Crítica: Beleza Adormecida
Ficha técnica – Sleeping Beauty (2011)
Direção: Julia Leigh
Roteirista: Julia Leigh
Elenco: Emily Browning (Lucy), Rachael Blake (Clara), Ewen Leslie (Birdmann)
País: Austrália
Data de lançamento: 30 de março de 2012 (Brasil)
Sinopse: Lucy (Emily Browning) é uma jovem universitária que vive precisando de dinheiro. Para isso, divide o apartamento com outras duas pessoas e possui uma série de pequenos empregos. Através de um anúncio de jornal, entra em contato com uma inusitada agência, que a contrata para prestar um trabalho estranho chamado beleza adormecida.
Um filme repleto de referências e analogias icônicas, Beleza Adormecida traz já em sua primeira cena um silêncio tão profundo que é praticamente impossível não pensar “será que realmente tem som ou eu estou surdo?”.
A mise-en-scène construída possui tantas peculiaridades que mesmo quem é totalmente sinestésico tem a sensação de que parece uma pintura em alto relevo, e que se você tocar levemente a tela, perceberá nos dedos a textura de veludo. Por isso, toda a fotografia utilizada traz a ideia de uma pintura renascentista, como a cena do chá (que faz alusão ao momento em que a Alice – jovem, ingênua e delicada toma o líquido oferecido pelo interesseiro Chapeleiro Maluco).
Também pode-se perceber a preocupação da imagem em momentos pouco decisivos, como na qual a protagonista aparece usando um telefone público.
Na pegada de Shame – que traz discussões importantes sobre como a compulsão por sexo é vista – Beleza Adormecida levanta questões bastante importantes sobre seres humanos vazios de sentimentos e esperanças. Um quarto com grandes janelas de vidro também remetem ao icônico longa em que Michael Fassbender atua.
[NÃO LEIA SE VOCÊ NÃO GOSTA DE SPOILERS]
Se você não sentiu sono ou percebeu que a cara de sonsa da personagem remete o tempo todo à beleza de dormir profundamente, ou deseja, do desejo inerente de morte, talvez seja melhor observar duas vezes. A história de uma jovem que trabalha em diferentes lugares, estuda, sempre visita um amigo um tanto incomum e ainda arranja tempo para travessuras como se aventurar com drogas ou noites promíscuas fica ainda mais enigmática quando Lucy aceita trabalhar em um lugar um tanto quanto diferente.
O serviço é simples: tomar um chá, dormir com homens que nunca viu nada vida, acordar e não lembrar de nada.
A diretora Julia Leigh trabalha de forma que tudo seja tão silencioso – note que o uso de trilha sonora é quase nulo – que em uma das cenas em que Lucy está submetida a uma depilação de virilha, que ela grita e até solta algumas gargalhadas, é o ponto ápice de todo o longa.
Algo que choca durante o filme é a quebra da quarta parede “quase perfeita” – o espectador realmente acredita que está ouvindo de uma maneira mais próxima um personagem, até que se descobre que ele está apenas dialogando com Clara. Neste ponto, já é possível perceber a grande sacada do longa-metragem: estamos falando o tempo todo de um vazio que não pode ser preenchido. Isso ocorre em vários momentos, mesmo que sutis, como quando percebe-se a pouca emoção expressada por Lucy, principalmente após a morte de seu “melhor amigo” Birdmann, que torna ainda mais evidente o apelo sobre “não sentir nada”.
O filme pode não ser um dos melhores que eu já tenha visto, mas com certeza ele me remeteu a grandes pensamentos sobre o que o ser humano é capaz de fazer. A começar pela estranho gosto por necrofilia (a ideia é sutil, porém incisiva). Porque, mesmo sem haver penetração, os homens que se deitam com a frágil jovem sentem-se extasiados ao ver a bela dama totalmente inerte na cama. A estranha amizade de Lucy por Birdmann também é algo que causa dúvida. É como se ela sentisse pena dele, mesmo parecendo que ela não sinta pena de ninguém, nem dela mesma. Talvez, e realmente seja um talvez, ela esteja travando uma luta consigo mesma entre sentir e deixar de… existir.
Apenas para não esquecer: “Sleeping Beauty”, que foi traduzido para “Beleza Adormecida”, faz analogia à princesa dorminhoca Bela Adormecida, dos contos de fada…
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=6jLklVOHsAk&w=420&h=315]