Oscar: por que tão branco?
1- Neste artigo, pretendo discorrer acerca da falta de negros indicados no Oscar 2016, bem como as informações recentes sobre isso.
2-Qualquer debate sobre o assunto deve ser feito com respeito.
Mais do que nunca, as sociedades vem discutindo a importância de valorizar a diversidade. Cada vez mais, ainda que a passos lentos, mulheres conquistam mais espaço e lugares de poder, negros ocupam posições que antes eram exclusivas dos brancos, e LGBTs podem mostrar à sociedade quem realmente são.
No mundo do entretenimento, o caminho é o mesmo. Ter diversidade de pessoas produzindo e atuando em filmes e séries é tão importante quanto criar representatividade. Essa tal “representatividade” não é importante apenas para que “todas as parcelas da sociedade” sejam contempladas, mas também para que a sociedade possa enxergar em suas representações artísticas os novos padrões que desejamos para a sociedade, sejam eles padrões dos lugares ocupados, ou até mesmo padrões de beleza.
Um bom exemplo recente foi a repercussão nas redes sociais da foto de Matias, menino negro brasileiro que, mesmo sem conhecer Star Wars, comprou um boneco do Finn por se identificar com o personagem. Até mesmo John Boyega compartilhou a foto em seu Instagram. “Do que você segura em suas mãos ao potencial em sua mente, você é um rei, jovem”, escreveu o ator britânico.
Hollywood vive um momento de debate intenso sobre basicamente dois tipos de presenças que precisam ser mais fortes nos produtos de entretenimento: a da mulher e a do negro. Enquanto a mulher ainda sofre com representações que fazem pouco caso de sua força ou hiperssexualizam seu corpo, poucos são os filmes que mostram personagens negros que não sejam estereotipados – e o novo Star Wars é um deles.
Ainda que 2015 tenha mostrado casos como “Creed“, “Star Wars: O Despertar da Força“, e a série “How To Get Away With Murder” (que começou em 2014), com protagonistas negros nos filmes e séries “mainstream”, Hollywood continua sendo majoritariamente masculina e branca, tanto entre os personagens quanto qualquer outra função na indústria.
Sobre o Oscar
É aí que chegamos ao Oscar. Embora tenham ocorrido alguns casos de diretores e atores negros vencendo prêmios nos últimos anos (Forrest Whitaker, Octavia Spenser, Mo’Nique, Lupita Nyong’o e Steve McQueen entre 2007 e 2014), bem como presenças aqui e acolá de atores negros indicados, os indicados ao Oscar 2016 surpreenderam a todos por não ter nenhum ator, diretor ou qualquer outro profissional negro. E isso ocorreu em um ano com filmes como “Creed”, de protagonista e diretor negros, “Beasts of No Nation“, que merecia ter Idris Elba indicado a Melhor Ator, e até mesmo “Straight Outta Compton“, cuja única indicação é de roteiro, curiosamente escrito apenas por brancos.
A falta de atores negros em todas as categorias gerou uma grande revolta em muitas pessoas. Além de inundarem as redes sociais com as hashtags #OscarsSoWhite e #OscarsStillSoWhite (Oscar tão branco, e Oscar ainda tão branco), inúmeros atores e personalidades declararam boicote à premiação da Academia. O diretor Spike Lee, Jada Pinket Smith e Will Smith declararam que não vão comparecer à premiação, assim como o documentarista Michael Moore. Alguns atores brancos deram declarações no mínimo polêmicas: Charlotte Rampling declarou que o boicote é “racista para os brancos”, demonstrando clara ignorância sobre o verdadeiro significado da palavra racismo, e Julie Delpy também, ao falar em uma entrevista ao The Wrap que “às vezes, gostaria de ser afro-americana”. Muitos atores, produtores ou diretores negros apenas se mostraram insatisfeitos ou bravos com a Academia, mas não aderiram ao boicote.
A leitura mais sensata foi feita, não surpreendentemente, por Viola Davis. Segundo a atriz: “O Oscar é um sintoma de uma questão muito maior, que é a respeito do sistema de produção de filmes de Hollywood. As oportunidades não combinam com o talento. É preciso haver mais oportunidade. Temos que investir nisso”, disse à BBC.
Viola Davis tem razão. Assim como na sociedade brasileira – e no cinema brasileiro, bem como de muitos outros países – a ausência de negros em premiações não ocorre porque um determinado grupo de pessoas racistas diz “não vamos premiar negros”, mas por causa de todo o sistema de uma sociedade com desvalorização e falta de oportunidades a diversas minorias. Se pouquíssimos atores, diretores, produtores e outros artistas negros ganharam prêmios como o Oscar, é porque eles fazem parte de uma minoria dentro da própria indústria – ou do cenário de produção de filmes, no caso do Brasil.
Em um momento de crise para a Academia, há dois pontos que amenizam a situação: 1- o apresentador da noite será Chris Rock, humorista negro muito famoso por criticar o racismo na sociedade americana; 2- a presidenta da Academia é Cheryl Boone Isaacs, uma mulher negra. E isso pode fazer toda a diferença no momento de consertar a “roubada” na qual a Academia se meteu – ainda que inconscientemente.
No dia 18 de janeiro, a presidenta da Academia enviou uma declaração de que tomaria providências para combater a falta de inclusão. Já nesta declaração, o foco era mudar as regras dos membros da instituição, a fim de “renovar” as pessoas que votam e elegem os vencedores. Quatro dias depois, o conselho da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas votou e divulgou mudanças substanciais nas regras:
1-Será feita uma campanha “global” para angariar novos membros à Academia;
2-Pessoas que não permanecerem ativas na indústria por 10 anos perderão o direito ao voto;
3-O conselho administrativo da instituição vai ganhar três novos cargos, a serem indicados diretamente pela presidenta, que certamente optará por pessoas que garantam mais diversidade imediata.
No vídeo abaixo, o crítico de cinema Pablo Villaça discute o fato de que, ao retirar os “aposentados” da votação, por estarem há mais de 10 anos sem atuar, a Academia está sugerindo que qualquer tipo de racismo venha dos “velhinhos da Academia”, que ficaram famosos por serem responsáveis pelo conservadorismo da instituição, embora isso seja discutível.
Esta temática nos leva a uma discussão interminável, que vou iniciar na última parte deste artigo:
Ter cotas ou não ter cotas, eis a questão
Algumas pessoas (geralmente homens brancos, claro) dizem que todo este imbróglio é “mimimi” ou “vitimismo” por parte dos negros – e eventualmente das mulheres, quando a discussão é sobre sexismo. “Façam um bom trabalho e serão indicados”, diriam alguns brancos aos profissionais negros. “As oportunidades precisam ser dadas aos profissionais, e as indicações e prêmios virão naturalmente”, sugeririam outros com pensamento mais sensato.
De fato, a “brancura” do Oscar é apenas sintoma de uma doença grave. Mas os protestos e manifestações são válidos e importantes, assim como a quimioterapia que busca acabar com um câncer, detectado após algum tempo existindo em silêncio. A história tem nos mostrado que nenhuma mudança substancial na sociedade ocorre “naturalmente” e “de forma totalmente orgânica”, sem atrito ou embate: se não fosse o movimento feminista repleto de manifestações, as mulheres estariam até hoje sem direito ao voto ou à liberdade de estudar; sem personalidades que levassem a sociedade a marchas e batalhas, como Mandela, Zumbi dos Palmares, Martin Luther King Jr, entre outros, o mundo seria muito pior para os negros; sem as lutas dos indígenas pelo direito à terra em tantos países do nosso continente, os povos nativos das Américas possivelmente estariam completamente dizimados.
Ainda que muitos critiquem as ações afirmativas chamadas de “cotas” – seja para premiações, universidades, concursos públicos, etc – o fato é que elas parecem ser a melhor maneira de combater incisivamente qualquer problema de falta de diversidade. Vale citar o exemplo do atual primeiro-ministro canadense, que preocupou-se em dividir seu ministério igualmente em 15 homens e 15 mulheres, dando espaço para pessoas de origem asiática e até um cadeirante. Questionado sobre o motivo que o fez tomar esta decisão, ele foi rápido: “Porque estamos em 2015”, disse.
É claro que um mundo perfeito seria um mundo em que as oportunidades são tão iguais que todos os ambientes ganham presenças semelhantes de todos os gêneros, etnias, sexualidade, etc. Mas enquanto vivemos em uma sociedade que grita aos negros que eles não são tão capazes e nem tão bonitos; às mulheres que elas devem ganhar menos; aos gays que eles não podem externar afetividade em público; ações afirmativas serão necessárias em muitos ambientes, e isso inclui uma simples (e fútil?) premiação como o Oscar.
Ninguém está dizendo que o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante deveria ser dado ao Terry Crews por “The Ridiculous 6”, nem que Idris Elba merece o prêmio mais do que Leonardo diCaprio… mas o argumento de que “talvez os profissionais negros não tenham feito trabalhos tão bons” não faz o menor sentido em uma premiação que insiste em indicar Jennifer Lawrence como Melhor Atriz por um filme como “Joy: O Nome do Sucesso”.
Desta forma, é até aceitável que alguém argumente sobre as medidas que devem ser tomadas para melhorar este cenário. É possível discordar até mesmo das medidas (quase desesperadas) da Academia para tentar solucionar o problema (note que isso está sendo feito na “base”, ou seja, nos membros que votam). Só não é aceitável diminuir o debate e chamá-lo de “vitimismo”. Não é. É justiça social, ainda que tardia, ainda que lenta.
Só nos resta esperar que o apresentador Chris Rock faça muita piada com isso. Às vezes, o jeito é rir pra não chorar.