14 Estações de Maria
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14 Estações de Maria, 2015

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Todo e qualquer texto que escrevo é, antes de mais nada, uma iniciativa corajosa de me enfrentar. Não sei o motivo, mas eu sou infinitamente indiferente para com muitas coisas, me pego pensando, às vezes, que o cinema é o que me salva e, no mesmo tempo, o que me destrói. Essa minha ousadia de pesquisar cinema, mesmo que por vezes só aconteça na minha cabeça, me consome muito, seja por tempo ou profundidade. Imagino o quanto ganho com minhas viagens em busca de compreensão, ou até mesmo se expresso adequadamente o que sinto dos filmes, pouco importa, senão, escrever.
Estou escrevendo isso, pois, cada filme desabrocha um lado da minha persona, que por muito desconhecia ou, entre diversos motivos, havia guardado. É uma força muito forte, impactante ao extremo, em relação ao que relaciono com o cotidiano ou, simplesmente, me questionar se a seriedade que eu o trato é plausível.
Seria impossível falar de “14 Estações de Maria” e não falar sobre religião e, portanto, ser incrivelmente – ou pateticamente – extenso.

Religião é, para mim, algo desconhecido. Deveria ser limpo, claro, mas se tornou escuro e borrado. Religião poderia significar, em interpretação livre, ligar-se ao outro, tornar o nós somente um, mas essa ideia é simplesmente traduzida como infantil. É importante sonhar, assim como, talvez, seja importante ser um tanto iludido em acreditar que as pessoas viveriam mais felizes se o mundo fosse regido por amor. Será que é tão difícil ter carinho e respeito ao próximo? Não por querer algo em troca, muito menos para propagar aos ventos, mas sim para fazer o bem. Nesse ponto, se existe um Deus o nome dele é amor. Esse sentimento inexplicável que nos possui por completo e, no mesmo tempo, impressiona, só pode ser fruto de um milagre. No mesmo tempo, eu considero que a redução de “bem” para “Deus” e “mal” para o “Diabo” são atitudes desnecessárias. Primeiro porque simplificar a vida é coisa de fracassado, segundo que, se existe mesmo um Deus ou Diabo, certamente eles ficam muito zangados com a banalização de seus valores. Isso inclui o próprio homem, que teima em responder por eles. Se Deus é tão poderoso – percebam, eu não estou o tratando com ironia, por incrível que pareça – ele não selecionaria alguns para serem os porta vozes de suas vontades mais primitivas como, a principal: um mundo devoto. Agora, se Deus precisa de pessoas fracassadas para guiar outros homens, ainda mais, ter preconceitos, precisa de dinheiro e etc então eu não preciso dele. Certamente, supondo que ele exista, preferiria beber um chá com Lúcifer pois, nesse quesito, ele me parece bem mais centrado.
O que quero dizer, de fato, é que pouco me importa essa propagação dos homens, a religião, como bem vemos hoje em dia, é um turbilhão de interesses, assim como diversas outras formas de manipulação. Então se me perguntam se eu acho que Deus exista, eu respondo em alto e bom tom “SIM!”, agora, se me perguntam se eu acredito “NÃO!”. Se um pai de família, ignorante, acredita em Deus e faz o bem, ok, eu fico feliz por ele. Se um pai de família, ignorante, acredita em Deus e deixa a sua vida e de sua família para Deus cuidar, então imediatamente eu sei que esse pai está sendo guiado por homens oportunistas. Deus existe a partir do momento que acreditamos nele, ponto final. Assim como eu acredito que o papai Noel existe.

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“14 Estações de Maria”, filme alemão dirigido pelo Dietrich Brüggemann, um novo diretor do circuito independente, traz a mesa a discussão sobre a opressão que o acreditar pode exercer na vida dos fiéis. Mas não é, necessariamente, acreditar em Deus, mas sim nos homens, pelo menos é o que me parece durante todo o filme, Deus está muito ausente, dando lugar a uma família cercada de regras e intolerâncias. As 14 estações dizem respeito a alguns capítulos que vão acontecendo, eles seguem as 14 estações que Jesus passou em seus momentos finais de vida na terra. O que representa para os que creem, basicamente, é que Jesus abdicou a sua real imagem, ou seja, divina, para sofrer pelo homem, em prol a salvação, se sacrificando. É uma bonita história que preza, sem dúvida, pela humildade.

  1. Jesus é condenado à morte.
  2. Jesus recebe a sua cruz.
  3. Jesus cai pela primeira vez.
  4. Jesus encontra sua mãe Maria.
  5. Simão de Cirene é forçado a carregar a cruz.
  6. Verônica enxuga o sangue do rosto de Jesus.
  7. Jesus cai pela segunda vez.
  8. Jesus encontra as mulheres de Jerusalém.
  9. Jesus cai pela terceira vez.
  10. Jesus é despojado de suas vestes.
  11. Jesus é pregado na cruz – a Crucificação.
  12. Jesus morre na cruz.
  13. O corpo de Jesus é retirado da cruz – a Deposição ou Lamentação.
  14. O corpo de Jesus é colocado no sepulcro. 

Essas estações destacam alguns momentos cruciais, até bem conhecidos, como a traição de Judas, negação de Pedro, crucificação e sepulcro. Até onde eu sei, ressalto que não pesquisei para escrever, haveria um 15° que seria a ressurreição. Mas, evidentemente, o filme não acompanha isso pois se trata de uma menina de 14 anos, não de uma figura divina. Mas será que podemos afirmar isso?

A sinopse do filme coloca a menina protagonista, Maria, presa entre dois mundos. Um é a escola, onde ela tem contato com a diferença, e o outro é em casa, onde ele se sente como uma prisioneira de um ensinamento extremamente religioso, católica fundamentalista. Enquanto assistia ao filme, inclusive, tracei consecutivas comparações com “Carrie, a Estranha”, por exemplo, temos uma personagem igualmente perturbada por dogmas exagerados, que a proíbem de, basicamente, impulsos e descobertas próprios da sua idade.

Ela é produto de uma fé incontestável mas, aliado a isso, ela se torna um fantoche. Ao meu ver, toda e qualquer prática religiosa deve ser refletida, com maturidade, de modo a criar um significado maior que o mero “seguir”.  A mãe de Maria, figura quase diabólica, classifica a música como produto satanista, ao ponto da menina, nas aulas de educação física, não querer participar por estar tocando uma música pop. O interessante dessa cena, em questão, é que a professora não consegue lidar com essa apreensão e, inclusive, chega a se assumir como uma crente em Deus também, assegurando-se que aquela música não é satanista, mas a menina afirma o contrário. Para ela essas músicas são portas abertas para o movimento, a exposição e, portanto, manifestos diretos da maldade. Ora, mas se música é música ela vem da harmonia, harmonia é de Deus, não? Estaria Maria e sua família adorando a Deus ou porta vozes?

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O filme começa com uma cena genial onde um padre, ao centro da mesa, catequiza algumas crianças, Maria parece ser a única inteiramente lúcida, visto que responde as perguntas com muita propriedade. Aliás, o padre no centro da mesa pode, de fato, representar Jesus na santa ceia, junto aos seus, na obra cinematográfica, seis apóstolos. Entre as perguntas quase que frenéticas do padre, podemos perceber que duas respostas remetem a escola, seria uma oposição? A crença contra o intelectual e o possível desenvolvimento do mesmo?
Bem colocado pelo padre, a crisma representa a transformação da criança para a vida adulta, o espectador estará, então, exposto a dilemas naturais da idade em conflito com uma fé desequilibrada.

– Um soldado luta por quê? – pergunta o padre, quase que um ditador
– Pelo rei – responde o primeiro
– Pela sua família – responde Maria
– Pela namorada – responde sobre influências da escola?
– Pelo seu país – responde com insegurança
Em seguida ele discorre – Isso mesmo, um soldado luta por seu rei, seu país, sua família. Se somos soldados, quem é o rei?
– Jesus!
– E nosso país?
– A igreja
– Quem é nossa família?
– Todas as pessoas.
– Exato – responde o padre com brilho nos olhos e ainda lê “devemos salvar os próximos”.

Colocando-os, nesse comprido diálogo, como soldados de Deus cuja missão se resume em espalhar a sua crença – aliás, ponto chato de qualquer religião. Aliás, a “salvação” é algo excepcionalmente pessoal, cada um entende, ou deveria, a própria vida, cabendo ao mesmo definir o que quer e o que não quer, ser salvo ou não. De todo modo, esse início já revela crianças manipuladas, mas a crença é algo extremamente pesado, um fardo que só a maturidade pode carregar e, ainda assim, sai abalada. É a prova de que desde o início assistimos um suicídio e, se acima eu mencionei que as 14 estações representam os últimos momentos de vida de Jesus, acompanharemos os 14 últimos momentos de vida de uma menina que está, com a ajuda da família, se destruindo. É o Jesus moderno. Enfrentando a escola, a intolerância religiosa nas aulas, assim como a própria também se torna intolerante quando não aceita a diferença, mesmo quando acaba, levemente, se apaixonando por um colega de outra classe que, por ironia, canta em outra igreja, soul e gospel mas, como disse, são músicas satânicas.

“14 Estações de Maria” é um filme que resgata muito a alma do cinema Alemão, clima gélido, personagens impactantes, silêncio que ajuda na contemplação, o tema discutido é facilmente classificado como oportuno, visto que temos atualmente vastos exemplos de situações onde a religião se torna veículo para mortes, literalmente ou figurativamente, pois o preconceito pode ser aceito como uma exímio assassinato.
Quando a personagem principal vai ao médico, começa haver um conflito entre a crença desenfreada e a lógica ou ciência, a mãe é presa dentro de sua própria arrogância, mas ela é regida por ignorância, nessa história e em muitas que existem por ai, não existe vilões, somente cobaias. No caso do filme, Maria é a inocente que provou para o mundo, pelo menos para mim, que a obsessão deixa o ser humano cego. Diferentemente de Jesus, suas ambições não eram nada nobres ou humildes, uma entrega direta, sem rodeios, mas ambos foram, até porque são parte da mesma família, sacrificados.

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