Quero cinema a R$1 real!
Artigo

Quero cinema a R$1 real!

1-Este texto será longo, prepare-se.

2-Este artigo tem óbvia relação com um outro artigo, que gerou comoção nas redes sociais entre os fãs de cinema, sendo logo depois apagado e acompanhado de um pedido de desculpas. Em nenhum momento quero julgar ninguém ou apontar dedos. Entenda o presente texto apenas como uma reflexão a respeito do assunto.

CineHolliudy
Senta que lá vem história:
No Brasil, país que tem um longo histórico de abismos sociais entre ricos e pobres, é muito fácil identificar quem é pobre e quem é rico. Mesmo os mais ingênuos conseguem perceber que há um “apartheid social” por aqui: pobres e ricos dificilmente convivem, a não ser na relação “patrão-empregada”.

Nos últimos anos, o Brasil viveu uma grande mudança, devido a políticas sociais – quer você ame ou odeie os governantes que lideraram isso – que aumentaram a renda dos mais pobres e lhes deram casas para morar, entre outras coisas. Ao contrário do que se convencionou dizer, estas políticas não tem nada de socialistas: são bastante capitalistas, porque inseriram uma gigantesca parcela da população no mercado consumidor (Casas Bahia que o diga!) – e os desdobramentos destes investimentos podem ser analisados ad nauseam dos mais variados pontos de vista.

No fim das contas, esta inclusão social criou uma espécie de choque cultural entre ricos e pobres, que passaram a conviver em alguns espaços comuns, como aeroportos e… CINEMAS! Hoje, a imensa “ascensão da classe C” levou ao aeroporto pessoas que antes só viajavam de ônibus (quando o faziam) e ao cinema pessoas que antes só viam filme dublado na TV. E com isso, os ricos foram obrigados a “aturar” a presença de pessoas ‘não ricas’ nestes ambientes (quem nunca ouviu a famosa reclamação de que os aeroportos “viraram rodoviária”?).

Paradoxo
Tem-se a impressão (muitas vezes preconceituosa, às vezes quiçá verdadeira) de que um local frequentado pelas massas tem, em relação a um lugar elitizado, diferença na segurança. O motivo? É difícil afirmar qualquer certeza a respeito. Será que um ambiente “aberto às massas” fica mais suscetível à ação de criminosos? Poderíamos pensar que são justamente as diferenças sociais que causam a violência? Ou será que um dos motivos é o alto investimento em segurança possível em locais onde tudo é mais caro?

Uma coisa é certa: quando o apartheid social se desfaz, algum tipo de tensão se cria (veja este vídeo assustador com a reação de senhoras ricas à inauguração de uma loja popular no shopping “delas”).

E o Cinema, local costumeiramente das elites (sim, porque se você pode ir ao cinema toda semana, você é um privilegiado!), começa a se abrir, pelo menos um pouco, para as massas, e criar algum choque. O excesso de filmes dublados é uma resposta do mercado a este aumento no poder de compra de pessoas que conquistaram rendas mais altas nestes últimos 10 ou 15 anos, e que antes dependiam da TV aberta para ver filmes. Eu, que sou privilegiado, consigo enxergar isso e procuro defender o filme legendado, na esperança de que algumas pessoas se abram à leitura de legendas, mesmo sabendo que há tanta gente cujos hábitos de leitura não permitem acompanhar a rapidez das letras no canto da tela.

HaroldLloyd_SafetyLast

O cinema era um entretenimento de massa lá nos seus primórdios, quando os trabalhadores saíam das fábricas e davam uma moedinha para se divertir com o Harold Lloyd pendurado nos ponteiros de um relógio. E vamos combinar: hoje, se houve algum tipo de retorno aos primórdios, ainda é bem pouco, porque tem muita cidade de interior que não tem cinema, e em muitos casos as opções de cinema barato não recebem tanta gente assim. Recentemente, fui ver um filme em uma sessão promocional a R$3 reais, e tinha umas oito pessoas na sala.

Sempre que vejo iniciativas de popularizar o cinema, fico feliz. Sempre que vejo projetos como o Tela Brasil, ou a iniciativa do diretor Ricardo Targino, ou ações promocionais das redes comerciais de cinema, ou festivais que fazem cinema a R$1 real! Tudo isso vai abrir a mente de crianças (no caso de festivais infantis), formar novos públicos, e divulgar a ARTE. Todo tipo de arte deveria ser incentivado. SEMPRE.

CinemaParadiso2

Finalizando:
Quem vive nas grandes cidades do Brasil, sabe que ir ao cinema pode ser um programa caro. Estacionamento, ingressos, pipoca e refrigerante podem chegar a valores absurdos (quer uma dica? fique na garrafinha de água que tudo sai mais barato e você ainda emagrece! risos). Isso não deve mudar tão cedo. Mas se há promoções, festivais e momentos em que o ingresso custa algumas moedinhas, só pode ser uma coisa boa.

Se por acaso você se sentir ameaçado por interessados em seu smartphone, ou incomodado por pessoas desinteressadas na arte cinematográfica que conversam alto, a culpa não é do cinema e nem da promoção. É da nossa sociedade, que privilegia certas classes sociais a determinadas práticas, e segrega outras. Essa nossa sociedade que cria diferenças abissais no acesso à cultura.

Há algum tempo, surgiu no Brasil a onda dos “rolezinhos”, lembra? Foi basicamente a turma da periferia esfregando na cara da elite que o muro que separa os extremos das camadas sociais precisa ser derrubado, e que essas marcas de roupa e aquelas coisas bacanas que a sociedade valoriza, já que são tão maravilhosas, merecem ser consumidas por todos.

E quer saber? Prefiro o choque descarado entre os ricos altivos e a violência da periferia, à hipocrisia dos milionários que posam de civilizados mas praticam a barbárie da corrupção nos escritórios políticos.

Que venham os cinemas baratos, os festivais gratuitos, as filas quilométricas para ver obras do Monet no Centro Cultural Banco do Brasil. E que a pipoca no chão se torne semente para um novo amanhã, em que o acesso à cultura será mais justo, os ricos e pobres conviverão tranquilamente (e sem tanta diferença entre eles, já que não sou tão otimista de achar que as desigualdades se acabarão), e a arte fará o seu papel de nos unir, em vez de separar.

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