O Ator Em Cena: Cinema, Teatro e TV
Por muito tempo eu fui uma pessoa somente de teatro, sou Técnica em Artes Cênicas; já atuei como atriz em muitos espetáculos e já ministrei muitas oficinas. O cinema chegou em minha vida bem depois, embora eu sempre tivesse uma paixão enrustida por ele que, por fim, um dia aconteceu, entrei na faculdade de Cinema e Audiovisual.
Observei que entre os colegas existia um preconceito grande em relação aos atores que vinham do teatro. Durante a escolha do elenco sempre optavam por quem não tinha experiências teatrais, justificando a falta de naturalidade deles. Depois observei que o preconceito não era só de colegas, mas de muitos cineastas iniciantes. Certa vez, em uma Mostra de Cinema, um diretor sentado à mesa de debate, em cima de um palco, atribuiu o fracasso do seu filme aos atores, alegando que eles foram muito “teatrais”. Desconfio que tal preconceito venha de pessoas que não conhecem o verdadeiro teatro e nunca assistiram excelentes atores no palco, capazes de dominar qualquer veículo.
Uma vez assisti o ator Juliano Cazarré no espetáculo “Adubo ou a Sutil Arte de Escoar Pelo Ralo”, saí do teatro chocada com tanto talento e domínio da arte. Depois o vi na televisão e no cinema, selando minha convicção: “ Um puta de um ator, domina tudo! ”
Cena do filme “Boi Neon” (2015).
Quando eu ouvia alguém comentando que determinado ator de filme x está péssimo em cena porque “está teatral”, ficava me perguntando: “ O que é um ator teatral? ”, “ O que é um ator de cinema? ”, “ O que é um ator de TV? ”. Existe um ator para cada uma dessas modalidades?
Vamos partir dos primórdios da interpretação. Na Grécia antiga, inicialmente, as apresentações tinham um caráter mais litúrgico do que artístico. Um certo dia, o gaiato do Téspis, (considerado o primeiro ator de teatro) em uma das apresentações do coro, acredito eu que depois de algumas taças de vinho, pois essas apresentações eram rituais festivos em celebração ao Deus Dionísio, começou a dialogar com o grupo, surgindo então o diálogo em cena e o teatro ocidental, nessa pegada mais declamatória. As interpretações teatrais começaram a se desenvolver de forma imitatória.
Porém, no século IX, o mundo ganha um revolucionário na arte da interpretação. Constantin Stanislavski, um ator e diretor russo nascido em Moscou – 1863. Ele foi um dos maiores inovadores da história do teatro e suas concepções estabeleceram a base da arte dramática. Em breve resumo, entenda como o método dele surgiu:
Stanislavski começou sua carreira no teatro como ator, foi duramente criticado. Depois de alguns fracassos, sentiu-se limitado a um tipo de interpretação exagerada, glamorosa e ultrapassada, nascida na Grécia antiga. Ele cria o seu próprio grupo de teatro e ao montar peças realistas, se descobre um “ator de composição”, abandonando o teatro declamatório e formal que o fazia se sentir como um péssimo ator.
Stanislavski conhece o sucesso ao estrear como diretor na peça “ Os Frutos da Instrusão” de Tolst, na qual lança o seu método de interpretação. Ele escreveu: “Esse trabalho foi útil para mim. Permitiu-me encontrar o caminho para passar do exterior ao interior, do corpo ao espírito, da forma ao conteúdo. Aprendi, outrossim, a compor uma “mise-em-scene”, isto é, a tornar materialmente evidente o sentido profundo das obras. “ (Fonte Caderno do Teatro)
Mas o seu método se consolidou mesmo quando fundou a “Escola de Arte de Moscou” que objetivava traçar novos rumos na concepção do espetáculo teatral, marcando um grande acontecimento da história do teatro mundial. Uma das famosas frases dessa escola diz: “Não existem papéis sem envergadura; só existem atores sem envergadura”.
“O programa do novo empreendimento era revolucionário – conta Stanislavski em uma de suas entrevistas – Condenamos a antiga maneira de representar, o falso teatro, a falsa emoção, a falsa declamação, o cabotinismo, a mentira na “mise-em-scéne”.
Stanislavski ganhou o respeito e a admiração, não só do seu país, mas como do mundo inteiro. Seu método, até hoje, é aplicado em todas as escolas de teatro, cinema e TV.
Atualmente, o método Stanislavski é a bíblia de todo ator, independente de ser do teatro, do cinema ou da TV. Ter verdade cênica é um requisito básico e essencial para alguém que quer seguir essa carreira.
O teatro profissional, assim como o cinema e a TV, também não aceita atores medíocres.
Não culpe o teatro quando vir um ator ruim nas telas. Culpe a falta de talento do ator e as escolhas ruins do diretor.
É claro que a interpretação do ator, tanto no teatro como no cinema e na TV, ganham particularidades, são linguagens diferentes e é o-bri-ga-ção do ator estudá-las, se quiser trabalhar nos três veículos.
Para interpretar no teatro, o ator precisa externar o seu personagem, amplificando a projeção de sua voz e de alguns gestos, quando preciso, para que todo o teatro entenda-o bem. Principalmente se o teatro for muito grande.
Para o cinema e para a tv, o ator precisa introjetar o personagem, não há necessidade de projeções, o ator pode manter a voz e seus gestos na altura natural.
Mas em todos os veículos uma coisa não pode faltar no ator: muito estudo e a vivência do personagem. A famosa fé cênica. A verdade no ator que faz o público acreditar nele e embarcar emocionalmente na cena que está sendo vista, independente de onde estiver.