🌈 ROCHAS EM CORES – ENTREVISTA 🎬 MARIA CLARA SPINELLI, ATRIZ.
Desde os primórdios da Humanidade a Arte dialogava com os paradoxos do corpo e as formas de expressar curvas, beleza e mistérios. Hoje, na contemporaneidade de apetite voraz e proporção industrial, os discursos da diversidade de gênero rompem gradativamente o cárcere da censura e são debatidos com maior frequência e profundidade. O chavão popular de que “ator não tem sexo” e o sensacionalismo midiático no “galã X que não pode assumir, mas é gay!” mostraram-se irrelevantes na discussão que precisa ser feita às luzes das questões de identidade de gênero em uma sociedade cuja produção (Teatro, Cinema e TV) foi historicamente guiada por um sexismo cultural que corrói as estruturas de criação e limita o recorte narrativo e o poder de reverberação das obras.
O equívoco na gênese de personagens homoafetivos é autenticado na construção de uma alvenaria vazia e superficial, que projeta os gays exaustivamente sob a cartilha de estereótipos da “bicha-engraçada” e do imaginário extremista da mulher masculinizada ou da fantasia erótica, no caso das lésbicas. Mais preocupante que essa distopia narrativa culturalizada pelos veículos de comunicação, vendida pelo mercado e comprada pelo telespectador, é o silêncio quanto aos transgêneros. Incluí-los de forma orgânica na conjuntura da psique da sexualidade humana, e ao mesmo tempo expandir o mercado através de oportunidades igualitárias é uma luta árdua e muitas vezes dolorosa, pra quem é artista no Brasil.
A entrevistada da vez é uma das atrizes que simbolizam a visibilidade e o espaço conquistado por artistas trans nas produções audiovisuais brasileiras nos últimos anos, Maria Clara Spinelli.
“Escutei seu nome pela primeira vez na avalanche de notícias sobre o filme “Quanto dura o amor?”. Comprei o DVD com tamanho desejo que nem lembrei que Blu-ray só funciona no aparelho específico. Mais de 01 ano depois e amando consegui assistir a obra do cineasta Roberto Moreira e eis que, enfim, pude conhecer a tão comentada Maria Clara. O roteiro tinha uma premissa interessante, que se perdeu em personagens mal construídos e acima do tom e relações forçadas. A salvação e o melhor da história foi a atuação dela, na pele de Suzana, uma advogada que tinha um relacionamento amoroso com Gil, personagem vivido pelo ótimo Gustavo Machado (a química entre eles foi das melhores e torci por um final feliz). O nu frontal em uma das suas cenas foi sensível, emblemático, mas não sobrepôs seu talento da atriz. Mérito do diretor e da atriz que a partir daí me encantou!”. (griphos meus)
Em 2013, ela participou da novela “Salve Jorge”, como a traficada Anita, e hoje, volta a TV no elenco da série “Supermax” como a empresária “Janette”. (E confesso, que estava na torcida pra que ela fosse a protagonista de “A Flor da Pele”, próxima novela de Glória Perez, que terá uma transexual como uma das protagonistas e abordará de forma inédita na TV a temática da identidade de gênero).
#RochasEmCores apresenta MARIA CLARA SPINELLI.
1.) Em “Supermax”, série que marca a incursão da TV Globo no gênero do terror, você dará vida a “Janette”, dona de uma rede de salões de beleza. Ela viveu uma infância de privações, teve que lidar com o alcoolismo e a não aceitação do pai e fugiu de casa. Seu processo de criação foi realizado sob quais referências?
Todo personagem, em princípio, está dentro de nós mesmos. O ser humano, no fundo, é muito parecido. A busca pela aceitação, o desejo de ser amado, a necessidade de criar vínculos e conquistar segurança, etc… O que muda, para mim, é a forma com que cada pessoa (personagem) lida com tudo isso, juntamente com seus medos e traumas… Tentar se colocar no lugar do outro não é tão difícil assim… E, quando tentamos isso, descobrimos que há mais do outro em nós mesmos do que imaginávamos. Janette não é uma mulher tão diferente das muitas que convivemos durante toda a nossa vida… É assim que eu a vejo. E, além de tudo isso, tive a oportunidade (graças às coincidências da vida) de ter contato com uma mulher muito parecida com ela, profissional, social e emocionalmente, que me deu o ponto de partida pra criar a minha Janette.
2.) Você é de Assis, interior de São Paulo, trabalhava no teatro e no funcionalismo público e ganhou inúmeros prêmios no teatro e no cinema (Mapa Cultural Paulista – 2003/2004, Festival Paulínia de Cinema – 2009, Hollywood Brazilian Film Festival e Mônaco Charity Film Festival em 2010). Conquistar esse mesmo espaço na televisão, onde os padrões ainda são conservadores é um trabalho árduo? O que é necessário pra que a TV brasileira quebre barreiras e estereótipos artísticos?
Conquistar esse mesmo espaço e reconhecimento na televisão, onde os padrões ainda são conservadores, é um trabalho árduo. É natural que o novo assuste, incomode… Eu, particularmente, também sou uma pessoa conservadora, como a maioria. E por que não seria? Muitas pessoas me olham e esperam de mim posições fora dos padrões de comportamento social vigente. Talvez essas pessoas se esqueçam que também fui criada na mesma sociedade e cultura que elas… Eu aprendi, e estou aprendendo, a vencer meus próprios preconceito, e o medo do novo também. Estou aprendendo porque vivo na pele a exclusão emocional e social, mesmo que velada, porque sou uma mulher branca, de classe média, com formação superior… Mas que também nasceu transexual. Portanto, talvez o meu caminho seja muito mais difícil… Porque não venho, nem me sinto pertencer, a uma classe marginal, embora me sinta excluída pela sociedade em que nasci… E, embora excluída, é esta a sociedade da qual eu quero fazer parte. Mas não como uma mulher de segunda categoria, nem como uma atriz de segunda categoria, nem como uma cidadã de segunda categoria. As barreiras e estereótipos já estão sendo quebrados…
3.) Atualmente existe uma discussão muito forte em torno dos gêneros narrativos, Enquanto uns defendem uma reinvenção, “serializando” a fórmula tradicional das telenovelas, outros são adeptos da teoria de que “novela é novela”. Você, como telespectadora, acha que é possível a linguagem de “Supermax” ser absorvida pelas novelas?
Não sei… Se quando se fala em novela, estamos falando em um produto destinado às grandes massas, talvez “Supermax” seja demais para públicos de todas as faixas etárias, por exemplo. Mas não acho que uma coisa tenha que necessariamente ser absorvida pela outra. Há quem possa gostar de uma, outra ou de ambas.
4.) Para além da pesquisa, você, como telespectadora, tem assistido alguma produção do gênero o terror/suspense? Quais nos indicaria?
Não são gêneros que me agradem em especial. Neles, ainda fico com os clássicos. Mas também amo séries, como “Homeland” ou “Orphan Black”.
5.) Além da série “Supermax”, tem mais algum projeto para este ano?
O telefilme “A Felicidade de Margô”, dirigido por Maurício Eça, com roteiro de Paulo Garfunkel e Theo Garfunkel, baseado em crônica de Dráuzio Varella. Filme este que participa de um projeto envolvendo nove países que falam o idioma português, onde cada país produziu um filme. Todos os filmes serão lançados simultaneamente nos nove países. No Brasil, deve ser exibido pela TV Brasil.
Acompanhem a Maria Clara Spinelli como “Janette” na série “Supermax”, todas as terças-feiras, às 23h, na TV Globo.