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Livro X Filme

“Não havia nada do verdadeiro Jack naquela voz petulante, que berrava e dizia disparates. Alternava tons baixos de autopiedade com gritos altos; lembravam-na os gritos deprimentes que ouvira na ala de geriatria do hospital onde trabalhara durante as férias de verão, quando era ainda estudante secundária. Demência senil. Jack não estava mais lá fora. Ela ouvia a voz irada e lunática do próprio Overlook.

O taco atingiu a porta do banheiro, derrubando um enorme pedaço do painel fino da porta. Um rosto meio louco e determinado fixou o olhar nela. A boca, faces e garganta estavam cobertas de sangue, o único olho que conseguia ver estava miúdo e brilhante” – “O iluminado” de Stephen King, p. 365.

Cena: “O iluminado” do diretor Stanley Kubrick, 1980.

Essa discussão não é de hoje. Desde que os filmes começaram a ser produzidos, inspirados em contos de livros, há pessoas analisando e discutindo a qualidade de tais adaptações.

anjos e demônios - livro       Eu já tive a oportunidade de ler alguns livros que tiveram seus referentes no cinema, como: Laranja Mecânica (Anthony Burgess), Anjos e Demônios (Dan Brown), O Iluminado e O Cemitério (Stephen King). Quando eu embarco nessa discussão, ouço sempre o mesmo comentário: “o livro é bem melhor…”. Não que eu discorde dessa opinião, mas quero aproveitar este espaço para fazer algumas considerações.

Quando pegamos um livro, de algumapessoa lendos centenas de páginas, estamos tratando de uma obra de arte. Alguns autores demoram anos para concluir suas obras (que o diga George R. R. Martin com As crônicas de gelo e fogo), a arte escrita é de uma natureza bem diferente da arte visual. Inclusive quando avaliado do ponto de vista psicológico. As habilidades e competências necessárias para ler e escrever são completamente diferentes das exigidas para se observar e interpretar.

Ao longo dos anos, diversas técnicas no cinema foram sendo desenvolvidas com a finalidade de adaptar melhor a linguagem. Como transmitir o pensamento de um personagem? Como Assistindo tvcomprimir 400 páginas em apenas 2 horas de filme? Quais são as informações fundamentais contidas no livro que devem ser transmitidas para a tela? Essas são algumas das questões que assombram cotidianamente os produtores e roteiristas.

Veja que, a priori, estamos tratando de uma situação relativamente simples, o trabalho consiste em adaptar uma história escrita (narrada) em uma história em vídeo. Contudo, precisamos nos atentar à arte. Esta produção cultural humana abrange temas e sensações que ainda não conseguimos compreender direito. De um lado, temos o artista que pensa, cria e elabora a sua obra; de outro, temos o sujeito (receptor), com outra história de vida, outras Harry-Potter-e-a-Pedra-Filosofal-livroexperiências e outras expectativas. A pessoa que acessa a obra de arte, necessariamente, a completa. É um movimento particular, por isso é tão impactante. Há um pouco de cada um de nós em cada filme, quadro e música que acessamos.

Portanto, você me pergunta: “legal Guilherme, e o que todas essas reflexões tem haver com a discussão entre livros e filmes? Afinal de contas, qual é o melhor?”; e eu te respondo: “Eu não sei qual é o melhor, mas essas reflexões tem tudo haver com a questão”.

Sem compreendermos o impacto da arte em nossas vidas, sem compreendermos as particularidades de cada uma das produções, se não olharmos o livro ou o filme a partir dele mesmo, nunca vamos O iluminado - filmeconseguir realmente compreender a beleza de cada um. É preciso aceitar que o livro e o filme possuem linguagens distintas, cada qual com suas peculiaridades.

É claro que é importante analisar a qualidade de uma produção, eu também faço isso constantemente, mas acredito que o fundamental não seja necessariamente a análise, mas sim, as emoções e sensações que elas evocam. Ao ficarmos abertos para imergir na história, conseguiremos aproveitar tudo o que ela nos tem a oferecer.

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