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Crítica: Assassin’s Creed

Assassin’s Creed é uma das melhores adaptações baseadas em jogos de video game, mas isso não significa muita coisa

Ficha técnica:

Direção: Justin Kurzel
Roteiro: Michael Lesslie, Adam Cooper, Bill Collage
Elenco: Michael Fassbender, Marion Cotillard, Jeremy Irons, Brendan Gleeson , Charlotte Rampling, Denis Ménochet, Michael Kenneth Williams, Ariane Labed
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (12 de janeiro de 2017 no Brasil)

Sinopse: Através de uma tecnologia revolucionária que desbloqueia as memórias genéticas, Callum Lynch (Michael Fassbender) vivencia as aventuras de seu antepassado Aguilar, na Espanha do século XV. Callum descobre que ele é descendente de uma misteriosa sociedade secreta, os Assassins e acumula incrível conhecimento e habilidades para assumir a organização templária opressiva e poderosa nos dias atuais.

Dizer que Assassin’s Creed é um dos melhores filmes baseados em um jogo de video game já feitos é quase uma piada. Entre a concorrência de adaptações existentes estão bombas como Max Payne, Super Mario Bros, Hitman e as incontáveis “adaptações” produzidas por Uwe Bowl (“diretor” de pérolas como Bloodrayne, FarCry e Alone In The Dark). Para cada filme competente, para cada Silent Hill – e até mesmo a subestimada diversão trash que é Doom: A Porta do Inferno – existem pelo menos uns três filmes execráveis. Deixando de fora, é claro, outra franquia famosa envolvendo mortos vivos, que se encontra numa espécie de limbo em relação a sua qualidade. Para muitos, a “esperança” desse tipo de filme recaía sobre Warcraft e este Assassin’s Creed, as duas últimas grandes adaptações de games lançadas.

O resultado, para ambos, é parecido: assim como no filme dos Orcs contra humanos, a incursão do tal “Credo dos Assassinos” no cinema acaba sendo um entretenimento digno e com potencial. E se isso os coloca automaticamente na lista de melhores filmes do gênero já feitos, tais obras acabam sendo decepcionantes justamente pela sensação constante de potencial desperdiçado, de uma experiência que nunca se torna verdadeiramente plena. Uma interminável tela de loading, no fim das contas.

Mas vamos lá: se o problema de Warcraft era ter que condensar uma enorme história num filme de pouco mais de duas horas, cheio de cortes para diminuir sua duração, resultando numa obra interessante mas sem envolvimentos emocionais – uma obra estéril, o maior e mais inexplicável defeito de Assassin’s Creed é justamente sua falta de história.

Cotillard e Fassbender em cena como Sofia e Callum

“Falta de história” é justamente o que não se pode dizer sobre os games da série, desenvolvidos pela produtora Ubisoft. Mesmo que os maiores destaques dela tenham sempre sido os os combates, o parkour e, em menores graus, o stealth, a história sempre foi interessante e rica, mesclando elementos modernos e conceitos fantásticos (como a máquina Animus, que será explicada mais à frente) com eventos reais (A terceira Cruzada, Revolução Francesa) e figuras históricas (entre elas Nicolau Maquiavel, os Bórgias e Leonardo DaVinci).

A Sinopse do filme é bem parecida com o enredo do primeiro jogo, mesmo que os personagens não sejam os mesmos (o que, de qualquer forma, não importa – já que o filme deve se sustentar como obra independente dos jogos). Acompanhamos Callum Lynch (Michael Fassbender), que possui um passado conturbado e se encontra no corredor da morte por ter cometido alguns assassinatos. Após sua “morte” por injeção letal, Callum inexplicavelmente acorda na companhia da bela cientista Sofia Rikkin (Marion Cotillard), apenas para descobrir que se encontra nas instalações da Abstergo Industries. O objetivo de Rikkin e da Abstergo: descobrir a localização de um artefato chamado “maçã do éden”, que supostamente contém a chave para o fim da violência no mundo.

Como chegar a este objetivo? Através de Callum, que descobre ser o único descendente vivo de Aguilar, seu antepassado, que fazia parte de uma sociedade secreta – os Assassins, na Espanha do século XV. As memórias são extraídas à partir de um novo tipo de tecnologia – a tal Animus, uma máquina que acessa a memória genética de Callum e permite que ele reviva as aventuras de Aguilar.

O enredo pode até parecer complexo, mas a verdade é que o roteiro, escrito a três mãos (nunca um bom sinal) por Michael Lesslie, Adam Cooper e Bill Collage está mais focado nas perseguições, “reviravoltas” e correria, com os interlúdios de diálogos expositivos servindo de ponte para cenas de ação. E na maior parte, pelo que os escritores e o diretor Justin Kurzel se propõem a fazer, o resultado é competente.

Michael Fassbender vive o papel duplo de Callum/Aguilar em Assassin’s Creed

Não deixa de ser irônico que os personagens dos games sejam mais complexos do que os vistos aqui. Kurzel, que já havia trabalhado com Fassbender e Cotillard no apenas mediano Machbeth – Ambição e Guerra, não demonstra interesse nenhum na proposta. Se o conceito da busca pelo fim da violência em uma adaptação de games que gira em torno de assassinos renderia uma boa exploração, quase metalinguística do tema, ele acaba sendo desperdiçado. O diretor tem todas as peças do tabuleiro em mesa para isso, com Fassbender sendo de fato um avatar – o “protagonista genérico” moldado de acordo o “progresso do jogo”. A Animus é, objetivamente, um video-game; um brinquedo interativo de realidade virtual. Ainda assim, o filme perde justamente por não reconhecer isso. Ele acaba sendo grandiloquente demais, acaba se levando a sério demais.

O destaque fica mesmo para Fassbender (que também produz o longa) como Callum/Aguilar. É o tipo de ator que se dedica por completo até num comercial para a tevê. Cotillard tenta atribuir alguma personalidade à Sofia, mas ela é prejudicada demais por um roteiro que não está interessado em desenvolvê-la. E ao pobre Jeremy Irons não resta muito à fazer como o pai de Sofia e “antagonista da história”.

Outro destaque são as sequências passadas no século XV (o que os fãs do jogo realmente querem ver). Nelas, Kurzel é eficiente em estabelecer a ação, mesmo que tenha um deslize ou outro, como nos momentos em que ele e seus montadores escolhem cortar a ação que se passa no século XV para os dias de hoje – mostrando os efeitos que a mesma tem no seu protagonista. Além de desorientar o público de forma não intencional, ele acaba por escancarar os movimentos ilógicos da máquina Animus. O que ocorre, por exemplo, quando Aguilar está correndo em uma linha reta por minutos no passado? Callum simplesmente fica batento com a cara na parede?

Visualmente, o filme também é competente. A direção de fotografia fica a cargo de Adam Arkapaw, colaborador habitual de Kurzel, que consegue conferir identidades visuais óbvias mas eficientes, com uma paleta de cores fria e acinzentada para o presente contrapondo as sequências de tom quentes no passado – mérito também do design de produção e do figurino, que conseguem retratar muito bem a época de Aguilar.

As sequências ambientadas na Espanha do século XV são as melhores de Assassin's Creed

Em suma, o maior defeito do filme é nunca ser realmente marcante, nunca ter um elemento de impacto. A Sofia de Marion Cotillard, solta, em determinado momento, a expressão “Leap of Faith!” , com espanto, como se a mesma tivesse jogado os games. Tal fan service – deslocado e beirando a vergonha alheia – reflete esta obra, que acerta muito, mas também erra e decepciona com situações desse tipo. Se o Leap of Faith é algo tão icônico, deixe que os fãs o reconheçam por si próprios, não é verdade? Desta forma, é como se o diretor Justin Kurzel tivesse vergonha do material de origem, mas fosse obrigado a incluir referências apenas para deleite de alguns fãs.

O cômico “que porra tá acontecendo?” que o Callum de Fassbender diz para si mesmo, ao se ver diante da situação ridícula e ilógica que está vivendo insinua uma autoconsciência debochativa de seus realizadores em relação ao filme que fizeram, mas tal momento nunca se repete, deixando a mesma expressão presa na garganta de sua audiência. Talvez, se Assassin’s Creed  se levasse menos a sério, e se focasse na ação escapista do século XV que consegue fazer tão bem às vezes, aí sim poderíamos dizer que esta é uma das melhores adaptações de video games sem incluir a inevitável conjunção “…mas” na frente.

 

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