O revolucionário cinema norte-americano dos anos 70
Preparando os anos 70
Dos anos 30 aos anos 60, o cinema viveu sua fase de ouro, com os maiores clássicos, que vão dos filmes protagonizados por Greta Garbo aos filmes dirigidos por John Ford e Alfred Hitchcock. Na segunda metade dos anos 60, o cinema daria início a uma fase de filmes mais ousados, quebrando tabus sexuais, com obras como “A Primeira Noite de um Homem” (1967) e “Perdidos na Noite” (1969). A era espacial era explorada com maior expressividade em “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968) e “Sem Rumo no Espaço” (1969). “Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas” (1967) mostrava a violência com muito sangue e ritmo inovador. Era a violência surgindo de forma mais impactante do que nunca. “Quem tem Medo de Virgínia Woolf” (1966) e “Adivinhe Quem Vem para Jantar” (1967) levaram o drama social para dentro do lar. Com “Meu Ódio Será Sua Herança” (1969), o western era visto pelo lado dos bandidos, e o terror “O Bebê de Rosemary (1968)” assustava apenas pelo o que era sugerido e pouco mostrado. “Sem Destino” (1969) chegaria para mostrar que o homem queria se ver livre da opressão e da intolerância. Esses e outros filmes ajudaram Hollywood a criar um novo modelo de cinema na década de 70: filmes retratando uma realidade nua e crua, mesmo que se tratasse também de obras de fantasia e ficção científica.
Uma década inesquecível para o cinema
Com “Patton – Rebelde ou Heroi?” (1970), a guerra já não era mais com heróis imbatíveis como nos filmes de explosões de pontes e canhões dos anos anteriores, mas comandada por um personagem meticuloso em suas ideias de poder. O general George Patton comete erros, não está acima da razão. A interpretação realista de George C. Scott dá o tom de que, o que veremos em cena será pouco heroísmo e muitas falhas humanas. “Pequeno Grande Homem” (1970) deu continuidade ao que o diretor John Ford tentara ‘consertar’ em seus últimos filmes, colocando os índios não como vilões bárbaros, mas como vítimas exploradas e massacradas pelo homem branco.
Em “Operação França” (1971), o policial Jimmy Popeye (interpretado por Gene Hackman), no intuito de desarticular uma rede de tráfico francesa, não segue as normas da lei e sai atirando pelas costas e destruindo tudo com seu carro, em perseguições de tirar o fôlego pelas estradas e becos de Nova Iorque. A sujeira das ruas começava a ser mostrada de forma mais realista e sem maquiagem. “Ensina-me a Viver” (1971) mostra um casal diferente: ele é um jovem com ideias estranhas sobre a morte, e ela uma idosa espontânea e decidida a viver da melhor maneira possível. Temos aqui um inusitado encontro entre duas pessoas diferentes que se completam.
Stanley Kubrick polemiza com o seu “Laranja Mecânica”, uma produção dos EUA com a Inglaterra, onde, em um futuro caótico, uma gangue espalha a violência por onde passa. Mais do que isso, é um painel sobre a sociedade desenfreada de hoje (podemos ver como o filme é atemporal). Em “A Última Sessão de Cinema”, uma pequena cidade é palco de desilusões de jovens e idosos que se desprendem da esperança de um futuro melhor. A obra espelha a sociedade perdida da época, desconstruindo o famoso estilo de vida do American Way Life (em 1999, “Beleza Americana” elevou isso ao máximo).
Em 1972, o diretor Francis Ford Coppola ousou colocar uma família de mafiosos como protagonista de uma história envolvendo crimes, vingança e fidelidade. Era “O Poderoso Chefão”, um filme que rompeu com a obviedade e apresentava um roteiro sólido, mostrando criminosos com códigos de honra. Dois anos depois, Coppola daria continuidade à sua obra-prima, com o também marcante “O Poderoso Chefão – Parte II”. Ainda em 1972, Bob Fosse dirigiu “Cabaret”, um dos grandes (e poucos) musicais da década, que apresenta personagens inseridos na turbulenta Alemanha Nazista. A obra de Fosse é cheia de críticas sociais, denunciando a conivência de alguns cidadãos com o mal que assolava o mundo nos anos 40.
Em 1973, “O Exorcista” explora o terror através do drama de uma mãe tentando salvar a vida de sua filha, contando com a ajuda de dois padres na luta contra um mal físico e ao mesmo tempo invisível. Clássico de William Friedkin que lotou os cinemas. No mesmo ano, “Nosso Amor de Ontem” mostrava um romance que nascia durante o turbulento período de protestos pacifistas nos anos 40 e 50. O filme é estrelado por Robert Redford e Barbra Streisand, e a canção The Way We Were é famosa até hoje. Redford também atuou ao lado de Paul Newman em “Golpe de Mestre”, um filme sobre vigaristas aplicando golpe em vigaristas. Produções assim não eram tão frequentes nas décadas anteriores.
1974, o escândalo Watergate alcança seu período mais tenso, com a renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon. Os Estados Unidos vivem uma de suas fases mais críticas. A desilusão e desesperança toma conta do país. O cinema não esconde a insatisfação que também é popular, e investe em filmes mais densos e provocantes. Desse ano, “A Conversação” de Francis Ford Coppola mostra uma trama envolvendo um especialista em gravações de som. Vale lembrar que o caso Watergate começou depois de suspeitas de envolvimento do presidente Nixon com escutas telefônicas. Também em 1974, o diretor Roman Polanski lança “Chinatown”, um filme policial obscuro, com uma trama sobre corrupção e segredos de família. O roteiro de Robert Towne é frequentemente eleito um dos melhores de todos os tempos.
Em 1975, Jack Nicholson estrela “Um Estranho no Ninho”, um dos mais fortes retratos sobre a liberdade já produzidos pelo cinema. Venceu 5 Oscars e fez história, principalmente por seu tom de denúncia social. Esse foi o ano também em que o cinema inaugurou a era dos Blockbusters, com o megassucesso “Tubarão”, de Steven Spielberg. Uma crescente onda de filmes começaram a virar produtos comerciais. Não que isso já não existisse antes, mas com esse filme de Spielberg enchendo os cofres dos Estúdios da Universal, este e outros estúdios começaram a mirar mais em lucrativos ‘filmes de verão”.
1976 foi um ano decisivo para o cinema norte-americano, e vemos isso nas indicações ao Oscar de melhor filme, onde tivemos entre os candidatos, os filmes: “Taxi Driver”, em que Martin Scorsese coloca Robert De Niro em uma perturbadora viagem pelas ruas de uma Nova York suja e necessitando urgentemente de uma ‘limpeza’; “Todos os Homens do Presidente”, dirigido por Alan J. Pakula, retratou nas telas toda a operação que levou o presidente Richard Nixon a renunciar; “Rede de Intrigas”, do diretor Sidney Lumet, denunciava a manipulação da TV, em uma competição incessante pela audiência e seu poder de corromper; “Esta Terra é Minha” retratou a Depressão dos anos 20.
O quinto filme na disputa era “Rocky, um Lutador”, que não era o melhor filme entre os cinco, mas era o que apresentava uma resolução otimista e triunfalista, justamente o que o povo norte-americano de fato precisava ver e sentir naquele momento. Nada de produções que remetessem ao que eles no fundo queriam esquecer, e “Rocky” saiu vencedor, com os prêmios de melhor filme, direção e edição, em um ano de filmes pesados e pessimistas. Também neste ano, “Carrie, a Estranha” inauguraria uma série de filmes baseados em obras do escritor Stephen King.
1977 foi um ano revolucionário para o cinema de efeitos visuais. Ano em que o diretor George Lucas, com “Star Wars – Uma Nova Esperança”, daria início a uma das séries mais cultuadas e lucrativas de todos os tempos. Lucas, criou aqui uma nova forma de fazer cinema de entretenimento, utilizando o que havia de mais moderno na área de som e imagem. “Com “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, Steven Spielberg também explorou efeitos visuais de última geração, para dar vida a uma história envolvendo a chegada de alienígenas à Terra. Também em 1977, o diretor Woody Allen expõe os conflitos de um casal estranho e temperamental, no premiado “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”.
A derrota dos EUA na Guerra do Vietnã marcou para sempre a vida dos norte-americanos, que não acreditavam que o mais poderoso país do mundo pudesse sofrer um abalo tão grande de um país asiático aparentemente vulnerável. Em 1978, o cinema produziu duas obras que mexeram na ferida da guerra, mostrando o retorno de soldados e as cicatrizes (não apenas físicas, mas também emocionais) de homens levados a uma batalha inútil do outro lado do mundo.
Em “Amargo Regresso”, o soldado interpretado por Jon Voight retorna da guerra em uma cadeira de rodas, e precisa dar um novo rumo à sua vida. Ele vê em uma enfermeira casada (Jane Fonda) a chance de voltar a ser feliz. É o melhor filme da carreira do aclamado diretor Hal Ashby. Ainda mais impactante é a visão do diretor Michael Cimino de uma guerra perturbadora, no premiado “O Franco Atirador”, onde Robert De Niro comanda um excelente elenco, na história de alguns amigos que vão para a Guerra do Vietnã, e voltam emocionalmente dilacerados, quando um deles acaba não voltando.
Finalizando a década de 70, “Apocalypse Now” (1979) apresenta um outro lado da Guerra do Vietnã, um lado obscuro, surrealista, mostrando os horrores dos campos de batalhas, e um Marlon Brando monstruoso sendo procurado por um grupo de soldados em uma selva repleta dos mais diversos perigos. Francis Ford Coppola criou em sua obra-prima, o mais contundente retrato do horror humano, uma sinfonia do caos e do medo em um assombroso combate físico e psicológico. O diretor Bob Fosse apresentou no mesmo ano, um dos mais brilhantes musicais da história: “All That Jazz – O Show Deve Continuar” apresenta um coreografo (Roy Scheider) em seus últimos dias de vida, relembrando os sucessos e as derrotas em sua vida profissional e pessoal. O drama “Kramer vs. Kramer” mostra uma briga judicial entre marido e mulher pela guarda do filho. Dustin Hoffman e Meryl Streep estrelam essa comovente história de dor e remorso.
A década de 70 criou obras fortes e inesquecíveis, e o cinema não parou por aí em sua trajetória de produzir obras de grande impacto. Vemos surgir no primeiro ano da década seguinte, obras-primas como “Touro Indomável” e “O Homem Elefante”.