Crítica: O Salário do Medo (1953) - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica: O Salário do Medo (1953)

Ficha técnica:

Direção e roteiro: Henri-Georges Clouzot.

Nacionalidade: França/Itália.

Ano de produção: 22 de abril de 1953.

Uma região sem esperança

Estrangeiros iam à Guatemala achando que ali encontrariam emprego, mas a realidade era outra. Em um pequeno vilarejo, sem trabalho e sem nada para fazer, alguns desses estrangeiros exploravam e eram explorados por comerciantes locais e moradores, em uma época muito complicada para o país, que estava passando por sérias crises políticas e sociais. Eles viviam como seres marginalizados, tratados como vagabundos, entregues a todo tipo de situações de desprezo. E era nesse ambiente desagradável que eles precisavam ficar atentos a qualquer oportunidade que poderiam tirá-los dali.

Fúria e medo nas estradas

O filme de Henri-Georges Clouzot, baseado na obra homônima de Georges Arnaud, acompanha um grupo de homens desesperados, que, em busca de dinheiro para sair daquele lugar precário e desesperançoso, aceita transportar em pequenos caminhões cargas perigosas de nitroglicerina, que servirão para apagar um grande incêndio em uma usina petrolífera um pouco distante dali. Uma tarefa que não será das mais fáceis, mostrando que a proposta, de início irrecusável, se tornaria o maior dos pesadelos na vida daqueles quatro homens.

A ‘bomba líquida’, como é conhecida a nitroglicerina, explode a qualquer sinal de movimento brusco, causando um grande desastre. Dois caminhões cheios dessa bomba é capaz de levar pelos ares tudo que está por perto. Até mesmo um pequeno buraco na pista pode causar uma enorme tragédia.

Dos quatro homens, dois deles são os verdadeiros protagonistas.

Mario (Yves Montand) e senhor Jo (Charles Vanel) são o retrato da desolação e do medo naquelas estradas perdidas e montanhosas, repletas de obstáculos como pedras e galhos de árvores que impedem uma travessia tranquila. Tudo precisa ser simetricamente calculado, porque um simples descuido poderá causar a morte instantânea dos envolvidos.

Temos assim uma sucessão de perigos pela frente, principalmente quando precisam explodir uma grande pedra que está impedindo a passagem; e em uma sequência das mais fantásticas já feitas pelo cinema, os dois homens precisam atravessar um lago de petróleo. Outro momento brilhante é quando precisam manobrar por um pequeno trecho feito de tábuas. São cenas de pura tensão, dirigidas com maestria por Clouzot. Além dos perigos pela frente, eles precisam lidar também com as próprias diferenças entre si, se quiserem vencer a dura batalha que os aguardam.

O diretor é um dos mestres do suspense francês, onde dizem até que causou espanto em Alfred Hitchcock, que vira no francês um concorrente à altura que poderia lhe tirar o posto de “mestre do suspense”, porque no ano seguinte Clouzot dirigiu também “As Diabólicas”, um verdadeiro exercício de tensão, em uma história baseada no livro de Pierre Boileau e Thomas Narcejac, onde em um pensionato duas mulheres planejam a morte de um homem muito ligado a elas.

Alguns reclamam da primeira parte de “O Salário do Medo”, por seu ritmo lento, onde são apresentados os personagens e seus dramas pessoais. Somente uma hora depois é que os vemos aqueles homens em ação, após aceitarem a terrível tarefa que poderá custar-lhes a vida. O diretor realmente não tem pressa, primeiro expondo as mazelas e problemas da região, para somente depois despejar toda a inquietude relacionada ao perigoso emprego.

Tudo é extremamente bem feito (repare como Clouzot explora muito bem os efeitos sonoros e os cenários que parecem saídos de um filme pós-apocalíptico). Uma produção de primeira, com Montand bem à vontade no papel central. Mas quem rouba as cenas é Charles Vanel, em uma atuação excepcional que lhe valeu o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes. A obra também recebeu o Grand Prix em Cannes, além do BAFTA de melhor filme.

Véra Clouzot, esposa do diretor, teve papéis importantes em “O Salário do Medo” e “As Diabólicas”, mas infelizmente sua carreira foi muito curta, falecendo pouco tempo depois, aos 46 anos de idade. Ela era brasileira, nascida no Rio de Janeiro.

Em 1977, William Friedkin (“Operação França”, “O Exorcista”) dirigiu “O Comboio do Medo”, mostrando uma nova versão da mesma história, mudando porém alguns detalhes como local e época. A produção é estrelada por Roy Scheider e Francisco Rabal.

Mas “O Salário do Medo” ainda é imbatível. O final simboliza o ser humano dentro de suas limitações, preso em um destino do qual não tem controle.

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