A mulher negra no Cinema Brasileiro por Sabrina Fidalgo
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A mulher negra no Cinema Brasileiro por Sabrina Fidalgo.

Para continuar o debate iniciado na crônica anterior “O Estereótipo Racial Feminino no Cinema Brasileiro”
(https://cinemacao.com/2015/07/28/rochas-15-o-estereotipo-racial-feminino-no-cinema-brasileiro/), convidamos MULHERES NEGRAS atuantes na cena cinematográfica.
Seus olhares e idiossincrasias, dão ao nosso cinema um sopro de originalidade e contribuem para quebrar os clichês das nossas narrativas.

 

“Eu não gosto de ser colocada em uma gaveta…”

 

Essa foi uma das frases marcantes da diretora, roteirista, produtora e artista visual Sabrina Fidalgo após entrevista concedida via Skype, especialmente para essa crônica de número #16 da coluna RochaS, que você confere agora!

 

“Por que eu faço cinema negro? Porque eu sou negra? Eu não posso fazer cinema?”

Seus questionamentos em relação à classificação de gênero feita por alguns críticos e pela mídia especializada, se sustentam na falta de profundidade.
O nome tem como mera função rotular e segmentar uma produção cinematográfica que nada mais é do que o retrato original de uma realidade sufocada.

 

“… eu não vejo isso como um movimento étnico, político, confabulado… É um termo que usam pra guetificar pessoas negras que fazem cinema”.

 

A falta de embasamento é ilustrada tendo como referência o teatro fundado por seu pai, o dramaturgo Ubirajara Fidalgo:

 

“… O meu pai criou o teatro profissional do negro. Mas aí tinha todo um dogma por trás disso, foi uma coisa idealizada… Houve uma construção. Existia um conceito. Criar um teatro profissional do negro, que trabalha narrativas negras, com atores negros. O cinema negro não tem esse conceito, eles querem segregar simplesmente pelo fato de ser uma ‘novidade’ pessoas negras ocupando lugares de destaques no cinema… Eles colocam as pessoas nessa gaveta. Mas não existe construção…”

 

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1 – Como você avalia a representação da mulher negra no cinema brasileiro hoje?

“A representatividade da mulher negra dentro da narrativa do cinema brasileiro atual é bem pouca… Até em comparação com os anos 60, 70 é bem menor. Nessas épocas haviam muito mais narrativas que traziam a mulher negra até num certo protagonismo. Recentemente eu participei do Festival Latinidades em Brasília e uma das minhas falas foi que a gente não faz cinema negro, fazemos o cinema brasileiro. O cinema convencional é que faz o cinema branco. O cinema brasileiro de hoje tá muito centrado nessa questão pós colonial, de uma representação eurocêntrica. O audiovisual brasileiro é completamente branco, branco com todas as aspas. Essa é a minha impressão quando eu penso no audiovisual brasileiro, não só cinema, mas novela, série de TV, comerciais… é uma reprodução falsa da realidade brasileiro. Nossa realidade não é loira de olhos azuis. É mestiça, é mulata, é morena, é preta… O Branco como é representado (maioria), não é a maioria. A representação do povo brasileiro na produção audiovisual já começa equivocada. É quase uma Campanha de Goebbels na Alemanha Nazista… Quase a reprodução de um modelo ariano. E o papel da mulher negra aí é menor ainda, e o pouco que tem é calcado em uma série de estereótipos. Uma reprodução sistemática de estereótipos negativos. Tá sempre ligada ao papel da pobreza, da falta de educação, da favela… Só existe mulher negra na favela? Não existem mulheres negras bem sucedidas? Mas isso nem é o mais importante, narrativas são narrativas o mais importante é você contar boas histórias… Não está atrelada a uma realidade contemporânea, pós moderna. Vai totalmente de encontro ao vasto leque de personalidades do mundo moderno… É um conceito arcaico, século XVII. O Brasil é um país moderno com narrativas arcaicas. Uma das exceções é o filme “Quase Samba” do meu amigo Ricardo Targino, protagonizado pela Mariene de Castro, uma mulher negra, grávida, disputada por dois homens. Ainda é uma coisa muito local, regional, eu sinto falta de cidade, metrópole… É isso, a representação é mínima, sustentada em estereótipos e arcaica”. 

2 – Analisando o retrato do feminismo negro feito lá atrás ao que é feito nas nossas recentes produções, você percebe mais semelhanças ou transformações entre forma e conteúdo?

“A representação específica da mulher negra no cinema nunca foi muito grande. No retrato social da realidade que a gente vive, ela sempre foi colocada à parte… É a base da pirâmide. Isso se desdobra no cinema. Nos anos 60, 70 houve alguns cineastas que trabalharam isso por algum motivo. Resolveram  trabalhar mais com a nossa identidade, do país mestiço, negro, de uma forma mais atuante do que agora. Posso citar o Glauber, o Cacá Diegues… Eles sim faziam um cinema negro até. O próprio Cacá fez vários filmes com essa temática, desde Quilombo, Xica da Silva… Ele tem uma cinematografia voltada para essas questões. Aí eu penso em nomes como a Léa Garcia, a Ruth de Souza, Zezé Mota, que tinham papeis mais atuantes, não necessariamente interessantes no sentido de importância, de empoderamento, mas eram papéis de destaque. Mas hoje em dia há muito pouca representatividade da mulher negra… Lembrei de um filme, Antônia, que eu vi na Alemanha… o próprio Cidade de Deus que particularmente eu acho um dos filmes geniais, acho o maior filme brasileiro de todos os tempos… É um filme foda, narrativa foda, personagens foda… Dialoga com o mundo inteiro, todos os lugares que eu fui as pessoas falavam do filme… Na época que foi lançado eu estava na Espanha e eram filas. É uma representação do papel do negro no Brasil. O elenco inteiro é negro… Se paramos pra pensar toda a nossa cultura (cinema, TV, música…) parte do princípio da relação africana com o Brasil. E aí temos essa dicotomia, que é muito doida. Porque ao mesmo tempo que tem toda sua cultura baseada no africano ela nega isso. É contraditório, é doido, é esquizofrênico! Ela nega o óbvio. E quanto mais tentamos se afastar disso, menos sucedido nós somos. Porque tenta-se negar o que a gente é. E cinema é representação da cultura de um país, seja em pequenas ou grandes proporções. O nosso cinema não é autocrítico, a gente fica tentando vender uma classe média branca pro mundo. E o mundo sabe que nós não somos isso. A gente luta pra parecer sueco!”

3 – Nos seus filmes você procura sempre abordar essas temáticas de caráter social, étnico e feminista? Há uma preocupação em fugir do senso comum, e projetar um recorte mais realista e menos estereotipado?

“Sim, eu procura mostrar sempre o Brasil que eu vejo, que eu vivo, em termos de personagem, narrativas… É óbvio que eu pertenço a uma classe social específica, eu convivo com pessoas de vários tipos, e obviamente isso conta também. Mas eu vejo Brasil como um país mestiço, negro, onde temos muitas mulheres fortes, interessantes… O que não quer dizer que isso me deixa obrigada a seguir essa cartilha de só fazer um cinema engajado. Não é uma regra. Eu quero ter a liberdade de criação total. Se eu quiser fazer um filme totalmente superficial e bobo, de algum tema que não tenha nada a ver com questões sociais e políticas, eu vou ter a liberdade de fazer. Eu não quero ser obrigada, ser colocada em uma gaveta. E até porque eu ainda estou me encontrando em termos de linguagem, estéticas, narrativas… Eu ainda nem sequer fiz o meu primeiro longa ainda. Eu fiz 05 curtas, tem um média que é um documentário que eu fiz pra TV, mas que aí começou a passar em festivais, tenho um documentário sobre a história do funk, que é o ” Rio Cidade do Funk”, este sim seria o primeiro longa documentário, e tem o projeto do meu primeiro longa de ficção que eu tô desenvolvendo ainda e é um projeto a ser realizado. Eu tô no início, eu quero ter essa liberdade de tá me encontrando, de dialogar com vários gêneros… De fazer ficção científica como eu fiz com o “Personal Vivator”, ou de fazer um drama contemporâneo como o cinema mudo, como o curta que eu fiz de uma menina que é viciada em internet, e não é nem negra… Um mais político como eu fiz em “Black Berlim”, que é mais direto nessa questão social, racial, de gênero… Quero fazer um sobre música. Eu não faço cinema negro, desculpa, eu faço cinema! Eu faço o cinema de Sabrina, são minhas narrativas, meus olhares. Eu não gosto desse lugar, eu acho preconceituoso, é uma armadilha negativa… A arte ela é o contrário da segregação, ela é expansão. Eu não sou exótica, meu cinema não é exótico. O que é exótico é o convencional que tenta parecer o que não é. Isso sim é o cinema branco, eu estou num lugar que posso apontar o meu dedinho e falar não vocês fazem o cinema branco, vocês são os exóticos, vocês são a minoria, a gavetinha e não o meu cinema”.      

 

Flyer_The-StaffFlyer de divulgação do filme.

 

still2O ator Fabrício Boliveira como “Rutger”, o extraterrestre protagonista do filme.

Fotos: Katiana Tortorelli / Mídia Ninja. || Make Up: Rafael Fernandez

 

Para conhecer mais o trabalho da Sabrina Fidalgo e da Fidalgo Produções, é só acessar o site e as redes sociais:

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