Crítica: Vincent (1982)
Vincent é um curta-metragem obrigatório aos fãs de Tim Burton
Ficha Técnica:
Direção – Tim Burton
Roteiro – Tim Burton
Elenco – Vincent Price
Lançamento – 1 de Outubro de 1982 (EUA)
Gênero – Curta/Animação
Sinopse – O filme conta a história de Vincet Malloy, um menino de 7 anos de idade que sonha em ser Vincent Price. Leitor de Edgar Allan Poe, confunde sua realidade com as histórias do escritor.
Vincent não é um garoto comum; que costuma ter muitos amiguinhos, que gosta de brinquedos e de desobedecer aos pais. É uma criança atípica, pois gosta de pintar e ler poemas, principalmente os de Edgar Allan Poe. Ele acredita tanto no que lê que se coloca no lugar dos personagens a ponto de se sentir como eles, como por exemplo, a cena em que cava o jardim da sua própria casa, inconscientemente, para achar a esposa morta do conto de Edgar.
Mas a família de Vincent não o percebe como um problema. Para sua mãe, irmã e tia, o garoto se mostra educado, simpático e obediente. Sua tia nem imagina que ele deseja mergulhá-la em uma cera para pô-la no seu museu. Aparentemente, ele não se importa de morar com a família. Porém, seu verdadeiro desejo seria morar em uma casa macabra, assim como seus pensamentos. Mas como sua realidade não condiz com o mundo no qual gostaria de viver, Vincent idealiza o mundo dos seus sonhos, e literalmente, acredita que está vivendo nele.
Extremamente dramático, Vincent tem sentimentos intensos. É um melancólico com problemas psicológicos. Seus conflitos internos o atormentam e causam nele um enorme sofrimento. Sim, ainda estou falando de um personagem com 7 anos de idade. Mas que possui uma personalidade de adulto, principalmente quando vivencia as estórias que lê e as criadas em sua mente fértil de um depressivo mirim.
Sua mente maligna não tem limites. Vincent gosta de fazer experiências e o seu cachorro, Abecrombie, sofre com seus experimentos. Pois ele quer ter um cão-zombie para procurar vítimas no nevoeiro de Londres. Com isso, ele submete seu cachorro a terríveis situações de perversidade.
Por outro lado, Vincent gosta de se dedicar à pintura e à leitura, seu passa tempo preferido. Essa atitude humaniza Vincent, mostrando o seu lado artístico e sensível. Quando sua mãe o castiga, por conta do buraco que fez no jardim e manda-o para o quarto, Vincent sofre demasiadamente como se tivesse sido condenado à morte. Ele se imagina enclausurado em uma masmorra, e mesmo sua mãe liberando-o do castigo, imagina-se fraco e se recusa a sair do seu castelo imaginário, achando que está possuído pela casa e nunca mais poderá deixá-la. A mãe do garoto ignora seus argumentos deixando claro para o menino que tudo é invenção da cabeça dele. Mas de nada adianta. Sua dramaticidade chega ao ápice quando volta para o seu quarto.
Mas de onde vem esse personagem tão excêntrico? De Tim Burton, claro! Conhecendo mais de perto a vida do roteirista e diretor, é possível entender melhor o personagem. Não que o curta seja uma biografia do cineasta. Mas é interessante como o primeiro curta do diretor esboça muito dele. Pois a infância de Burton não foi muito diferente da infância de Vincent Malloy, como por exemplo, a paixão pelas obras de Edgar Allan Poe e pelos filmes de terror. Burton introduziu-se muito cedo neste mundo literário e cinematográfico, fazendo dele, também, uma criança diferente das outras.
Outro dado interessante, é o fato de Tim Burton ser fã de Shakespeare. Vemos essa influência na intensificação do drama que o personagem acha que está vivendo. Além das características exageradas da animação, a interpretação e as expressões de Malloy são típicas, também, do teatro clássico vivido na Grécia Antiga. Todo o seu sofrimento é intensificado durante o curta e seu término é extremamente teatral e Shakespeariano, quando Vincent cai ao chão, se rendendo ao seu tormento, e ainda citando um trecho de “O Corvo” de Edgar Allan Poe:
“E a minha alma sai da sombra que está caída e flutua ao chão”
Outra forte influência da vida de Tim Burton no curta-metragem é sua admiração pelo ator norte-americano de filmes de Terror: Vincent Price. E essa admiração começou em sua infância. Além do cineasta homenagear o ator no filme, pois Malloy sonha em ser como o astro, o próprio ator Vincent Price narra a estória.
Assistindo Vincent, é impossível não se remeter à produção dos primórdios do cinema, principalmente a década de 20. Filmado em preto e branco, sua estética lembra os filmes expressionistas da Alemanha, como por exemplo o filme Nosferatus (1922) de Friedrich Wilhelm Murnau, O Gabinete do Dr. Caligari (1920) de Robert Wiene e Metrópolis (1927) de Fritz Lang.
E como todo filme expressionista alemão, que representa o sombrio, o macabro, a introspecção, o medo e a loucura, que também encontramos em Vincent, sua plasticidade acentua esses elementos. Nessa época, o cenário, o figurino e a maquiagem eram criadas para transmitir o “Estado de Alma” do personagem. As expressões emocionais eram o foco principal. Toda a estética do filme era construída para simbolizar os conflitos internos deles. E conflitos internos é o que não falta em Vincent Malloy.
Para ter uma intensificação do preto e branco na década de 20 e 30, o cenário, muitas vezes, era pintado. Em Vincent podemos ver também esse contraste mais forte do preto e branco, menos quando é mostrado a sua realidade. O ambiente de sua casa ganha um pouco mais de leveza, como o vestido florido de sua tia, o vestido curto de sua mãe e o jardim de sua casa.
Interessante que a camisa de Vincent é listrada em preto e branca, lembrando as roupas que “estereotipadamente” caracterizam um presidiário, parecendo que o cineasta teve essa intenção, de simbolizar o enclausuramento que o personagem sofre no desenrolar do filme.
Uma curiosidade é que Tim Burton não se preocupou em mobiliar a casa de Vincent Malloy, nenhum vestígio de realidade e naturalismo é encontrado no espaço. Tudo remete ao fantasioso, preocupando-se somente em mostrar o psicológico do personagem: mais cinema expressionista alemão!
Todos os detalhes da Direção de Arte foram pensados para contar a estória de Vincent com muita intimidade. Os detalhes góticos aparecem em algumas partes, como as escadas que Vincent sobe sofridamente e pelo cenário quando se modifica e começam os tormentos psicológicos do garoto.
Mas, com certeza, esse curta não seria tão crível, se não fosse enraizado nessas ferramentas do cinema expressionista. E como o curta-metragem foi realizado em 1982, percebe-se também um pouco do estilo cinematográfico Noir em sua estética. Estilo que também usa muitas sombras nos personagens e uma luz muito pontuada como no cinema expressionista.
Outra certeza, esse curta não teria tanta vida, tanta dramaticidade, se não fosse também a narração do ator Vincet Price. Um veterano na arte da interpretação que dar ritmo certo a cada palavra do texto com uma respiração também ritmada. A narração do ator em ritmo crescente nos coloca mais próximo do que Malloy está vivendo. Não é à toa que Tim Burton tem muita admiração por ele e fez essa bela homenagem.