“Holy Motors” – 2012
Como seria se acordássemos e ao nosso redor as paredes do quarto estivessem cobertas de um papel de floresta o qual nos permitisse, através de uma porta, entrar para dentro de um cinema no qual sua platéia fosse composta de pessoas mortas? É o que acontece como num sonho com Denis Lavant, um ator, que vestido como um homem de negócios, vai para à cidade trabalhar duro para sustentar sua família. Seu personagem principal no filme chama-se Oscar, contudo, tem vários outros que compõem sua personalidade. Céline, sua motorista, o leva pela cidade em seu backstage motorizado em forma de limousine branca a qual passeia por Paris durante o dia levando-o para seus compromissos teatrais e performáticos.
Lavant ou Oscar tem vários rostos, vários corpos, várias vidas. Oscar, recebe seus trabalhos, ou melhor, seus personagens num dossier no banco de trás de sua limousine na qual, através de espelhos e figurinos, se transforma numa velha que mal consegue andar, e com a ajuda de uma bengala, passa um tempo à beira do Rio Sena pedindo esmolas. Este é só um exemplo de como a narrativa é delineada. Holy Motors é um filme como qualquer outro, isto é, tem um roteiro e situações que tornam discursos em ações, contudo, via um ator e na pele de um personagem, Oscar, temos em cena vários outros clássicos heróis já que fala-se de política, tem assassinatos, casamento, morte por dinheiro, ou seja, temos como panorama um desabafo de imagens que poderiam ser constatadas como pertencentes a um delírio ou como disse à um sonho, assim como, através do corpo e do esforço de um ator, tais estampas ganham vida e nos trazem realidades ficcionais que nos deixam sem palavras ao contempla-las.
É o trabalho do ator que desfrutamos aqui. É o fazer que torna Oscar um artista. Não há planejamento ou ensaio, há simplesmente uma pauta com a qual ele tem que lidar naquele instante, isto é, depara-se com seu próximo trabalho numa folha de papel, como numa descrição do que representar, e a partir desse momento é tudo criação. Um de seus papéis ganha vitalidade dentro de um estúdio, o qual inteiramente preto com algumas luzes vermelhas faz com que o intérprete, também vestindo um traje escuro com bolas brancas e pequenas, dance e realize sua cena num espaço vazio. Num total isolamento, temos em foco um ator-personagem preenchendo lacunas como também estados de performance de filmes clássicos de luta, e tal fato é muito interessante, visto que se tivessem outros personagens teríamos uma cena de combate, porém tendo em cena somente Oscar – fazendo movimentos como se estivesse lutando com alguém, temos um bailar, uma dança que oscila entre a realidade e a ficção.
É possível questionar então qual seria a identidade de Oscar ou do próprio ator que o interpreta – Lavant Se temos ou não como presente o que buscamos não sabemos, mas podemos imaginar e a imaginação faz parte de todo o processo narrativo; seria difícil nos ater à tal obra cinematográfica sem nos deixarmos levar pelos caminhos da fantasia. As máscaras que cobrem o rosto das pessoas escondem o que elas são ou o que elas querem ou não conseguem ser, e os papéis interpretados por Oscar talvez sejam, em certa medida, pequenas minúcias de sua própria personalidade a qual vive e revive em outras vidas, desta forma trazendo à tona ao desfecho do enredo dúvidas e questões e não um fim agradável ou um ponto final.