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Crítica: Ouija – A Origem do Mal

Ouija – A Origem do Mal é até eficiente em suas pretensões, mas genérico e esquecível

Ficha técnica:

Direção: Scott Derrickson
Roteiro: Mike Flanagan, Jeff Howard
Elenco: Henry Thomas, Elizabeth Reaser, Doug Jones, Parker Mack, Sam Anderson, Kate Siegel, Annalise Basso e Lulu Wilson
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2016 (20 de outubro de 2016 no Brasil)

Sinopse: O que começa como uma farsa para arrancar dinheiro de clientes céticos, se torna um terrível pesadelo quando Doris, a caçula da família, é possuída por espíritos malignos.

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O cinema de terror moderno em Hollywood é feito de safras. Os estúdios pegam o “subgênero do momento” e o utilizam à exaustão. As ondas mais recentes foram as do torture porn (liderado pela série Jogos Mortais) e do found footage (popularizado pela série Atividade Paranormal e que já está praticamente morta, salva uma joia perdida ou outra).  Eis então que chegamos ao “filme de terror do momento“, que é o de casa/família assombrada. Não se pode dizer que alguma vez este subgênero foi embora, mas o que mudou no cinema atual – e acima de tudo, cinema de estúdio – é a forma como eles são feitos.

O principal responsável pela revitalização deste gênero foi James Wan e seus filmes da série Invocação do Mal. Com sua câmera estilosa e eficiente, atuações competentes, um roteiro que fazia com que nos importássemos com seus personagens, trilha sonora, direção de arte… tudo restaurando aquele preciosismo técnico e – o mais importante – artístico que havia se perdido há muito no cinema mainstream, regressando o terror – um gênero que passou a ser visto como inferior devido à produções assombrosas (e não no bom sentido) – ao seu lugar de origem, rendendo milhões ao cofre da Warner.

Porém, para os engravatados de Hollywood, todo sucesso estrondoso é encarado como um modelo a ser seguido, como se tivessem “desvendado o código”; “encontrado a fórmula”. E uma vez que descobrem a “fórmula”, o original é copiado até que todo o suco criativo -o que o fazia especial em primeiro lugar – seja drenado e tudo vire, novamente, status quo. E aí a roda deve ser reinventada novamente pelo próximo “visionário (na mente dos executivos)”, num ciclo vicioso de ignorância. Então, assim como ocorre com todas as franquias e licenças de sucesso, temos várias versões de Invocação do Mal que são parecidas com o original…mas não são o original: temos um diretor de talento (normalmente oriundo da cena independente), um enredo parecido, até os jump scares (o famoso “susto rápido”) são arquitetados de forma parecida.

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Desta forma, em Ouija – A Origem do Mal, temos uma produção que possui todas as características mencionadas acima. No filme, Doris (Lulu Wilson) é uma garotinha solitária e pouco popular na escola. Sua mãe, Alice (Elizabeth Reaser, de Crepúsculo) é especialista em aplicar golpes em clientes, fingindo se comunicar com espíritos. Mas quando Doris usa um tabuleiro de Ouija para se comunicar com o falecido pai, acaba liberando uma série de seres malignos que se apoderam de seu corpo e ameaçam todos ao redor.

Logo de início, fica claro que Ouija – A Origem do Mal , assim como Invocação do Mal (e realmente são muitos “mal” para se colocar numa frase), quer fazer um terror Old School, com o logo retrô da Universal e a forma com que o título surge – oriundo das produções dos anos 70 – estilosa e atmosférica. É perceptível que o tom retrô funciona pontualmente; a apresentação do tabuleiro do título é elegante, se pressa nenhuma e atmosférica, com a câmera rodando sobre o próprio eixo para lentamente revelar o jogo, conferindo peso narrativo ao mesmo. Porém, há uma inconsistência gritante quando os efeitos especiais gerados por computação gráfica, excessivos e artificiais surgem em cena, contradizendo a própria proposta de tom retrô. Divergências que, talvez, sejam reflexo de outras: a do diretor e estúdio.

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Que o diretor Mike Flanagan tem talento é inegável. Ao contrário de David F. Sandberg, diretor de  Quando as Luzes se Apagam – que tem problemas muito parecidos com este Ouija – , Flanagan já mostrou a que veio. responsável pelo ótimo O Espelho e o bom Hush: A Morte Ouve, Flanagan dirigiu o recente suspense O Sono da Morte e foi fisgado pela Universal e a Blumhouse Studios para realizar Ouija – A Origem do Mal. As inconsistências são perceptíveis. Quando vemos um jogo de câmera diferente ou uma abordagem claramente mais ousada deduzimos que sejam as escolhas de Flanagan e seu diretor de fotografia habitual, o eficiente Michael Fimognari. Porém, somos constantemente lembrados de que este é um produto de franquia, com a forma mais baixa de provocar “medo” no cinema de terror: os jump scares gratuitos (aquele susto que surge do nada com um acorde alto; você se assusta pela intensidade do som e da imagem, e não por uma construção do medo em si), a menina (sempre a menina) manipulada pelas forças do mal, o vínculo com a mãe… são todos aspectos inerentes aos arquétipos deste cinema de terror em específico, mas que não podem ser utilizados com inconsequência e de forma abusada como ocorre aqui. As forças do terror setentista não residem apenas em logos estilosos.

As atuações são eficientes. Elizabeth Reaser se sai consideravelmente bem como Alice, a mãe forte e independente. Annalise Basso (que havia trabalhado com Flanagan em O Espelho) interpreta Lina, a irmã mais velha de Doris. E à Doris da talentosa Lulu Wilson, o que resta é novamente a inconsistência. A pequena atriz é eficiente em transmitir a fragilidade e também a presença “maligna” que vêm com este tipo de personagem – quase um papel duplo – transitando facilmente de sorriso “inocente” para “sorriso maligno”. Porém a atriz tem sua atuação prejudicada pela escolha equivocada de alterar seu rosto digitalmente ao decorrer da projeção. Artificial e irritante, a inclusão diminui a performance da atriz e evidencia ainda mais a já mencionada inconsistência na retratação da época.

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No fim, temos uma obra inconsistente, mas “eficiente” em suas propostas (já que os realizadores claramente estão interessados nos jump scares momentâneos e esquecíveis). Porém, como não poderia? Como já mencionado, o susto com música elevada e imagem forte é infalível, não é mesmo? Então, o que contamos aqui é a relevância. Pois Ouija – A Origem do Mal  até possui estilo, mas a relevância do mesmo – perdido em seu caráter genérico – é zero. Fica a critério do leitor, então, se quer “apreciar” apenas mais uma obra esquecível, mas que lhe proporcionará alguns sustos fáceis (e para os que vão com potenciais ficantes e namorados (as), o filme pode até ser eficiente caso uma das pessoas se assuste com facilidade e precise de conforto). A lição que fica para Flannagan é a de não cair no limbo dos estúdios. Um talento como o dele não deve ser desperdiçado.

Ah, e o filme é um prelúdio ao Ouija de 2014, mas a importância disso é tão insignificante que até eu me esqueci.

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