“Tristão e Isolda” – (2006)
Amor, desejo e paixão: são diferentes? ‘Encontramos’ alguém através de uma potente alquimia, uma ligação/conexão que atrai. É uma doce reação e sempre é uma surpresa. Nos preenchemos com uma sensação de possibilidade, de esperança, de nos sermos levados para fora desse mundo (seria possível aqui relacionar o amor de Tristão e Isolda?) e para um mundo de emoção e encantamento. O amor nos pega, nos rouba, nos arrebata; sentimos poderosos.
Tristão é um personagem que não se adequa aos padrões ditos ‘normais’ de vida. Nasce orfão e fruto da morte da mãe. Não conhece seu pai, já que este morrera antes de seu nascimento assim como pode ser considerado como um ser sem raiz, desenraizado de seu local de nascimento, ou seja, um estrangeiro em suas próprias terras. É batizado pela mãe como Tristão, por que viera ao mundo “por tristeza”. Rohalt, administrador das terras da família acaba tornando-se seu guardião, seu pai, seu cuidador e por medo de permitir que o invasor de suas terras o mate, o faz passar por seu próprio filho. Assim, é criado sob um nome falso mas recebe, porém, uma educação de um nobre, e quando adolescente, é capturado por mercadores que o levam a Noruega. No meio do caminho uma tempestade os atingiu e forçou seus raptores à abandona-lo perto de uma costa, que por acaso, se chamava Cornualha, perto do castelo de seu tio Marcos, que acaba o conhecendo sob falsa identidade. Mesmo com tudo isso acontecendo, Tristão passa a ser amado pelas suas virtudes, e passados três anos, o homem que o criou – que trabalhara nas terras de sua família – vem buscá-lo. Quando voltam para Bretanha, Tristão mata o assassino de seu pai e reconquista as terras mas não permanece nelas, e pelo contrário, as abandona para seu pai adotivo e seus descendentes, retornando depois, para à Cornualha aos serviços do rei Marcos, seu tio.
Tristão luta com Morhold, um cobrador de dívidas e é ferido na batalha. Depois disso acontecer, ele se joga ao remo e deixa ser levado pelo mar em busca de uma cura; é o momento que vemos o caráter aventureiro do personagem. “Quero tentar o mar cheio de aventuras…quero que me leve longe, sozinho. Para que terra? Não sei, mas talvez para onde encontre quem me cure.” (p.13)
Nesse caminho levado pelo mar onde as ondas aos sons de sua harpa faziam com que ele viajasse por entre ilhas e desconhecidos lugares, aportou na Irlanda então, onde Isolda, filha do rei, viria a trata-lo sem saber quem ele era. Em perigo, pois ele era o assassino do tio de Isolda, consegue fugir. Já melhor de saúde de volta à Cornualha, o rei Marcos decide adotá-lo. Nesse meio tempo, volta para Irlanda com o intuito de levar àquela quem o curou para os braços do Rei Marcos, como um tipo de recompensa por agora ser filho de alguém e não mais um orfão. Após matar um dragão que aterrorizava a região, assim, o rei é obrigado a conceder-lhe Isolda. Contudo, no momento em que Tristão a levava para a consumação do casamento dela com o rei Marcos, os dois jovens bebem o filtro.
“Quando estava próximo o tempo de entregar Isolda aos cavaleiros das Cornualhas, sua mãe colheu ervas, flores e raízes, misturou-as com vinho e fez uma beberagem ponderosa. Tendo-a preparado por ciência e magia, verteu-a em uma jarra e disse secretamente a Brangien:
– Filha, deves acompanhar Isolda ao país do rei Marc, e tu a amas com amor fiel. Pega então esta jarra de vinho e não esqueças as minhas palavras. Enconde-a de tal maneira que nenhum olho a veja e nenhum lábio dela se aproxime. Mas, quando chegarem a noite de núpcias e o instante em que se deixam os esposos, vertebras este vinho com ervas e uma taça e dá-la-ás para que esvaziem juntos, o rei Marc e a rainha Isolda. Toma todo o cuidado, milha filha, para que somente eles possam provar desta bebida. Pois a virtude dela é a seguinte: os que a beberem juntos amar- se-ão com todos os seus sentidos e como todo o seu pensamento, para sempre, na vida e na morte.” (p. 29)
O amor que existe entre Tristão e Isolda é muito semelhante ao amor que Platão discorre em seus escritos quando escreve por exemplo o Banquete. É o amor desconectado com a vida, é irrealizável sem a morte por que esse amor é completamente desprovido das ligações humanas que em vida existem. Então, como esse tipo de amor pode ser vivido? Na clandestinidade, na mentira, na dissimulação. Eles vivem somente e únicamente algumas vezes esse amor: quando no barco, juntos, antes de beberem o filtro e antes de chegarem às terras do rei Marcos, isto é, à sociedade. O mar é como esse pano que cobre toda a realidade que os cerca, ele permite esse amor acontecer sem mentiras ou dissimulações, mas o mar tem o limite da terra, o símbolo dos pés no chão, do factual, de encarar o que realmente existe. A floresta de Morois é o outro lugar que permite esse aconchego sem limites e sem leis que o amor deles precisa pra viver, então, o mar e a floresta são espaços não sociais, sem leis e sem honras. É como se a sociedade corrompesse o ser humano, assim como, o transformasse em menos gente, pessoa, indivíduo. A morte, portanto, não é o fim desse amor mas o único lugar onde ele pode se sustentar. Esse amor não pertence ao mundo, à esse mundo que vivemos; é como um amor absoluto, mas então, pode-se perguntar: eles são felizes por terem encontrado o amor que lhes dão vida? São tristes por não viverem essa história juntos e por isso escolhem morrer? Ou morrem infelizes por morrer?