Crítica: Samba
Quando milhares de haitianos chegam ao Brasil para tentar uma vida melhor, e centenas de milhares de pessoas do norte da África desembarcam na Itália à procura de dignidade enquanto políticos conservadores são eleitos nos principais países da Europa justamente com a proposta de blindarem-se contra a imigração, um filme como “Samba” não é apenas bem vindo, mas necessário.
No novo longa de Olivier Nakache e Eric Toledano – que fizeram um sucesso sem precedentes para o cinema francês com “Intocáveis” – Omar Sy vive Samba, um senegalês que passa a ter problemas com a imigração francesa e consegue a ajuda de uma ONG que ajuda imigrantes ilegais. Lá, ele conhece Alice (Charlotte Gainsbourg), por quem acaba nutrindo bastante carinho.
Ao longo da trajetória, Nakache e Toledano mostram diversos problemas enfrentados por Samba, bem como os momentos de alegria. Por falar em alegria, a parceria entre os diretores e Omar Sy se mostra acertada, já que os cineastas sabem conduzi r o carisma e o timing do ator para as cenas de humor, que são muitas. Até mesmo Charlotte Gainsbourg (respeitada pelos dramas pesados feitos com Lars von Trier) consegue se sair bem nos momentos de riso, mas a atriz merece aplausos de verdade pela profundidade com que vive sua personagens: o olhar, a maneira de falar e a linguagem corporal já sugerem que a personagem viveu momentos complicados, transformando a narrativa de sua trajetória pessoal em apenas um detalhe, já que sentimos tudo o que ela nos passa.
Aliás, o roteiro de Muriel Coulin (com colaboração dos diretores) nos apresenta a personagens secundários igualmente interessantes, como Wilson (Tahar Rahim), o amigo “brasileiro” de Samba, e Jonas, o “colega de quarto” que Samba conhece quando é detido, e cuja subtrama é importante para o terceiro ato do filme. Aliás, se pararmos para analisar a os acontecimentos entre Samba e Jonas, vemos como os personagens são tridimensionais e profundos, já que somos cúmplices das decisões tomadas por eles a partir dos diferentes dramas que cada um vive – e só conseguimos perdoar uma atitude de Samba porque estamos acompanhando sua vida e já nos afeiçoamos a ele, compreendendo seu caráter.
Provando mais uma vez que é possível abordar um tema muito sério com cenas engraçadas, Eric Toledano e Olivier Nakache ainda inserem diversas questões importantes acerca da imigração: a situação das pessoas que vão trabalhar, a forma como precisam mudar de nome e de identidade (tanto Samba quanto Wilson) para conseguirem ganhar dinheiro, a forma frágil com que a lei tenta lidar com a imigração.
Por fim, “Samba” traz algumas metáforas e alegorias interessantes. Além do nome do personagem-título, que remete ao ritmo musical associado ao Brasil – um país visto pelos franceses como um bom resultado da mistura de povos de diversas origens – a forma como o filme estabelece a relação entre Alice e Samba é muito interessante: enquanto ele sofre porque quer trabalhar e não consegue, ela se amarga porque o trabalho lhe exigiu demais.
E assim como no filme “Intocáveis“, este também prova que duas pessoas de dois mundos muito diferentes podem se amar e se conectar. Não importa de onde vêm, não importa o que viveram, o importante é que elas possam dançar juntas… e se não for um samba, que seja Bob Marley!