FRANTZ (2017) | A Magia do Preto e Branco no Festival Varilux
Filmes em preto e branco me fascinam desde sempre. A textura, o foco nas interpretações, a dramaticidade e a elegância são elementos valorizados com a ausência de cores. Tanto que ainda hoje, 82 anos depois que as cores chegaram nos cinemas, filmes são produzidos em preto e branco por questões estéticas e até narrativas, como é o caso do filme analisado hoje, FRANTZ. Outro exemplo recente foi o filme LOGAN que fora lançado nos cinemas em uma versão colorida e meses depois, relançado em preto e branco, versão essa que ficou esteticamente muito mais interessante que a versão original em cores, como você pode conferir neste texto que escrevi lá no ArteCines.
FRANTZ que está sendo exibido no Festival Varilux (7 – 21 Jun) em diversas cidades do país traz essa beleza clássica dos filmes em preto e branco em uma história emocionante e profunda, onde vida, morte, memória e remorso se misturam com muito elegância.
A história começa na Alemanha de 1919 pós primeira Guerra Mundial, onde Anna (Paula Beer), uma jovem viúva visita diariamente o túmulo de seu noivo, Frantz (Anton von Lucke), morto numa batalha ocorrida na França. Um dia, Anna conhece Adrien (Pierre Niney), um antigo amigo de Frantz e suas lembranças do noivo ressurgem ao mesmo tempo que suas feridas acerca de sua morte ficam ainda mais abertas.
A escolha do p&b se faz assertiva não somente pela estética visualmente agradável mas também pela narrativa que alterna entre o melancólico sem cores e trechos radiantes em cores. E como o filme faz isso de forma orgânica e bem dosada, não fica algo tolo e óbvio. A transição é tão natural que por vezes podemos até não reparar em que exato momento o filme ficou em cores. Tudo isso para deixar a ambiguidade proposta pelo filme ainda mais presente. Culpa e perdão, remorso e reconciliação se misturam numa amálgama de sentimentos conflitantes.
Além disso o p&b trabalha em harmonia com a direção de arte que nos transporta com exatidão para a época contada. Toda mobília, figurino, cenários são pensados para transmitir temporalidade além de não nos distrair quando estamos numa cena em cores. Roupas em tons pastéis, mobília em madeira, quadros em sépia, são escolhas pensadas para funcionar tanto em cores quanto em p&b.
A direção de François Ozon também é de uma sutileza e elegância que deixa tudo ainda mais clássico com movimentos leves de aproximação dando espaço para que os personagens possam absorver toda angústia que a história carrega. Ozon estende as cenas o máximo possível para transmitir a necessária carga emocional.
O filme é baseado na peça escrita pelo dramaturgo Maurice Rostand que também serviu de base para o filme NÃO MATARÁS (1931) dirigido por Ernst Lubitsch. Segundo o próprio Ozon, de inicio sua ideia era rejeitar o projeto do filme haja vista a qualidade das obras anteriores. Mas como é sabido por todos, isso nunca é motivo suficiente para se desistir de um projeto e logo Ozon voltou atrás. Ele disse: “O longa de Libitsch é bonito e valoroso visto pela ótica do contexto pacifista e idealista de depois da guerra. Eu incluí várias de suas cenas. […] A direção dele é admirável e altamente inventiva como sempre. Mas é o filme de um diretor americano de sangue alemão que não sabia que uma segunda guerra mundial estava despontando no horizonte. Ele fez um filme otimista sobre reconciliação. Minha abordagem, como um francês que não viveu durante uma guerra mundial, seria obviamente diferente”.
O que Ozon faz aqui é mostrar que as feridas das guerras vão muito além das marcas físicas nos corpos de quem nelas participou. Há mais pessoas envolvidas, como é o caso de Anna que perdera o noivo na guerra e precisa lidar com esse fato pelo resto de sua vida. Anna não é aquela personagem clichê de filme de guerra que chora a morte do noivo e deixa de viver por conta disso. Conseguimos ver que há nela o desejo de viver, de seguir em frente, mas ao mesmo tempo, há feridas tão profundas que são agravadas pelo preconceito pós guerra que a impede de seguir sua vida. O filme provoca a discussão sobre com lidamos com o pós guerra, afinal mesmo após encerramento dos conflitos, o ódio entre inimigos que uma guerra alimenta não desaparece de uma hora para outra.
Anna é a representação perfeita desse sentimento pós guerra. Seguindo Ozon, a atriz Paula Beer tem “uma fagulha maliciosa e ao mesmo tempo possuiu uma certa melancolia. Ela conseguiu incorporar tanto a inocência de uma garota quanto o poder de uma mulher. […] E ela é incrivelmente fotogênica”. E ele está completo de razão, pois a atuação de Paula que lhe rendera o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza é um dos destaques do filme.
FRANTZ é um lindo e elegante filme que traz na sua cinematografia em preto e branco um classicismo imaginativo para falar sobre vida, morte, perda, dor, memória e remorso de um pós guerra que nunca é tão pós assim.
O filme está em cartaz pelo Festival Varilux de Cinema Francês mas estreará no circuito comercial em 22 de Junho de 2017. Então fica o incentivo para que prestigie esse Festival tão bonito que traz os mais recentes filmes de artistas como Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Juliette Boniche, Marion Cottilard, Guillaume Canet e Omar Sy.
Se quiser conhecer mais do meu trabalho, eu escrevo para site ArteCines e semanalmente falo de cinema no meu Canal no Youtube.
Forte abraço e até a próxima.