Crítica: Animais Noturnos
“Animais Noturnos” é um filme cuja “história dentro da história” é muito melhor que a história.
Ficha técnica:
Direção e Roteiro: Tom Ford (baseado no romance de Austin Wright)
Elenco: Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Laura Linney, Michael Sheen, Michael Shannon, Aaron Taylor-Johnson, Isla Fisher, Ellie Bamber, Armie Hammer.
Nacionalidade e lançamento: Estados Unidos, 18 de novembro de 2016 (lançado em 29 de novembro no Brasil).
Sinopse: Susan (Amy Adams) é dona de uma galeria de arte se sente cada vez mais isolada do marido (Armie Hammer). Após receber um manuscrito de Edward (Jake Gylenhaal), seu primeiro marido, ela passa a ler e acompanha a história de Tony Hastings, um homem que leva sua esposa (Isla Fisher) e filha (Ellie Bamber) para tirar férias, mas acaba cruzando o caminho de homens violentos. Enquanto lê a obra, Susan tenta entender por que recebeu o libro e acaba descobrindo verdades dolorosas sobre si mesma, rememorando o relacionamento com ele.
*ALERTA: CONTÉM SPOILERS. NÃO LEIA SEM TER VISTO O FILME
Desde o início, “Animais Noturnos” é um filme triste. Seu objetivo é adentrar na depressão que toma conta de Susan (Adams), cujo casamento com Hutton (Hammer) não vai bem, e que acaba de receber o livro recentemente escrito por Edward (Gyllenhaal), seu ex-marido.
Dirigido por Tom Ford, famoso estilista em sua segunda incursão como cineasta, o longa parece a união de brigadeiro com picanha: duas coisas que, separadas, são deliciosas, mas juntas não fazem muito sentido.
Não que Tom Ford não saiba o que está fazendo. A ideia de filmar a história do livro e intercalar com o desenvolvimento da protagonista é interessante e tem seus méritos, mas as duas histórias simplesmente pouco se conectam. Se cavarmos os elementos, talvez encontremos uma explicação pela qual a trama do livro se conecta com os feitos de Susan – devidamente mostrados em flashbacks – mas é algo tão mínimo que soa artificial.
Isso não faz de “Animais Noturnos” um filme enfadonho ou desinteressante. O fato é que as duas tramas chamam a atenção, embora a história do livro seja muito mais intensa – e valeria um filme apenas sobre ela! Além disso, os cortes que intercalam as tramas são muito bem orquestrados, e aqui vale dar destaque aos match cuts que aumentam ainda mais a fluidez da narrativa e as lembranças da protagonista.
Se pensarmos do ponto de vista temático, é possível identificar uma misoginia problemática na trama, já que a motivação de Edward é baseada em um aborto – como se a escolha da protagonista fosse totalmente condenável e seus sentimentos não precisassem ser levados em consideração.
E mais uma vez, reitero: qual é o “recado” que ele realmente quis passar à ex-esposa com o livro? Será que é uma metáfora ao relacionamento, ao mostrar que o acerto de contas vem depois de um período longo de investigação? Será uma mensagem de que quem mata alguém merece a morte como pagamento? Ou não tem explicação nenhuma?
Ainda sobre o roteiro, vale destacar que há diálogos expositivos (“você é igual à sua mãe”, “não vai parecer que estamos quebrados”) que, se não são de todo ruins, também não conseguem fazer jus à narrativa pretensiosa e à qualidade imagética da obra, e ainda cai em contradição ao deixar explicações em aberto que, estas sim, precisariam de mais clareza.
Se Amy Adams consegue dar profundidade na tristeza de Susan, é Jake Gyllenhaal que se destaca com praticamente três personagens diferentes – já que um deles sofre algumas mudanças ao longo de um período. Michael Shannon, Aaron Taylor-Johnson e Laura Linney também se destacam, embora seja um pouco exagerado que Linney faça o papel da mãe da personagem principal, quando qualquer atriz um pouco mais velha conseguiria fazer o mesmo com mais veracidade.
As escolhas estéticas de Ford são primorosas em “Animais Noturnos”, mas acho que seria o mínimo que poderíamos exigir do homem que revitalizou a Gucci: figurinos que ostentam, obras de arte curiosas e cenários estonteantes combinam com a personagem principal e criam a atmosfera densa que marca o filme. O difícil mesmo é juntar alhos com bugalhos e compreender o que o roteiro realmente queria. Fica aquele gostinho de doce com salgado, de picanha com brigadeiro.
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Resumo
Se Amy Adams consegue dar profundidade na tristeza de Susan, é Jake Gyllenhaal que se destaca com praticamente três personagens diferentes – já que um deles sofre algumas mudanças ao longo de um período. O difícil mesmo é juntar alhos com bugalhos e compreender o que o roteiro realmente queria. Fica aquele gostinho de doce com salgado.