Crítica: 3% (1ª temporada)
Na última semana, houve a estreia da primeira série brasileira produzida pela Netflix, chamada 3%. Ela é baseada em um episódio piloto de uma série publicada no YouTube, dividida em 3 vídeos. Foi criada por Pedro Aguilera e dirigida por César Charlone, Daina Giannecchini, Dani Libardi e Jotagá Crema. As filmagens aconteceram em São Paulo.
A história de 3% se sucede em um mundo hipotético (será?), com a existência de dois lados. No Continente, predomina a miséria e a injustiça. Os pobres passam fome e sede, vivem em condições precárias, se reproduzem e possuem um objetivo principal na vida: passar para o outro lado, o Maralto. O Maralto é o símbolo da justiça e da felicidade, e todos imaginam como deve ser fascinante viver naquele lugar. Porém, ao longo da série, percebemos que nem tudo é como se imagina.
A essência da série está no processo de seleção para passar para o Maralto, que ocorre uma vez ao ano, com jovens de 20 anos de idade. Isso significa que cada pessoa pode se inscrever no processo apenas uma vez na vida. E, obviamente, apenas 3% passam na seleção. O processo é composto por várias provas com diferentes objetivos, exatamente para selecionar os indivíduos que possuem maior aptidão para viver no Maralto, e que são merecedores.
No Continente, existem aqueles que acreditam no processo (ou foram treinados a acreditar) e aqueles que querem sabotá-lo. As pessoas do Continente que lutam por um mundo mais justo e se infiltram na seleção fazem parte de um grupo denominado “A Causa”. Esse grupo é a maior preocupação e ameaça do Maralto, que faz de tudo para identificá-los e eliminá-los.
Resumindo, a trama gira em torno dos candidatos e dos realizadores do processo. Agora que já entendemos sobre o que se trata a série, vamos analisá-la. Pensei que, ao invés de fazer uma crítica convencional, irei criar uma lista de prós e contras. Vamos lá?
PRÓS
A trama
Com certeza, o mais interessante do seriado inteiro é a trama. A história é original, a ideia é muito boa e os acontecimentos nos trazem reflexões. O desencadeamento das cenas e dos eventos é feito de forma eficiente e funciona sem erros. Não há frescuras ou medo de matar os personagens, independentemente de quais são. Além disso, apesar de todos os contras que ainda vou apresentar, a trama é o grande responsável por criar expectativas e nos induzir a assistir a série até o final, que conta com várias surpresas.
As provas
O processo de seleção é composto por diferentes provas que são, no mínimo, intrigantes. Cada prova possui um objetivo específico. Em muitos momentos as cenas se alternam entre os candidatos durante a prova, e os integrantes do processo de seleção observando os candidatos e dizendo o que eles esperam da prova. Nessas cenas o espectador sabe ou deduz o objetivo do teste. Porém, em alguns momentos essa informação é omitida. Esse jogo de dedução e omissão gera uma ansiedade no espectador, além de nos fazer apostar em quem será eliminado e quem passará para o próximo teste. O formato e tipo das provas também contam como pontos positivos, pois cada uma exige uma habilidade diferente, e são muito mais psicológicas do que físicas.
O personagem Ezequiel
Ezequiel é o personagem mais profundo e enigmático do seriado. Interpretado por João Miguel Leonelli Sarrano, e talvez uma das melhores atuações presentes em 3%, ele é o chefe do processo de seleção. Ezequiel consegue moldar as opiniões dos espectadores. Você pode começar odiando o sujeito, mas em algum momento sentirá compaixão dele, vendo que o personagem também exibe um lado “mais humano”. Inclusive, em minha opinião, um dos melhores episódios é aquele em que é mostrado o passado do personagem, focando em suas escolhas e consequências. Ezequiel representa o personagem que foi melhor trabalhado e explorado no seriado, e isso é algo facilmente notável.
Trilha sonora
Se tem algo que eu acho que encaixou muito bem com a história, foi a trilha sonora. As músicas são perfeitas para cada momento apresentado na tela, com uma mistura de drama e ação. Os ritmos são cativantes e brasileiros, e posso dizer que acertaram em cheio.
CONTRAS
Atuações
Embora algumas atuações são de maior destaque, como a de João Miguel (interpretando Ezequiel), Michel Gomes (interpretando o candidato Fernando, que anda em uma cadeira de rodas) e Vaneza Oliveira (interpretando a candidata Joana), nenhuma atuação passa do nível satisfatório. Inclusive, a maioria é extremamente pobre. Não quero ficar criticando os atores; afinal, muitos atores estão acostumados a atuar em novelas, por exemplo, cujo objetivo é completamente diferente de um seriado. Entretanto, era de se esperar que os atores escalados conseguissem moldar sua atuação para algo mais sério e dramático, que representasse a trama da série. Esse é o ponto que mais me deixou chateada.
Roteiro
Embora o enredo seja bom, o roteiro possui furos sim. Não vou citar spoilers aqui, afinal, com essa crítica eu pretendo deixar o leitor decidir se é de seu interesse ou não assistir ao seriado. Mas podem esperar alguns furos. Não é nada de outro mundo, nada tão absurdo. Mas vocês conseguirão levantar questionamentos sem respostas. Se serve de consolo, poderia ser bem pior tratando-se de uma ficção científica.
Personagens fracos e mal trabalhados
Não são todos os personagens que foram mal trabalhados, de modo que eu posso citar o Ezequiel, o Fernando e o Rafael. Mas existem alguns personagens na série que fazem você se questionar o que eles estão fazendo ali. De início eu pensei que a culpa estava na atuação. Talvez esteja também. Mas a verdade é que alguns candidatos, e até mesmo integrantes do processo, poderiam obter um outro papel no seriado. Eles deveriam ser melhor desenvolvidos, e às vezes tive a impressão de que o molde desses personagens foi feito às pressas. Aliás, uma das principais protagonistas, a Michele (Bianca Comparato), não é nada cativante. Nós somos apresentados a apenas uma face daquela pessoa, deixando todas as outras características que a tornam um indivíduo único de lado. E, infelizmente, isso acontece com muitos outros personagens.
Concluindo, apesar de toda a divulgação criada para 3%, a série possui seus altos e baixos. Poderia demorar mais para ser lançada, contanto que fosse melhor trabalhada e elaborada. Mas a trama é muito boa, a fotografia está impecável e o espectador consegue ficar preso até o final. Além disso, podemos notar um amadurecimento em todos os aspectos do seriado com o passar dos episódios. Resta aguardar se será lançada outra temporada, e eu realmente espero que sim.
Resumo
3% é uma nova série brasileira produzida pela Netflix, e nos apresenta uma trama cativante e envolvente. Entretanto, o roteiro possui furos e as atuações deixam a desejar. Só nos resta aguardar pelo retorno de uma nova temporada.