Crítica: A Incrível Jornada de Jacqueline (2016) - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica: A Incrível Jornada de Jacqueline (2016)

A Incrível Jornada de Jacqueline tem acontecimentos tão absurdos que parecem reais.

Ficha técnica:
Direção: Mohamed Hamidi
Roteiro: Mohamed Hamidi, Alain-Michel Blanc, Fatsah Bouyahmed
Elenco: Fatsah Bouyahmed, Lambert Wilson, Jamel Debbouze, Hajar Masdouki
Nacionalidade e lançamento: França, 2016 (28 de julho de 2016 no Brasil).

Sinopse: Fatah, morador de uma pequena cidade na Argélia, sonha em participar de uma feira de agricultura na França. Para tal, ele todos os anos inscreve a vaca Jacqueline na competição, mas nunca sendo convidado a participar. Quando finalmente o aceitam ele parte em busca do próprio sonho e percorre diversas aventuras junto com a mimosa.

A Incrível Jornada de Jacqueline

O conciso La Vache é o título original de A incrível Jornada de Jacqueline. Devo confessar que a versão brasileira reproduz de forma mais fidedigna o que vemos naquelas 1h30. O filme é realmente incrível, há uma bela jornada e, as moças com esse nome que me perdoem, Jacqueline será a partir de agora sinônimo de uma simpática vaquinha.

O plano aberto de uma região árida vai se aproximando e vemos um homem capinando e cantando. Essa é a primeira cena do longa. Nos minutos seguintes já estamos encantados por aquela figura. A importância da relação dele com a vaca fica notória quando Fatah, o homem em questão, surrupia um cobertor vermelho da esposa para cobrir o animal. E também a utiliza como meio de transporte para levar as filhas ao colégio. Os vizinhos fazem chacota dele dizendo que Jacqueline seria uma segunda esposa. Ele ignora os comentários e acaricia a vaquinha. Vemos, portanto, um homem simples, trabalhador, pai e marido, mas que é desacreditado pelos locais.

A Incrível Jornada de Jacqueline

A primeira, e grande, virada ocorre quando ele é chamado para competir em um festival na França – sonho antigo dele. Mas sem contar com financiamento por parte do evento. Os moradores então se unem em prol do objetivo de Fatah e tal empreitada vira uma comoção na cidade. Após ele partir na saga, as pessoas passam a se reunir na frente do computador para ver as fotos de Fatah e Jacqueline e a escola usa a história dele como exemplo para tudo – um belo elemento expositivo que mostra para o público dados sobre os acontecimentos.

A dupla chega em Marselha, mas o evento ocorrerá em Paris, a mais de 700 km. E ele fará boa parte do percurso a pé. Nessa travessia somos cativados ainda mais pelo carisma dele e todos com quem ele cruza também acabam caindo nas graças de Fatah. Inocência, espontaneidade e a cultura diferente ocasionam tais sentimentos. No choque cultural, aliás, assemelha-se ao longa Borat! – sem a mesma acidez da comédia americana.

Mas não é só de risos que se faz A Incrível Jornada de Jacqueline. Os personagens secundários servem de “alívio dramático”. Quase todos eles têm problemas e que são abordados na medida certa, de forma tangencial, é verdade. As superficiais discussões, quando chegam a tal, tratam de imigração, casamento, morte e mídia.

Contudo, um dos personagens encontrado no caminho, o Philippe, traz questões mais profundas. Ele é um aristocrata decadente que mantém as aparências mesmo diante de graves problemas financeiros. A condição gera depressão no Conde. Há uma frase, dita por Fatah, onde ele – com humor- problematiza a doença: “aqui [na França] todo mundo tem depressão, parece moda”.

A Incrível Jornada de Jacqueline

A fotografia também brinca com os contrastes. Na cidade argelina vemos uma aridez e um certo vazio e na França um ar mais vívido – tanto nas plantações, quanto na composição geral das cidades. Contudo, esses cenários intencionalmente contradizem a situação dos personagens. O calor humano na cidade de Fatah é contraposto à referida solidão de alguns personagens franceses. A montagem também mescla bem os dois universos, alternando entre os ambientes sem nunca soar entediante ou forçado. O ritmo, contudo, não é tão eficaz no último arco e tudo perde força na resolução, um pouco antes da apoteose – esta todavia se mantém maravilhosa.

A trilha é muito bem escolhida e traz compassos rápidos. Destaco Le grand voyageLa balade de Fatah. Evoca-se, em ambas, um tom mais burlesco e reforça a caricatura visual que estamos presenciando. Vale a menção à versão exótica de I Will Survive, cantada por Fatah – ao pensar na letra tendo em vista a relação dele e a Jacqueline, as risadas são inevitáveis.

A comédia, sempre presente, passa por algo quase cartunesco nos momentos físicos. Tem um que de humor negro e crítica as redes sociais ao fazer piada com o “Je suis Charlie”. E brinca com coisas mais simples como a popularidade do nome Mohamed e, claro, uma mulher chamada Jacqueline – todas elas me fizeram rolar de rir, provavelmente alguma pegará você também. Muito do bom resultado se deve ao excelente trabalho do ator Fatsah Bouyahmed. Sempre que o filme ameaça escorregar, Bouyahmed vem em tela e nos conquista novamente.

A Incrível Jornada de Jacqueline

Apesar de gerar um humor involuntário, Fatah demonstra uma consciência de si ao dizer: “eu sempre faço bobagem… é inevitável”. Para além da verve cômica, temos a relação com a esposa de Fatah e um belo e poético momento em uma carta. Ela, junto com o Conde Philippe,  fazem o protagonista crescer. Ele seria carismático, muito carismático aliás, mas só. Os dois é que possibilitam Fatah ter uma outra camada e até mesmo o motivam a chegar no objetivo.

A Incrível Jornada de Jacqueline, apesar de todos os méritos, falha pontualmente. Como na conveniência de alguns momentos. O cunhado de Fatah destoa em tela e poderia ser descartado ou melhor trabalhado. O ritmo, como falei, não consegue dar um tom que o final merecia. As cenas finais, aliás, não condizem com a qualidade do resto. E a resolução da história é um tanto óbvia.

Contudo, os pequenos defeitos não tiram o brilho do todo. O roteiro merece elogios exatamente por conseguir fazer algo tão fantástico dentro de uma estrutura simples. Há, por exemplo, um momento metalinguístico e de catarse para Fatah, quando Philippe mostra o filme A Vaca e o Prisioneiro (1959) para o nosso viajante. A história claramente serviu de inspiração para A Incrível Jornada de Jacqueline ao trabalhar com a relação do homem com a vaca.

Você vai se divertir, emocionar, querer ser amigo de Fatah e de Jacqueline em um longa que não se pretende maior do que é – mesmo no fundo ele sendo bastante coisa. A luta para conquistar um sonho. Uma amizade inusitada. O carisma do personagem e do ator. Elementos técnicos que acrescentam à história. Narrativa simples, porém honrada e muito, muito engraçada. Tudo isso faz deste filme uma pedida e tanto para quem quer curtir um peculiar road movie e aprender que tudo é culpa da pera [entendedores entenderão…].

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