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Crítica: Herança de Sangue

Mel Gibson retorna surtado em Herança de Sangue, pequeno filme de vingança que pode até ser modesto, mas não é ingênuo.

Ficha técnica:

Direção: Jean-François Richet
Roteiro: Peter Craig e Andrea Berloff
Elenco: Mel Gibson, Erin Moriarty, Diego Luna, Michael Parks, William H. Macy, Thomas Mann
Nacionalidade e lançamento: França, 2016 (8 de setembro de 2016 no Brasil)

Sinopse: Após seu namorado traficante culpá-la pelo roubo de uma fortuna do cartel, Lydia, uma jovem de 17 anos, precisa fugir. Ela só tem um aliado em todo o mundo: seu pai nada confiável, John Link, um motoqueiro fora-da-lei que já cumpriu pena. Agora ele está determinado a manter sua filhinha fora do perigo e fazer a coisa certa pela primeira vez na vida…

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Há quem diga que Herança de Sangue, o mais recente filme de Mel Gibson como protagonista, é apenas um filme genérico de ação descerebrada. Porém, ainda que a obra vista (com orgulho) esta camisa, há mais por trás de suas pretensões de filme B do que pode ser observado de início. Esta, inclusive, pode muito bem ser a volta definitiva de Gibson ao cinema de ação.

Dirigido por  Jean-François Richet (de Doce Veneno e do eficiente Assalto à 13ª DP) com uma auto-consciência que é essencial neste projeto, o filme é baseado no livro de mesmo nome escrito por Peter Craig (que co-escreve o roteiro), e acompanha John Link (Mel Gibson), um ex-presidiário que vive em meio ao deserto na Califórnia, onde seu trailer também serve como estúdio de tatuagem. Vivendo longe de drogas e violência, ele tem seu cotidiano afetado com a chegada de sua filha (Erin Moriarty) desaparecida que está jurada de morte por traficantes. Ele fará de tudo para protegê-la.

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Já na sinopse percebemos o estereótipo do”filme de vingança” contido em Herança de Sangue, no melhor estilo Liam Neeson em Busca Implacável. Temos Gibson vivendo o pai que apenas quer sossegar num lugar “tranquilo”, a filha inconsequente que retorna pra sua vida trazendo problemas… mas há algumas diferenças essenciais neste filme que o diferenciam de outras obras do gênero. A principal delas é Mel Gibson.

Com o rosto adequadamente expressivo e marcado (pela idade e pela bebida) de Gibson, John Link é daqueles protagonistas que carregam toda uma história consigo. A do personagem, e é claro, a do ator. Gibson é a pitada a mais de ousadia que faltaria para um personagem como esse. Seria até discutível a relevância e o motivo desta obra existir sem o ator. Este filme é de Gibson, em uma atuação enérgica. E é interessante ver como Link reage ao mundo a sua volta. Como em Mad Max, ele é o personagem que existe à parte do tempo, com seus próprios valores morais e senso de justiça.

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E a comparação com a trilogia original de George Miller é até adequada. A Califórnia de Herança de Sangue tem muito do Mad Max original de Gibson e Miller em si. No deserto californiano, o diretor Jean-François Richet encontra espaço para todo o tipo de comentário sobre a decadência econômica e social da América: são neo-nazistas que parecem datados e saídos diretamente do passado – mas que continuam estranhamente atuais, todo o tipo de racismo de caipiras sulistas (o estereótipo do “redneck“) e até de imigrantes mexicanos. Percebe-se, visualmente uma certa semelhança visual de um mundo começando a ruir, uma gangue de motoqueiros barra pesada e pra completar, um sicário com um visual que remete muito ao primeiro filme de Gibson como o “Max Louco”.

Erin Moriarty (que parece uma Kate Mara mais nova) faz um trabalho competente como Lydia, a filha de Link, e este sobrenome, que no inglês significa associação ou conexão, tem um sentido bem evidente, se considerarmos o título da obra (que no original é Blood Father, “pai de sangue”). O interessante mesmo é ver a relação, o “link” de pai e filha, e Gibson é tão bom que faz com que nos importemos com sua filha apenas com sua atuação de pai preocupado. Se Moriarty tem a tendência de tornar Lydia irritante, é porque o roteiro de Peter Craig e Andrea Berloff pede isso, deixando clara a aversão de seus realizadores pela superficialidade desta juventude, que é exposta principalmente nos diálogos envolvendo o personagem de Michael Parks.

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Parks, bom e subestimado ator que é frequentemente utilizado por Quentin Tarantino e Kevin Smith, interpreta Preacher, líder da antiga gangue de motoqueiros da qual John Link fazia parte, e ele representa uma espécie de figura paterna que abandonou Link. É de Preacher, uma das figuras mais moralmente condenáveis do longa, que vêm os melhores diálogos, e um monólogo em especial, feito para Lydia, sobre a maldade estar no sangue, é ótimo. Há alguns exageros, é claro, quando Preacher faz críticas diretas a juventude mencionando o instagram, o que não condiz com o personagem e dá uma impressão de que talvez o roteiro tenha ido longe demais na necessidade de soar atual.

Há uma franqueza bem peculiar em Herança de Sangue. Em determinado momento, Link, ainda no caminho de redenção como pai, diz ter nojo de mexicanos, “roubando o emprego e oportunidades” dos americanos. Quando a filha dele fala que é depressiva, que o pai não a conhece e que tentou se suicidar várias vezes (de forma não convincente, mesmo que a personagem acredite que tenha estes problemas), Link a repreende, e diz que “não há meio termo, ou você quer acordar de manhã, ou não”. Mesmo que as afirmações representem a opinião de tais personagens (seja vindo de Parks, Gibson ou Moriarty), há uma sensação franca em relação a forma como são contadas, onde personagem e ator confundem-se na narrativa, no caso de Gibson.

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E de que redenção estaríamos falando? Link é o típico anti-herói machão que não se ajusta ao ambiente não-violento, mesmo que ele esteja em busca disso. É através da violência (filmada de forma competente) que ele se liberta. E aí Gibson arrebenta (na falta de melhor palavra), com um físico invejável aos 60 anos. E pela violência, pelo sangue, pai e filha tornam-se um. É um filme que sem Gibson, com seu overacting, sua bagagem e história, não seria tão eficiente.

Por fim, acaba sendo curioso que o real “Comeback“, o retorno de Gibson seja num pequeno filme B com a cara daquelas “velharias” sujas que seriam exibidas num cinema grindhouse estilo anos 70. Mas também muito adequado. A sensação que fica é de sinceridade, de franqueza em relação ao que é. “Isto é o que sou”, explica Gibson/Link  no início do filme, em extremo close-up, numa roda de Alcoólicos Anônimos. É nesta sinceridade que vemos o ator filme buscando aceitação pelo que são. Ou até mesmo, para Gibson – refletindo seu personagem – redenção.

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