Crítica: Verão Feliz, 1999
“Verão Feliz” é mais uma prova do talento do mestre nipônico Takeshi Kitano. Muitos devem conhecê-lo por sua participação em “Battle Royale” em 2000 ou até mesmo “Ultraje”, 2010, filme que fala sobre a máfia japonesa. Fisicamente falando, ele faz o tipo durão, principalmente usando como base os dois filmes citados acima, mas o que pouca gente sabe é que ele é humorista, além de pintor, ou seja, um nobre cavalheiro extremamente importante para o seu país.
Seus filmes transitam com maestria pela surrealidade, violência, humor, sempre envoltos de uma fotografia fantástica. “Verão Feliz” de 1999, por exemplo, é um filme que resgata o humor com doses de surrealismo, não que seja complicado entender, simplesmente estamos diante de uma obra que traduz, com perfeição, o mundo da criança. Na verdade, o protagonista é uma criança, porém, a visão infantil parte do diretor, tanto na função de criador como também o seu personagem, visto que Kitano faz, aqui, um dos papeis mais engraçados da sua carreira no cinema, remetendo-nos diretamente a Charles Chaplin.
É verão e um garotinho, Masao, não tem com quem brincar – isso é ilustrado diversas vezes, a principal é quando ele está em um campo de futebol, sozinho – e, ainda por cima, questiona bastante a ausência dos pais. O seu pai faleceu há tempos e a sua mãe foi morar em outro lugar. É quando aparece na história o querido Kikujiro, Takeshi Kitano, um senhor de aproximadamente 50 anos, ele não necessariamente é o amigo que o garoto precisa, mas o ajuda a percorrer o caminho para encontrar sua mãe, em mais um bom representante de filmes Road movies.
Essa relação que se estabelece é muito cômica, isso se deve a algumas características marcantes do Kikujiro como o desdém. Ele, no início, não se importa com o garoto. Leva uma vida bem despreocupada com tudo, só quer gastar dinheiro com apostas o que, inclusive, rende cenas engraçadíssimas, pois com toda a sua supersticiosidade coloca no menino a responsabilidade de acertar os números. A primeira vez que ele vê Masao está ao lado de sua mulher, após vê-lo passar na rua, rapidamente afirma que o menino é triste. Interessante notar que, mesmo com sua costumeira indiferença, ele repara nesse vazio, algo que será trabalhado mais pra frente, onde ele tentará a todo custo fazer o pequeno Masao se sentir em casa e, finalmente, sorrir.
Existem muitos filmes que utilizam a criança como voz principal de um sentimento guardado, aqui o garoto surge apenas como um veículo para, enfim, dar destaque ao real protagonista do filme: a infância. O diretor molda um clima infantil, até mesmo nas cenas mais impactantes. Parece que a sociedade está mergulhada em um mundo inocente, alguns personagem adultos que aparecerão ao longo também se parecem com crianças, sem responsabilidade alguma, senão, divertir. É fácil afirmar que “Verão Feliz” é um filme que revela um universo inteiro, onde a incomunicabilidade está presente o tempo todo.
Repleto de detalhes, exigindo uma atenção por parte dos espectadores, o riso e as lágrimas vêm espontaneamente. Para os adultos, é fácil perceber que a mãe de Masao não se importa com ele, mas dentro do universo que é mostrado, a esperança é mais forte que tudo, quando isso quebra, coincidentemente ou não, o filme se torna mais lento e arrastado. A relação dos dois personagens atinge o ápice quando, na praia, eles dão as mãos, se olham, e vão caminhando. Como se estivesse claro para ambos a amizade que fora construída, eles, enfim, se completam. Infelizmente depois disso temos um filme diferente, onde o humor exibicionista vai assumindo o controle. Se no início temos uma dosagem certa do clima infantil, no final ele ultrapassa essa linha tênue e vai, aos poucos, se aproximando de um estilo caricato, já visto no cinema com perfeição nas mãos do Louis Malle com o seu “Zazie no Metrô” de 1960. Acaba sendo um deslize mas, ainda assim, “Verão Feliz” consegue se manter como uma obra divertida e emocionante.