Crítica | Anabelle 2 – A Criação do Mal
Anabelle 2 – A Criação do Mal é prejudicado pela necessidade de integração num universo maior
Ficha técnica:
Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Gary Dauberman
Elenco: Stephanie Sigman, Talitha Bateman, Lulu Wilson, Philippa Coulthard, Grace Fulton, Lou Lou Safran, Samara Lee, Tayler Buck, Anthony LaPaglia, Miranda Otto
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (17 de agosto de 2017)
Sinopse: Em Anabelle 2, anos após a trágica morte de sua filha, um habilidoso artesão de bonecas e sua esposa decidem, por caridade, acolher em sua casa uma freira e dezenas de meninas desalojadas de um orfanato. Atormentado pelas lembranças traumáticas, o casal ainda precisa lidar com um amendrontador demônio do passado: Annabelle, criação do artesão.
No ano passado, em meu texto sobre o mediano Quando as Luzes se Apagam, escrevi a seguinte frase sobre o diretor David F. Sandberg: “é um talento promissor, mas um amadurecimento de idéias é necessário quando se vai realizar um longa-metragem.” Um ano depois, e Sandberg volta ao gênero com este Anabelle 2 – A Criação do Mal. Se a sequência do estrondoso sucesso comercial (mas fracasso de crítica) que foi o primeiro Anabelle soa como um mero “dinheiro fácil” para a Warner, a boa notícia é que este novo capítulo nos apresenta uma bem-vinda melhoria de qualidade para a boneca amaldiçoada, mesmo que se renda a alguns dos inevitáveis vícios deste tipo de terror de estúdio, que tem como principal objetivo agradar às massas.
Após um eficiente prólogo ambientado nos anos 40, acompanhamos, 12 anos após a trágica morte de sua filha, o fabricante de bonecas Samuel Mullins (Anthony LaPaglia) e sua esposa Esther (Miranda Otto), que abrigam em sua casa a freira Charlotte (Stephanie Sigman) e várias meninas de um orfanato que foi fechado, e logo se tornam alvos da possuída criação do fabricante de bonecas, Annabelle.
Ainda sobre a evolução do diretor, que realiza seu segundo longa metragem: do ponto de vista criativo, filmar uma sequência de um prelúdio que por si só era um spin-off de Invocação do Mal não parece, realmente, o caminho certo a se trilhar. Porém, o cineasta independente que encontrou uma casa nos estúdios da Warner/ New Line consegue trazer um pouco de perversão de gênero à este filme, nunca se esquecendo, no entanto, de que realiza uma produção dentro das regras dos estúdios de “ousadia controlada”, ou seja: um diretor competente, mas que sacrifica qualquer tipo de voz autoral mais agressiva em prol da homogeneidade de um universo cinematográfico.
E essa falta de uma voz própria criativa prejudica -talvez mais aqui do que em outros “universos expandidos” – muito a produção. Se nos filmes da Marvel Studios (uma inevitável comparação no quesito “coesão” do universo) essa lógica visual e narrativa não prejudica tanto os filmes, que têm sempre um herói diferente, e até mesmo subgêneros – o que compensa levemente o fato de todos os filmes serem, em tonalidade, muito parecidos, com filmes de terror a situação é diferente. Por serem obras muito dependentes de uma atmosfera que é, em muitos casos, construída através do visual, como diferenciá-los se todos são, essencialmente, construídos nessa fórmula “James Wan (o diretor de Invocação do Mal que, para o bem ou para o mal, revitalizou o filme de “casa assombrada”)”, onde até os planos sequências que apresentam os personagens e a geografia do local onde ocorrerão as “assombrações” são recicladas?
Dessa forma, aplicar essa ideia da “fórmula Marvel” no terror é um equívoco, pasteurizando tais produções numa marca que, assim como a dos super-heróis, traz dinheiro, público e consegue ser minimamente competente mas, no fim das contas, acabam sendo muito parecidas entre si, e não é mais do que oportuna a comparação entre os estúdios. Se por um lado, como fã de terror, é atraente o retorno do maligno como ícone, o chamado “atribuir uma face ao mal” que vêm com personagens como a Freira, o Homem Torto, e a própria boneca Anabelle, resgatando esse status de rock stars que as figuras do horror já tiveram em outrora, é também perigoso, uma vez que mesmo com as diferenças em seus visuais, cada demônio é, em essência, o mesmo.
Se Anabelle 2 é muito parecido com os filmes da série Invocação, logicamente suas qualidades conseguem ser bem parecidas também. As noções mais básicas de atmosfera e tensão que haviam sido perdidas no primeiro Anabelle são recobradas aqui, e, mesmo que sejam sacrificadas em prol dos sustos fáceis (seria anormal mesmo se a pessoa não se assustasse com uma imagem brusca e som estridente surgindo), conseguem ser competentes. Outra qualidade também é este retorno dos efeitos práticos que Sandberg utiliza pontualmente (mesmo que os efeitos especiais sejam empregados em muitas cenas). Como sempre há um pesar, a exposição do demônio principal acaba sendo exagerada, e com o tempo, seu visual genérico compromete o pavor que ele potencialmente causaria.
Trazendo uma já mencionada perversão ao filme vista em outras produções do gênero, o filme se beneficia de uma classificação indicativa maior, com algumas cenas mais gráficas com efeitos práticos que devem agradar os fãs do gênero (até uma espécie de zumbi é jogado no meio), e é até perceptível uma certa diversão da produção em relação à estes momentos. Uma convenção do terror sempre utilizada – a punição – é abordada aqui também, no conceito do indivíduo que é punido por se atrever à mexer com forças das quais não deveria, como em uma cena onde um homem tem partes do corpo lentamente quebradas, e é aí que essa perversão, que começa e termina em si mesma, é questionada. Era mesmo necessário? O prazer de alguns realizadores em torturar seus personagens pode ser justificado em algumas produções, quando se atribui caráter libertador, catártico. Aqui, tudo o que resta é o sadismo (o que não deixa de ser interessante). Tais convenções se misturam com preguiça aqui. Quando são utilizadas com “responsabilidade”, podem ser eficazes, quando não, soam apenas como clichés.
O elenco é competente. Ainda que a maior parte das órfãs estejam apenas no filme para “fazer número”, as talentosas Lulu Wilson (que roubava a cena em Ouija – A Origem do Mal) e Talitha Bateman conseguem convencer como as duas amigas inseparáveis, e são eficazes em extrair algum tipo de simpatia, assim como os pais de Anabelle vividos por Anthony LaPaglia e Miranda Otto (esta última com um dos papeis mais interessantes do filme, novamente nessa questão de punição e maternidade).
No mais, é respondida a dúvida sobre à que veio o diretor-aposta da Warner David F. Sandberg: realizar projetos de estúdio com este falso senso de autoria. Com seu próximo projeto sendo Shazam, também um filme de universo expandido (dessa vez da DC), resta torcer para o melhor.
Anabelle 2 – A Criação do Mal acaba representando o cinema atual de várias formas: seja no terror correto de estúdio, na natureza derivativa e até mesmo na necessidade de criar um universo maior. Se há algumas qualidades e o filme nunca falha em entreter, há também uma sensação inerente de familiaridade. Num universo lucrativo e sem nenhuma intenção de parar (há uma cena pós-créditos que indica outro spin-off), tudo que resta é a antecipação do próximo terror (dentro e fora das telas).