Carteiros nas Montanhas, 1999
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Carteiros nas Montanhas, 1999

“Carteiros nas Montanhas” é mais um bom exemplo de filmes perdidos que, quando descobertos, raramente passarão despercebidos. O que me cativa em cinéfilos é essa disposição em nunca guardar para si pequenas preciosidades e, portanto, vou seguindo essa onda pedindo que você, leitor/amigo, procure essa obra.

Filme Chinês, dirigido por Jianqi Huo, conta a história de um senhor, ele foi carteiro por anos, andando muito por várias regiões e, por conta disso, é conhecido por muitos e amado por alguns, o interessante é que a figura do carteiro se revela extremamente importante. Ele está prestes a se aposentar e visando passar a sua responsabilidade para alguém de confiança, o filho se prepara para assumir sua função. Mas a última viagem – que dura em média três dias – os dois farão juntos, o filho está prestes a descobrir o seu trajeto, enquanto o pai está próximo de descobrir um pouco sobre o tempo e como o mesmo se desfaz por entre os dedos. Mas “Carteiros nas Montanhas” é, de fato, um vislumbre audiovisual, onde a relação de pai e filho é protagonista de uma belíssima história de amor.

O caminho é árduo, isso fica claro, aliás, é uma mensagem dita quase que constantemente. O filho não tem noção da responsabilidade que sua nova função exerce sobre as pessoas, pequenos povoados, sem luz ou acesso a informação como temos hoje, a maneira de escapar é justamente com a comunicação. O carteiro, um agente da possibilidade, representa uma fuga do convencional. Eu escreverei, basicamente, sobre cinco elementos ao longo dessa crítica: pai, filho, tempo, amor e caminho.

Caminho

 

É muito fácil nos lembrarmos dos famosos filmes Road Movie ou filmes de estrada, onde temos a estrada como canalizador de transformações dos personagens, na maioria das vezes, em crise. O caminhar vai acontecendo, o sujeito se fazendo. Como um feto que se desenvolve na barriga da mãe, temos um homem conquistando a sabedoria de saber quem é. Isso acontece aqui de uma forma diferente, o pai e filho transitam por entre imagens do campo, florestas, paisagens que remetem diretamente ao puro.  Enquanto encontram personagens que já conhecem o pai, portanto, conhecem o filho. Mesmo que com desconfiança, eles vão aos poucos entendendo que tudo na vida chega ao fim. Aquele que dedicou sua vida e saúde para ajudar, precisa deixar sua bondade de lado e seguir em frente, tentando espalhar seus ideais. Por isso em diversas cenas o filho olha para o pai como um mestre, um professor. Até um simples ato como fumar soa tentador ao filho e, quando o faz, exprime um longo sorriso no rosto por estar imitando o seu pai. Os dois vão trocando de papel, aquele que um dia cuidou, passa a ser cuidado. Aquele que um dia dedicou, passa a ser expectador. Aquele que um dia aprendeu, precisa lidar com a paciência, para entender que cada um tem o seu próprio tempo. O caminho está tão presente nesse filme, que seria impossível detalhar o quanto se torna sublime no roteiro acompanharmos esse rito de passagem. Menino para homem. Homem para sábio.

Tempo

O tempo é motivo para dor de cabeça em muitos, inclusive para mim. É incrível como vai indo, sem ao menos explicar o motivo. Se transforma em lembranças ou em medo. Cada um aprende a encarar o seu, de frente, não de costa, como é recorrente. O pai, no filme, conheceu a sua mulher durante uma das viagens. Ele sempre contemplava o silêncio, enquanto o filho utiliza-se do artifício do som – com o seu pequeno rádio – para se esquivar do sentimento de solidão. Seria então o garoto mais sensível que o pai? Ou simplesmente o pai já passou da fase em que estar só pode ser traduzido como solidão. Me parece que ele se sente sempre bem acompanhado, seja com o seu fiel cachorrinho, ou com o vento. O vento parece um fantasma, nesse caso amigo, que vai soprando a sua direção, ele se mostra sempre como uma figura centrada, que sabe o que faz, só pode ser ajuda espiritual, ou seria apenas dedicação. Aliás, seria o filho, um dia, capaz de conseguir atingir o mesmo patamar?

Amor

Eu me considero um religioso pois acredito no amor. É o que nos liga, direcionando-nos a fé de não simplesmente existir. Exigindo-nos a capacidade de sentir. O pai vai com o filho, para iluminar o seu caminho, o filho se sente envergonhado com a sua presença, mas ali só existe respeito, mútuo, inclusive. O pai não é um diplomado, ou algo banal como isso, ele é um ser que sabe valorizar. Ele valoriza o espaço e, principalmente, o que faz, independente do que seja. O filho é a representação dessa nova geração, lembrando que o filme é de 1999, que faz as coisas mas não para e pensa, de fato, no que está construindo. Será que construímos algo sem amor? Eu diria que não, ambos personagens se conheciam muito pouco. O pai é um viajante, quando o menino nasceu ele estava longe de casa, mas as cicatrizes da infância perdida estão lá, ele pode se redimir com sua própria consciência e perguntar o motivo delas.

Em determinado momento, os dois encontram uma velhinha cega. Aproximadamente de 15 em 15 dias o carteiro(pai) senta ao seu lado, lhe entrega uma carta do seu neto – agora um rapaz intelectual e rico – e lê o que ele escreveu. O porém é que o neto nunca escreveu uma carta para a avó. O carteiro inventa coisas, para confortar o coração magoado da senhora. Ele então, junto com seu filho, vai ler a sua última carta para ela. Ele para no meio da leitura, e dá a vez ao filho. Momentos depois, longe da velhinha, eles conversam sobre isso, o filho indaga – visivelmente impaciente – que essa é uma obrigação do neto, não do carteiro. O pai não fala muito sobre isso, não precisa. Como se soubesse o tempo todo que, durante o percurso, os ventos assoprariam as respostas. O amor é isso, confortar corações independente do porquê.

Pais e filhos

O pai tem um grave problema nas pernas. Isso se agravou com o tempo pois ele vivia passando nas águas para prosseguir no seu caminho. Até que o filho chega nesse lugar, onde a água é um obstáculo e, no mesmo tempo, velha amiga do seu sábio. Ele se preocupa tanto com o pai, mesmo que essa fosse sua última vez, que acaba o carregando nas costas, para não molhar os seus pés. Como um rei em seu trono, nesse caso, o trono é sua criação. O pai, sempre sério, se desmancha em lágrimas no ombro do seu filho, enquanto se lembra dele criança, onde o carregava no cola, ainda bebê. Ao fundo temos uma narração em off – teremos bastante ao longo do filme, inclusive – onde o filho fala: “dizem que quando o filho consegue carregar o pai nas costas, significa que ele se tornou um homem”. Essa relação me causou uma comoção muito grande, bem como um mal estar. Desde criança sonhava com um super pai, que eu pudesse super me inspirar, profissionalmente ou não. Mas eu só consegui distância. Hoje, atingindo uma certa maturidade, resgato sentimentos e carinhos de outras formas mas, sem dúvida, o cinema me ensinou e me ensina ainda hoje que a única coisa que realmente importa é ter carinho pelo que faz. Seja ser pai, ser filho, profissionalmente ou emocionalmente. Agradando a nós mesmos, viveremos entregues, viveremos completos e em ordem com o nosso tempo, nosso caminho e nossos amores.

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