Feminismo (ou) - como a sociedade está mudando e o cinema precisa acompanhar o que está acontecendo
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Feminismo (ou) – como a sociedade está mudando e o cinema precisa acompanhar o que está acontecendo

Ao longo da História, poucos foram os momentos (se é que ocorreram) em que as mulheres estiveram em posição de poder na sociedade. Quase sempre, elas estiveram subjugadas às vontades e desejos dos homens, que sempre comandaram a sociedade patriarcal. Mas não quero discorrer muito sobre o assunto, já que sequer tenho o conhecimento profundo que me permita maiores delongas.

O fato é que, na sociedade atual, vem se tornando cada vez mais importante o debate sobre as construções sociais que valorizam o homem e colocam a mulher em segundo plano. Afinal, a sociedade e o ser humano caminham sempre para a evolução (ao menos assim esperamos), e evoluir significa questionar as práticas da sociedade e tentar mudá-las – algo que não é nada fácil. Evoluir também significa compreender que muitas formas como enxergamos o mundo são, na verdade, construções sociais, e não naturais – e portanto podem ser desconstruídas e modificadas. Tanto que aqueles contrários a determinadas mudanças sociais são chamados de “conservadores”, já que desejam conservar a sociedade como está, em vez de mudá-la.

Mesmo com tantas forças contrárias, o fato é que a sociedade está mudando. Aos poucos, “com passos de formiga”, como diria Lulu Santos, mas está mudando. E o Cinema deve mudar junto. Afinal, a arte sempre refletiu a sociedade, bem como sempre ajudou a mudá-la. “A arte imita a vida, e a vida imita a arte”, diz a famosa frase. De fato, sempre foi assim: pequenas mudanças na sociedade acionam a criação de elementos artísticos, que vão ampliar o debate para que mais pessoas consigam compreender (e isso acontece desde as encenações teatrais de tragédias na Grécia Antiga). Muitas vezes, isso tudo é feito de maneira sutil.

Estes três parágrafos de introdução servem para que possamos abordar dois temas relacionados ao feminismo muito recentes: o filme “Mad Max: Estrada da Fúria” e a entrevista da atriz Maggie Gyllenhaal ao site “The Wrap”.

Antes de começarmos, é importante compreender – já que muitas pessoas insistem em não fazê-lo – que feminismo não é o extremo oposto de machismo. Enquanto o termo ‘machismo’ simboliza a opressão do homem sobre a mulher, ‘feminismo’ simboliza o fim desta diferença de valorização, e não a opressão da mulher sobre o homem.

MaggieGyllenhaal

Voltemos à Maggie Gyllenhaal: a atriz de 37 anos declarou nesta entrevista que foi negada para um papel ao qual estaria “muito velha”: no filme em questão (cujo título ela não divulgou por motivos éticos), ela seria o interesse amoroso de um homem de 55 anos. Embora isso possa parecer apenas uma preferência do produtor ou diretor, o fato é que reflete uma prática muito comum na Hollywood machista que conhecemos. Tanto que a comediante Amy Schumer fez uma esquete na qual as atrizes Julia Louis-Dreyfus, Tina Fey e Patricia Arquette celebram o “last fuckable day” – “último dia comível”, em tradução própria. Trata-se de uma crítica ao “mercado de Hollywood” que define que, a partir de uma certa idade, a mulher deixa de ser “apropriada” para fazer papéis românticos e passa a viver entre cozinhas e armários como uma mãe conservadora, sempre vestindo roupas que cobrem o corpo.

São duas formas de se utilizar do show business e do cinema para tecer críticas às construções sociais contidas nestas análises. Afinal, isso tudo é reflexo de construções que vem perdurando por anos na sociedade – e no cinema como consequência. Elas dizem que um homem pode ser ‘sexualizado’ e ativo sexualmente ao longo de toda a sua vida, mas a mulher deve “se resguardar” após uma determinada idade. Oras, por que cargas d’água uma mulher não pode viver um romance com sensualidade aos quarenta e poucos anos, ou mais? Se as jovens bond girls se interessaram por ‘James Bonds tiozões’, por que uma mulher acima dos 40 não pode ter o mesmo tipo de poder sobre algum homem? E que tipo de homem não concordaria que mulheres como Julia Louis-Dreyfus e Patricia Arquette são atraentes?

InsideAmySchumer_feminismo

Prossigo. Em “Mad Max: Estrada da Fúria” (bastante discutido no nosso podcast), as personagens femininas ganham destaque e força, e ainda por cima simbolizam a solução dos problemas da sociedade patriarcal mostrada na trama pós-apocalíptica. Charlize Theron vive uma personagem que atira melhor que qualquer homem, luta para buscar uma vida melhor, e peita o personagem-título. Além disso, o Max de Tom Hardy também surge no filme como uma metáfora do homem que tenta encontrar seu lugar no mundo atual: ele corta o cordão umbilical simbolizado por uma corrente, fica amordaçado durante bastante tempo, e tem suas forças questionadas. Fico por aqui: o filme em questão tem elementos que poderiam ser discutidos ad infinitum (aliás, aproveito para sugerir o podcast Mamilos #26, que discute tudo isso de forma muito interessante).

O que não podemos negar é que boa parte da importância do novo filme de George Miller se dá em virtude de seu debate atual. Se isso o difere dos filmes anteriores, possivelmente é porque Miller não parou no tempo ao longo dos 30 anos que separam o terceiro e o quarto longa da franquia. Tanto que isso incomodou grupos contrários ao feminismo, que chegaram a pedir o boicote ao novo Mad Max. Não vou discutir a existência de grupos que visam defender “os direitos do homem” para não me alongar, mas não me furtarei em lembrar que a carta deles apenas incentivou mais pessoas a irem ver o filme.

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O cinema deve ser um reflexo das transformações na sociedade, e quanto mais filmes se prestarem a isso, mais as pessoas debaterão sobre o assunto. O mesmo ocorrerá quanto mais mulheres (e homens, por que não?) se prestarem a questionar escolhas de diretores e produtores baseados na diferenciação cultural entre o sexo masculino e feminino.

Se o cinema brasileiro e o iraniano, por exemplo, estão proporcionalmente à frente de Hollywood neste quesito (ou não?), é importante que a discussão chegue por lá. Trata-se de colocar homens e mulheres em pé de igualdade. Sem que um seja tratado como objeto ou outro seja colocado em algum pedestal. Cabe à mulher ocupar seus postos não alcançados, e ao homem cabe aprender a se localizar em uma nova ordem mundial.

É desta forma, com a arte e a vida se imitando, que o mundo vai se transformando. Aos poucos. E cabe a cada um de nós escolher se quer mudar junto… ou ficar para trás.

ALIENS (1986) SIGOURNEY WEAVER, MICHAEL BIEHN ALS 083

ps: sim, eu conheço a Ripley, a Sarah Connor e a Katniss.

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