A vingança dos invadidos
*contém spoilers de “Sicario” e “O Regresso”
Sicario (em latim: sicarius – “homem da adaga”) é um termo aplicado, nas décadas imediatamente precedentes à destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., para definir um grupo extremista separatista de zelotas judeus, que tentaram expulsar os romanos e seus simpatizantes da Judeia. (adaptado da Wikipédia)
De um lado, a inquieta câmera de Iñárritu mostra a gélida paisagem de algum lugar ao norte dos Estados Unidos, onde a neve se transforma em um fantasma onipresente, capaz de acabar com a vida de quem ousar subjugar seu poder. Do outro lado, a alternante câmera de Dennis Villeneuve mostra paisagens secas e aterrorizantes do sul dos Estados Unidos e norte do México, cortando para planos próximos dos personagens.
De um lado, Emily Blunt representa a ética em um ambiente repleto de policiais corruptos e violentos. Do outro lado, Will Poulter é a juventude que ainda não se deixou embrutecer pelo ambiente que o cerca. Kate Macer, a policial vivida por Blunt, bem como Bridger, personagem de Poulter. Uma é protagonista e o outro é secundário.
É interessante notar alguns paralelos entre “Sicario – Terra de Ninguém” e “O Regresso“. No México, segundo informa o longa de Villeneuve, Sicario é o nome dado aos atiradores dos Estados Unidos, que vão ao país latino a fim de “lutar contra o tráfico”. Os personagens de “O Regresso” podiam chamar assim os indígenas que, na época, matavam os brancos em batalhas sangrentas. Afinal, de quem eram aquelas terras?
Qual seria a diferença entre o ódio que um indígena sentiu ao ver seu povo dizimado por brancos invasores, e o ódio fascista dos americanos ao notarem que mexicanos levam ao seu país a violência do tráfico de drogas? É claro: são períodos diferentes, debates diferentes. Em ambos os casos, trata-se da infinita discussão acerca de quem realmente é dono da terra, de quem realmente tem razão, se é que existe alguma.
Em ambos os filmes, bastante discutidos devido às presenças na premiação do Oscar, a resposta é pessimista.
Em “O Regresso”, o Hugh Glass de DiCaprio representa o quão longe um homem é capaz de ir em busca de vingança. Seu filho, indígena, é assassinado. Glass representa, de certa forma, a vingança dos povos americanos invadidos há mais de cinco séculos. Na hora da vingança, a conclusão é óbvia: matar o vilão não vai trazer o filho de volta. No mundo real, não importa o que seja feito: nada vai trazer os milhões de nativos dizimados – nem nos Estados Unidos, nem no Brasil, nem em outros países.
Em “Sicario – Terra de Ninguém”, Emily Blunt representa a população média (dos Estados Unidos, mas bem poderia ser daqui) que, ignorante da verdade sobre a guerra contra as drogas, apenas assiste a esforços que são pífios e inúteis para acabar com o tráfico de drogas e matam milhares de mexicanos. No final, a conclusão também é óbvia: matar os grandes líderes não muda nada, pois surgirão outros.
A vingança de Glass (DiCaprio) não é muito diferente da vingança de Alejandro (Benicio del Toro).
Nas duas produções, pessoas endurecidas pela vida precisam conviver com uma realidade violenta. De uma forma ou de outra, a matança, o ódio e a vingança não mudam nenhuma realidade, apenas afundam o ser humano em misérias das quais não se consegue sair.
Ao longo da história, o ser humano criou territórios e tomou posse deles. Chegaram outros que invadiram. Entre judeus, americanos, brasileiros, europeus, sírios… todos já invadiram e foram invadidos. Já foram “sicários”, bem como tiveram os seus.
É triste, mas o ser humano não aprende com a História.
E nem com o cinema.