decidiu mostrar os sentimentos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade de uma forma mais cotidiana e calcada na vida das pessoas comuns. Não se trata de filmes que levam a discussão política a uma questão ampla, mas mostram pequenos atos em que esses sentimentos estão presentes.
Dito isso, chega o momento de apresentar uma visão diferente do fim da trilogia.
Como a Trilogia das Cores “previu o futuro” (contém spoilers):
Ao fim da trilogia, em “A Fraternidade é Vermelha”, o juiz aposentado (Jean-Louis Trintignant) vê pela TV que a balsa que cruzava o canal da mancha sofreu um naufrágio com o mau tempo.
No epílogo, vemos que, além da protagonista do terceiro longa, Valentine (Iréne Jacob), também estavam na balsa a protagonista do primeiro filme, Julie (Juliette Binoche), o protagonista do segundo filme, Karol Karol (Zbigniew Zamachowski) e sua “co-protagonista” Dominique (Julie Delpy).
Todos eles são os poucos sobreviventes, entre milhares de pessoas, do desastre que se abateu sobre a embarcação. Entre as principais interpretações do fato, pode-se analisar que o diretor quis mostrar o quanto a União Europeia é fruto da sobrevivência de povos que antes provocaram tantas mortes em meio às guerras históricas da região. Outra possível interpretação é a de que Kieslowski tinha uma visão pessimista da formação do bloco econômico, e queria mostrar que a união dos países só seria possível para alguns “sobreviventes”.
No entanto, embora os filmes tenham sido lançados entre 1993 e 1994, o dia 16 de junho de 2016 deu um novo significado àquele final. Uma embarcação cheia de europeus “do continente” que sofre com o mau tempo e afunda em pleno Canal da Mancha se torna icônica para a decisão do referendo britânico que decidiu pela saída do Reino Unido.
Afinal, O Reino Unido é o país mais afastado da União Europeia e do conceito de europeu. Será que a cena de um filme lançado em 1994 foi uma premonição do cineasta polonês?
O fato é que, hoje, fica difícil assistir ao final da Trilogia das Cores e não pensar no simbolismo que se torna um naufrágio a caminho da Inglaterra. É como se uma estreita barreira de água fosse capaz de separar povos e impedir uniões, simbolizando uma falta de conexão.
Isso apenas prova que a interpretação de uma obra não depende apenas do que nos é apresentado e do tempo no qual ela foi produzida, mas também do período no qual a analisamos.
Em tempos de desunião e rompimentos, vale a pena aprender com a arte, depreender novos significados… e repensar os nossos conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade.