Crítica: Death Note (2017) – Original Netflix
Death Note (2017) tem potencial para ser um dos piores filmes do ano.
Ficha técnica:
Direção: Adam Wingard
Roteiro: Charley Parlapanides, Jeremy Slater, Vlas Parlapanides
Elenco: Nat Wolff, Lakeith Stanfield, Margaret Qualley, Shea Whigham, Willem Dafoe
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (25 de agosto de 2017 no Brasil, original Netflix).
Death Note originalmente é um mangá, que virou anime, muito aclamado por fãs e crítica. O mote da trama envolve dilemas éticos, investigações inteligentíssimas e um jogo de gato e rato, tudo envolto por uma mitologia de Deuses da Morte.
A história tem o garoto Light como protagonista. Ele é bastante estudioso e tem pai policial. Light acha um caderno escrito “Death Note”, com algumas instruções, dentre elas a principal: se o portador do caderno pensar no rosto de uma pessoa e escrever o nome dela naquelas páginas, o alvo morrerá. O jovem decide fazer justiça com as próprias mãos e começa a escrever o nome de vários criminosos.
Mesmo sendo visto como um herói por muitos, tal poder é muito perigoso para ficar nas mãos de uma só pessoa. Não tarda para surgir L, um investigador misterioso, com uma capacidade dedutiva que coloca qualquer um no chinelo. O objetivo dele é parar Kira (codinome adotado por Light). Mas como um não sabe a identidade do outro as buscas se tornam quebra-cabeças intrincados e acabam tomando proporções gigantes. O pai de Light, como chefe da polícia, também acaba envolvido nas investigações ao lado de L.
Como vocês podem ver, o material fonte é bem rico. E exatamente essa premissa é colocada pelo filme dirigido por Adam Wingard (Bruxa de Blair, 2016). Contudo, mesmo alguns dos principais elementos estando lá, o que vemos é um grande vazio.
Não vou criticar as adaptações que o filme faz – e são muitas, muitas mesmo… Penso que ao mudar de mídia os responsáveis por ela podem criar e adequar a obra original. Para o fã, trocar o nome do personagem, mudar o país, foco da trama, inserir novos personagens, soa como uma atrocidade. Mas na análise cinematográfica o que conta são outros fatores. São neles que irei me deter aqui.
Acreditem: se como adaptação Death Note é um estupro, como cinema é ainda pior. O tom escolhido é incerto. Estamos vendo um romance adolescente ou um terror gore? É uma comédia pastelão ou um suspense de investigação? E esses gêneros não dialogam entre si. Estão lá para cumprir uma cota de clichês mal utilizados.
No primeiro ato de histórias vemos normalmente personagens e a ambientação sendo apresentados. Aqui volta e meia um personagem entra sem pudor e sem sentido. Como acreditar no amor entre Light (Nat Wolff) e Mia (Margaret Qualley)? Qual o background do demônio Ryuk (Willem Dafoe)? Quem não conhece a obra vai demorar a entender a função de L (Lakeith Stanfield), que aparece como um comedor de doces mascarado.
Evolução de personagens é algo extremamente bem-vindo. Um bom roteiro entrega personagens diferentes ao final do filme. Aqui temos essa mudança. Seria o primeiro elogio, então? Infelizmente não (e já adianto: ele não virá). Todos os personagem tem uma alteração significativa e esse movimento não é gradual. Por vezes descumprem as regras que eles mesmos colocaram antes.
O desfecho tem que ser algo grandioso. Uma emoção construída ao longo dos minutos anteriores e que culmina no clímax. Em Death Note (2017), a resolução se apoia em explicações, conveniências, final em aberto (não para instigar, mas apenas para uma continuação). Falei que não ia ter um elogio, mas aqui vai: Death Note é coerente… coerentemente ruim no começo, meio e final.
Alguns – sim, no plural – furos de roteiro demonstram uma total falta de preocupação aqui. Coisas pequenas como Light pedir para Mia olhar a última coisa no caderno e o que ele quer apontar é a penúltima. A sala que Light estava na detenção ficar toda bagunçada e não ter nenhuma consequência (cena esta que gera um gritinho histriônico e um gore forte que não condizem com nada ao redor). Ou furos mais graves como um personagem que recebe treinamento de repente ficar completamente insano e o uso do caderno de modo que não condiz com o que foi estabelecido.
Para os fãs, saibam que o Shinigami Ryuk e o investigador L são apenas fanservices de quem não entendeu o que estava adaptando. A tara por maçãs ou a motivação de Ryuk ficam sem sentido. L surge do nada, praticamente não demonstra a tal inteligência que o caracteriza e tem encontros ilógicos na casa de Light e em uma lanchonete. Ah, tomara que sirva para ninguém mais reclamar da mudança de etnia dos personagens….
Na parte técnica é uma sequência de decisões equivocadas atrás da outra. A fotografia vem carregada e não consigo descrever a intenção dos responsáveis. Destaco os planos holandeses cuja função é demonstrar uma instabilidade pontual, aqui é uma ferramenta saturada. A trilha que quer emular uma emoção que eles sabem que não existe.
Agora a montagem supera tudo isso. Transições que cortam falas no meio. Há uma aceleração que prejudica o roteiro (que já era ruim). Um problema que mistura direção, roteiro e montagem é visível em um clipe que vemos os dois protagonistas matando ao bel prazer. Não me arrisco a dizer que foi a pior sequência do filme, simplesmente porque a concorrência é árdua.
Death Note, filme de 2017, é indefensável. Um desastre completo. Os fãs se sentirão ofendidos e quem encarar como obra única terá um dos piores filmes do ano. Em um dado momento eu cogitei comparar com a recente Torre Negra, mas a adaptação genérica e boba que fizeram da obra do Stephen King é horrível, porém anos-luz melhor que isso que vimos aqui….
Definir Death Note (2017) como sem propósito é um erro. Ninguém faz algo tão ruim sem ser de propósito….