“Listen to me Marlon” – (2015)
Ouvir a voz de Marlon Brando por quase duas horas nos aproxima de nós mesmos ao ponto de entender a sua vida, suas atitudes, seus medos; nossos medos. Foi uma vida de memórias deslumbrantes, terrenas, de sonhos os quais qualquer um dia quis ter, porém o fardo e o peso que tudo isso acarreta nas costas de um homem pode vir a ser devastador.
Não se vê claramente quando o que nos obscura e nos deixa cegos é a própria luz. Muitas vezes o interior clama por reconhecimento, aplausos, clichês egocêntricos, mas não importa na realidade o que vem de fora e sim o que vem de dentro. É angustiante sentir o mínimo que seja a angústia que Marlon sentiu em sua vida. Muitos podem pensar que ter ou possuir a glória célebre que uma estrela de cinema possui é ter sucesso, é estar para além do ordinário, do comum, só que pelo contrário, é inegável a estranheza que a fama pode proporcionar a alguém. “[…] me sinto um animal do zoológico em público, é aterrorizante.” É assim o sentimento que ele sentiu quando no auge da carreira não podia nem andar nas ruas com sua própria solidão como alguém comum, e até isso, pode acabar virando um pré-julgamento de quem o fotografa a cada instante de sua vida. Seus pesares foram além do imaginável. Triste é viver no (re)-conhecimento dos outros quando o próprio se funde com as sombras dos sorrisos falsos, dos alegres apertos de mãos confiantes, dos gracejos pueris de quem os comia com os olhos; árduo passo um após o outro na vida: “Atuar é sobreviver.”
Dinheiro, dinheiro, dinheiro. “[…] quero ter muito dinheiro para me ver livre dele.” Não é fácil viver como artista, seja em qualquer lugar do mundo. Ainda mais penoso, é ter uma mãe alcólatra e um pai que sempre bêbado deixava-a com marcas de violência por todo o corpo. Viver numa casa onde o sofrimento é vivido todos os dias deve pertencer à uma melancólica agonia de estar vivo e diante de todo esse horror vivido ao redor e inserido num caos familiar. Entretanto não foi o bastante para deixar a arte de atingir o âmago do interior de Marlon: “Eu cheguei em Nova Iorque com buracos nas meias e buracos na alma.” Sua chegada a um palco onde milhões de pessoas passavam, com seus afazeres, suas ocupações tangia o quanto de medo se tinha de tudo isso ao seu redor; ninguém sentia-se incomodado com alguém dormindo nas ruas numa esquina qualquer, àquele, era só mais um. O palco era sua fuga, era onde ele poderia mentir com verdade e ser sincero quando mentia, era o lugar onde ele poderia e deveria ser quem ele é ou desejava ser naquele momento, independente do lugar; e sem ter medo, era seu direito – segundo as palavras de sua mestre Stella Adler numa de suas aulas.
“É uma coisa muito estranha esse negócio – sentido de business – de contar histórias. Você nunca sabe quando você é bom.” Essa relação do homem com a arte e com o capital em torno dela, a acelerando e a fazendo funcionar como uma indústria a todo o vapor, gradualmente, faz de você um mito e não importa o que você diga, ele vai existir, terá vida, ele será você, porque as pessoas precisam de mitos em suas vidas, do herói, do vilão, ou mesmo do frágil quando assim nos sentimos, seja do inseguro assim da mesma forma: é a fantasia que os que estão na tela proporcionam àqueles que os assistem. A visão de Marlon é que quem assiste o ator em cena é quem atua na verdade, mesmo porque quando vemos um filme, de certa maneira, nos encontramos naquela situação ou sentimos ou temos a memória de um dia ter tido aquela sensação do personagem, há uma identificação portanto.
As gravações em fitas cassetes nos trazem o íntimo de Marlon Brando, o que ele sentiu, suas confissões, suas preocupações e pensamentos os quais permearam por toda a sua vida. Invadimos sua casa desde criança até sua velhice, sentamos no sofá e dialogamos no silêncio, como ouvintes, com vários de seus momentos de vida, tanto felizes quanto trágicos. Sua vida merece ser conhecida e não somente por ter sido um grande ator, porém, por ter sido um grande homem.
Nota: 5