Crítica: A Rede
“A Rede” faz um curioso porém verborrágico paralelo entre as duas Coreias.
Ficha técnica:
Direção e Roteiro: Kim Ki-Duk
Elenco: Ryoo Seung-Bum, Lee Won-Geun, Kim Young-Min, Choi Guy-Hwa
Nacionalidade e lançamento: Coreia do Sul, 6 de Outubro de 2016 (29 de Outubro no Brasil pela Mostra de SP, primeira exibição em 31 de Agosto no Festival de Veneza)
Sinopse: O pescador norte-coreano Nam Chul-Woo (Ryoo Seung-Bum) quebra o motor do seu barco por acidente e acaba cruzando, pelo rio, a fronteira com a Coreia do Sul. Ele passa a ser submetidos a duras investigações dos sul-coreanos, que suspeitam que ele seja um espião, mas conta com a ajuda de um simpático guarda, com quem cria laços de amizade.
Sobre A Rede:
Kim Ki-Duk é conhecido por muitos como o “cineasta do silêncio”. Se o objetivo era acabar com esta alcunha, o sul-coreano pode dar-se por satisfeito. “A Rede” é verborrágico até mesmo quando não precisa. Logo nos minutos iniciais, o protagonista precisa deixar claro ao soldado que vigia a fronteira – e ao espectador – que seu barco corresponde à sua única riqueza, algo que justifica o fato de não abandoná-lo ao cruzar a fronteira, mesmo diante dos riscos.
Se o fato de Nam ser um pobre pescador, sem dinheiro sequer para comprar um brinquedo para sua filha, é repetido de diversas formas, o mesmo pode-se dizer das diferenças entre os dois países, que estão em uma espécie de “guerra fria” há décadas: Capitalismo e Socialismo, Liberdade e Ditadura são dualidades postas a todo momento. A certa altura da projeção, Nam conversa com seu novo amigo, o guarda Oh Jin-Woo (Lee Won Geun) e questiona sobre a pobreza e prostituição, ao que Jin-Woo tem uma resposta na ponta da língua sobre liberdade e capitalismo, em um diálogo que poderia ser melhor desenvolvido.
O objetivo do cineasta é mostrar ao povo do sul democrático (público-alvo óbvio) o quanto são parecidos com os coreanos do norte ditatorial, seja pela maneira como lidam com os problemas, seja pelo fato de não garantirem uma real liberdade às pessoas. Preocupado em fazer com que a “pena” que os sul-coreanos sentem pelos ex-compatriotas soe ridícula, o filme peca por repetir isso na boca de vários personagens, além de gritar ao espectador que reconsidere os pensamentos de que os norte-coreanos sofrem “lavagem cerebral” ou se sentem extremamente infelizes sob um regime ditatorial.
Enquanto é plenamente aceitável – e até interessante – que os militares de ambos os países sejam colocados como verdadeiros incompetentes (ainda que violentos), colocando-os em situações constrangedoras em diferentes momentos, o mesmo não se pode dizer de quando Nam enfrenta seu interrogador, já na terceira parte do longa. Chega a ser inverossímil que ele consiga se fechar na sala do interrogatório para dizer coisas como “nunca mais faça isso”.
Por falar em personagens, é uma pena que eles sejam rasos em sua maioria. Todos seguem um padrão formulaico e que depende do carisma dos atores para qualquer tentativa de humanização. O protagonista é um pescador que ama a família, e que é ingênuo o suficiente para cair em uma espécie de “armadilha” de espiões norte-coreanos reais, mas quando necessário para o roteiro, possui habilidades de luta quase dignas de um James Bond.
O mesmo pode-se dizer do guarda Jin-Woo, que só se afeiçoa a Nam por ser muito emotivo (pra quê tanto choro?) e ser neto de um norte-coreano, mas não tem qualquer outra característica que o deixe tridimensional. Por fim, o interrogador (Kim Young-Min) não apenas apresenta momentos de over-acting, como suas características enfraquecem a dualidade entre os países que é tema do longa, já que suas motivações pessoais o afastam de qualquer força institucional. Afinal, se dependesse dos (péssimos) chefes, a chegada do pescador seria praticamente um evento festivo.
Considerando…
É claro que, no frigir dos ovos, “A Rede” trata de um tema importante, possui bons momentos e garante até risadas com momentos engraçados. Mas seu excesso de diálogos enfraquece a trama, especialmente porque eles parecem subestimar o espectador. A frase “quem você pensa que é” se repete demais, e falar sobre computadores em bom estado e comida jogados no lixo não é apenas desnecessário logo após aquilo ser mostrado, como também se mostra uma crítica óbvia demais ao capitalismo.
Ainda assim, “A Rede” tem boa dose de cinismo, um debate importante e um desfecho interessante, capaz de selar a história com a ironia necessária, além de um último take repleto de significados. É uma pena que tudo isso se dilua, considerando as falhas e a excessiva preocupação do cineasta em traçar paralelos o tempo todo, como se eles fossem mais importantes que os próprios personagens.