Crítica: Onde o Mar Descansa (2016)
Onde o Mar Descansa pode ser considerado um grande exemplo de cinema de “arte”.
Ficha Técnica:
Direção: André Semenza e Fernanda Lippi
Roteiro: André Semenza
Elenco: Lívia Rangel e Fernanda Lippi
Nacionalidade e lançamento: Reino Unido, 2015 (14 de abril de 2016 no Brasil)
Sinopse: os poéticos e dramáticos devaneios de uma mulher após a brusca separação da amada.
Há muitas formas de se retratar uma relação de amor na ficção. No Oscar deste ano tivemos, por exemplo, Carol e A Garota Dinamarquesa. A mente humana também foi representada de várias maneiras: Divertida Mente e Anomalisa, ambos também “oscarizados”.
Onde o Mar Descansa traz a quebra na relação entre duas mulheres no século XIX. O reflexo dessa interrupção nos é mostrado de um jeito que torna o filme bastante singular: a personagem vivida pela atriz Lívia Rangel (a personagem não tem nome) expressa-se através de uma quase dança e com uma narração em off todo o sentimento vivido.
Sim, o longa é todo narrado (há apenas um “diálogo” aos 50 minutos) e essa falas são, em boa parte, advindas de poemas de diferentes séculos. A personagem interage com ela mesmo e a movimentação é coreografada em balanços bruscos em uma espécie de dança bastante exótica. Esses elementos, juntamente com o ritmo do filme, este com quebras rápidas e cenas picotadas ao mesmo tempo que exala uma lentidão bem intragável, transpõem para o público a mente da personagem de uma forma perturbadora.
A narrativa é onírica e intimista, o que pode tornar a experiência desagradável para muitos, nunca sabemos que o que se passa ali em tela está ocorrendo de fato ou “apenas ” na mente da protagonista. E a narração poética, por vezes funciona e em outros exige uma interpretação um tanto elevada. A frase inicial, “Até que o segredo não mais segredo seja”, é um convite e um desafio (confesso que teve momentos que cogitei sair da sala e repensei o valor pago pelo ingresso).
Contudo, a parte técnica é um primor. A trilha dá volume e é essencial na construção da trama. O design de produção nos trasporta para o tempo e espaço de uma forma bem convincente (a escolha das roupas e objetos em cenas não são gratuitas). Mas o grande destaque vai para a fotografia. O predomínio da luz natural dá uma frieza crua àquele sentimento. Os contrastes de luz e sombra, tons avermelhados, fades out e cenas na água e neve estão exuberantes. A gélida Suécia foi escolhida como locação para o longa e a decisão se mostrou bem acertada.
Além da protagonista Lívia temos a codiretora Fernanda Lippi atuando como a amada da personagem principal. Fernanda é brasileira e casada com o outro diretor do longa, o suíço André Semenza. Ambas dão uma interpretação muito física e visceral às personagens. Há um que quase teatral na movimentação de ambas (mas daquele teatro pouco usual do grande público, o que se expressa de uma forma aparentemente aleatória, mas que pode ser encarada por muitos como carregada de sentido).
Perto do final tem uma cena longa que é a síntese de tudo: ambas as personagens na “dança” em uma floresta. Toda a constituição daquele momento nos transmite uma agonia crescente – que para alguns pode ser considerado uma catarse sem igual.
Onde o Mar Descansa tem vários elementos de alto valor cinematográfico. Contudo, a relação que cada um terá é muito singular. Você pode se conectar com tudo aquilo e ter uma imersão ou simplesmente ter sono e raiva. Independente de qual via você tomar sem dúvidas que o filme é uma experiência incomum.
Raramente vemos um filme assim no circuito comercial. O longa transpira uma arte introspectiva, alegórica e que privilegia o âmago do ser. Definitivamente não nos traz elementos mastigados e nem uma narrativa fluida. Se você gosta desse tipo de obra corra para os cinemas (ele não deve ficar muito tempo em cartaz). Agora se você SÓ gosta de filmes como Capitão América: Guerra Civil e Batman vs Superman talvez essa não seja a melhor opção. É sintomático que só havia uma pessoa na sala que eu estava…
[o trailer vende uma imagem um pouco diferente do longa, mas ainda assim dá para sentir um pouco daquele universo.]