Por que “SPOTLIGHT – Segredos Revelados” ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original? (2016)
(Contém Spoiler)
“SPOTLIGHT – Segredos Revelados” foi o grande vencedor do Oscar de 2016 na categoria de Melhor Roteiro Original e também de melhor filme. Lançado em 2015, o drama/suspense dirigido por Thomas McCarthy foi escrito pelo próprio diretor em parceria com Josh Singer. Até onde sei, o roteiro já ganhou 8 premiações pelo mundo.
Mas o que será que faz um filme ganhar um Oscar de melhor Roteiro Original? O que “SPOTLIGHT – Segredos Revelados” tem de especial? O que o faz diferente dos outros filmes?
Geralmente, os bons filmes são construídos em cima de alguns paradigmas. Esses paradigmas são modelos estruturais de construção de roteiro. Muitos roteiristas, principalmente os iniciantes, não gostam de seguir tais formas estabelecidas, querendo escrever o seu roteiro à sua maneira, sem se quer pesquisar como nasceu esses padrões e o quanto eles fazem a diferença para que um roteiro funcione bem dramaturgicamente.
Mas esse não foi o caso dos roteiristas de “Spotlight”. Eles conseguiram escrever da forma deles, mas tendo como base algumas ferramentas de alguns paradigmas como: A Divisão dos Três Atos, A Jornada do Herói e os 7 Pilares da Narrativa.
A Story Line do roteiro é: Um grupo de jornalistas em Boston reúne diversos documentos que comprovam o envolvimento de líderes religiosos em muitos casos de abuso infantil. Durante o processo de investigação, eles descobrem que a igreja foi omissa, propositadamente. O jornal publica a notícia e muitos outros casos vem à tona.
A história é baseada em fatos reais e um dos grandes pontos a favor do roteiro é a bagagem de pesquisa que foi preparada sobre o assunto. Um roteiro elaborado com muito conhecimento de causa é um dos principais fatores para ser um diferencial entre tantos.
Em um primeiro olhar, algumas coisas intrigam: o roteiro de “SPOTLIGHT – Segredos Revelados” não se trata de grandes personagens; o roteiro apresenta muitos diálogos, coisa que os roteiristas são sempre obrigados a cortar, cortar, cortar…. O filme também não tem grandes transições de cena e também não tem muitos subtextos. É tudo muito explícito em suas falas informativas. O filme também não é comercial. Não segue a linha Blockbuster.
Então porque cargas d’água esse roteiro tem ganhado tantas premiações?!
O óbvio!
Primeiro que sua premissa é universal. O tema da investigação é gerador de polêmicas e de constrangimento social: o abuso infantil cometido por Padres e a omissão da instituição católica. A história fala diretamente com qualquer público. O assunto é o que leva muitas pessoas que não estão acostumadas com este tipo de narrativa a chegarem até os créditos finais.
O roteiro também apresenta sutilmente algumas características padrão de construção de roteiro.
Exemplos:
Na primeira cena já se apresenta, com muita inteligência, o grande segredo. Na delegacia de Boston, um caso de abuso infantil está sendo resolvido. O primeiro diálogo entre dois policiais nos dá uma pista sobre a premissa do filme, quando um policial comenta que será difícil manter os jornais longe da acusação. O outro responde com uma pergunta: “Qual acusação? ” Em seguida, vemos um Bispo convencendo a mãe do garoto, que foi abusado, a retirar a queixa. O caso é resolvido entre eles. Percebemos que isso é uma ocorrência corriqueira.
Surge na tela o nome do filme.
Nos minutos seguintes, na cena em que Robby se encontra com o novo editor chefe do jornal, Marty Baron, o roteiro nos conta, através do diálogo entre os dois, o que é Spotlight e como a equipe de jornalismo investigativa trabalha. No final dessa conversa, conhecemos o objetivo de Baron: fazer com que o jornal ganhe destaque novamente.
Na primeira reunião de trabalho, Baron já sugere que a próxima pauta seja sobre o tema do filme. Porém, dentro do jornal, ele já encontra obstáculos para alcançar sua meta. Nem todos acreditam que o caso da igreja mereça um aprofundamento. Mas mesmo com alguns jornalistas desacreditados, as investigações começam!
Pronto, nos dez primeiros minutos de roteiro, já ficou claro sobre o que vamos assistir pela frente. A apresentação foi feita. E muito bem-feita.
O filme não se trata de personagens, como citei acima, mas existe transformações em seus desejos. Os jornalistas iniciam o filme desacreditados, mas depois de fazerem algumas entrevistas, constatam que nesse angu tem muito caroço e começam a querer descobrir o que de fato aconteceu. Acompanhamos os jornalistas mergulhados na investigação. Vemos Robby, um personagem que começou completamente desacreditado, se transformando em um herói determinado em alcançar seu objetivo, que antes era somente de Baron.
Baron diz ao grupo de jornalistas que o foco não deve ser somente os Padres, e sim, a Instituição Católica que omitiu os casos. Ele quer o sistema! A história começa a ficar mais interessante para os personagens e para quem assiste, existe algo muito maior e mais importante para ser alcançado.
Uma cena interessante, no meio disso tudo, é a chateação de Mike e Sasha em relação às descobertas feitas sobre a igreja. A cena mostra a decepção de ambos em uma conversa informal na casa de Sasha. Aqui, conhecemos um pouco desses personagens. Os roteiristas nos dão de presente um momento deles que, nos solidarizamos, afinal, poderia ter acontecido com qualquer um de nós que já frequentou a igreja.
Robby procura Jim, advogado da igreja na época dos abusos anteriores, a fim de que ele confirme que todos os Padres listados são realmente culpados. Primeiro vemos a recusa, mas logo em seguida, Jim decide confirmar. O jogo vira a favor de Robby.
O jornal assume o erro por ter negligenciado com as denúncias que receberam anteriormente. Enfim, a publicação é feita com o seguinte título: “A Igreja Permitiu Abuso por Padres Durante Anos”. O objetivo foi alcançado. A redação recebe vários telefonemas de mais vítimas trazendo à tona muitos outros casos.
Este roteiro apresenta muitos detalhes interessantes, mas para o texto não ficar longo demais, abstenho-me somente a esses e concluo que, para escrever um bom roteiro, nem sempre é necessário seguir o padrão hollywoodiano à risca, todos os paradigmas ou todas as formas ensinadas nos manuais. Mas conhecê-las e dominá-las é fundamental, até mesmo para saber como exagerar em algumas coisas e relaxar em outras sem prejudicar o trabalho, assim como fizeram Thomas McCarthy e Josh Singer.
https://www.youtube.com/watch?v=I7TYGRwZbE4