"Mister Lonely" - 2007 - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Artigo

“Mister Lonely” – 2007

“Caro mundo e todos nele, tenho notado que ao longo dos anos vocês têm tentado passar por mim. Tenho notado que acham que sou muito estranho e a maneira que penso vocês podem considerar ser errada. Caro mundo e todos nele, desde o momento em que nasci, lembro de me sentir diferente, lembro de pensar que tinha um tipo especial de visão que me permitia ver coisas que vocês não podem ver. Não acho que sempre senti o mesmo que vocês sentiram e não estou com raiva por isso, só parece que é como as coisas são. Tenho que admitir, gastei a maior parte da minha vida me sentindo confuso, me sentindo um estranho e desconectado, nunca colocando as coisas da maneira que todos parecem colocar ou compreendo as coisas exatamente. Caro mundo e todos nele, é difícil sorrir sempre quando não sabe o que as pessoas acham tão engraçado.”

O tema do filme Mister Lonely não deixa de ser curioso. O espelho de um outro alguém sempre é um reflexo permanente de algumas de nossas vontades, desejos, anseios, ambições; o temos como um retrato do possível pela possibilidade que ali existe e que reafirma o que pensamos ser impossível de conquistarmos. Há uma dificuldade em lidar com nossos problemas pessoais tanto quanto com o nosso eu, o qual nos perturba, nos questiona, nos persegue, nos desvia de “nós” mesmos para um outro centro de atenção, isto é, para um invólucro que nos dá leveza, desatenção para conosco, contudo, para com àquele com nos identificamos ou gostaríamos de ser. Nossos sonhos são muito parecidos com essa descrição da viabilidade do não verossímil, ou seja, passeamos por locais, sentimentos, pessoas, tempos e espaços com os quais nos correspondemos de certa maneira, e na direção de Harmony Korine, temos o consciente brincando com o inconsciente, temos uma brincadeira de emoções e vidas que se intermediam entre si, são quase que uma só.

Além de um exuberante padre (Werner Herzog) o qual supervisiona um grupo de freiras em algum lugar entre um aeroporto e uma floresta e que com seu avião voa nos arredores jogando comida pelo ar com intuito de alimentar povos que vivem em vilarejos pobres, numa específica viagem, junto de uma das freiras, descobre um grande milagre: que ela pode voar. Temos também, nas cercanias de Paris, um dançarino repleto de talentos que performa nas ruas com sua roupa preta, chapéu, com um lenço no rosto e seus movimentos rápidos e audíveis, o qual dança o famoso “Moonwalk” de Michael Jackson. O imitador  (Diego Luna) das ruas parisienses também diverte velhinhos numa casa de repouso, e é ali, onde se depara com a imitadora de Marilyn Monroe (Samantha Morton) que comenta sobre uma casa na Escócia onde pessoas como eles podem viver despreocupados, sem vergonha de ser quem eles são e como querem viver.

Os personagens caricatos que vivem juntos nessa mansão afastada da cidade são tais: Charlie Chaplin, Shirley Temple, Papa, Rainha Elizabeth II, Sammy Davis Jr., Abraham Lincoln e os Três Patetas. Não é possível saber se estas pessoas somente vestem seus personagens e os interpretam, ou realmente acreditam viver suas vidas, entretanto, tal fato não deixa de ser curioso e estranho. Acredito não haver uma preocupação de Korine em decifrar as personalidades dessas celebridades, isto é, não tem como intuito descrever ou dar indicações de como são ou eram tais pessoas na vida real. O que importa é o como ele consegue nos chocar quanto espectadores de seu filme, ou seja, não tem como não se surpreender com tal enredo, mesmo sendo uma história simples, embora com muita imaginação, inteligência e interesse pela imperfeição do mundo em que vivemos.

“Uma estrela morre no céu toda noite, e toda manhã uma nova estrela nasce. Ela espera a noite chegar para então poder ser vista mais uma vez.”

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