Pensamentos sobre “Eu e Orson Welles”
A gente nunca sabe qual filme vai nos tocar de alguma forma. Um dos filmes menos (re)conhecidos de Richard Linklater conseguiu me inspirar com alguns momentos de reflexão sobre a arte e a vida.
Isto não é uma crítica, mas inicialmente é preciso apresentar o filme. “Eu e Orson Welles” é dirigido por Richard Linklater a partir do roteiro de Holly Gent Palmo e Vince Palmo, que adaptaram a obra de Robert Kaplow, um livro bastante elogiado, mas que não se preocupa em contar uma história autobiográfica, já que adiciona elementos ficcionais.
“Eu e Orson Welles” é estrelado por Zac Efron, que na época (2008) acabara de fazer sucesso com o público adolescente em musicais ‘teen’ e buscava de desvencilhar desta imagem. O longa também conta com Claire Danes, Christian McKay, James Tupper e Zoe Kazan.
Na trama, um jovem sonhador acaba entrando para a companhia de teatro liderada por Orson Welles, que abrirá a peça “Júlio César” (Julius Caesar) em uma semana. Um dos problemas é que Orson (McKay) é um diretor excêntrico e de métodos questionáveis, quiçá maquiavélicos – em uma representação aparentemente justa do artista multifacetado que ele foi. Muito bem dirigido por Linklater (mesmo que apresente falhas), o filme é simples e questiona, em diversos momentos, o que o jovem Richard (Efron) faz da sua vida, levando o espectador a estes questionamentos.
Em uma conversa com Sonja (Claire Danes), ela lhe quer saber quem Richard realmente é, tentando desvendar o ser humano que há por traz de um jovem entusiasmado com uma peça. Então, temos o diálogo:
-OK, so tell me who you are.
-Who I am?
-Yeah, and don’t tell me about your high school sweetheart and your parents. Tell me who you are. What do you want?
-It’s a hard question.
-Well, what do you love?
-OK, então me diga quem você é.
-Quem eu sou?
-Sim, e não me fale sobre sua namoradinha do colégio e seus pais. Conte-me quem você é. O que você quer?
-É uma pergunta difícil.
-Bom… o que você ama?*
(*tradução minha)
É interessante pensar que, para sabermos quem somos, precisamos nos questionar sobre o que realmente amamos. No caso do filme, Richard ama arte – peças de teatro, filmes… Mas alguns podem amar pessoas, ajudar quem necessita, ou algum campo do conhecimento, ou uma atividade manual. Mas e se alguém ama muitas coisas? E se alguém muda o que ama de tempos em tempos? Será que realmente sabemos o que amamos?
Aparentemente simples, divertido e até despretensioso, “Eu e Orson Welles” pode nos fazer pensar sobre isso pela visão de um jovem que busca significado na vida em uma peça de teatro. É curioso como, mais tarde, o personagem Orson Welles fala sobre a possibilidade de encarnar outra pessoa por cerca de 90 minutos como uma espécie de fuga de ser quem ele realmente é.
De certa forma, a arte como um todo nos faz fugir de quem somos, e ao mesmo tempo nos encontrarmos. Afinal, é por meio das artes plásticas, música, cinema, teatro, literatura, que nos afastamos do nosso ser e nos vemos de fora, nos enxergamos com outro olhar e nos compreendemos melhor.
Em um diálogo entre Richard e Joseph Cotten (importante ator de seu período, que trabalhou bastante com Welles na vida real e neste filme é interpretado por James Tupper), o ator mais experiente incentiva o jovem a lutar por sua paixão.
-I’m not sure if that’s who I am.
-And who you are? And who do you wanna be?
-Eu não sei se esse é o meu jeito de ser.
-E quem você é? E quem você deseja ser?*
Neste momento, o filme questiona que não é importante apenas compreender o que somos, mas o que desejamos ser. Se é fácil isso, depende de cada um. Nem todos sabem o que querem ser. Nem todos sabem o que realmente desejam fazer de suas vidas… e muitos não têm escolha.
Acho que “Eu e Orson Welles” é muito mais sobre isso do que sobre o famoso ‘mote’ de muitos filmes (e infinitos livros de autoajuda), que buscam incentivar as pessoas a “lutarem pelo que desejam”. Afinal, antes de lutarmos pelo que desejamos, antes de sairmos em busca dos nossos sonhos, precisamos definir o que realmente sonhamos.
Neste momento, lembro-me do trecho do discurso de uma cerimônia de formatura nos Estados Unidos que se transformou em um belo vídeo, o famoso “Filtro Solar”, institucional da empresa DM9DDB: “Algumas das pessoas mais interessantes que eu conheço, não tinham, aos 22 anos, nenhuma ideia do que fariam da vida, e algumas das pessoas mais interessantes de 40 anos que conheço ainda não sabem”.
Já nos últimos minutos do filme de Linklater, o personagem de Zac Efron reencontra a amiga Gretta Adler (Zoe Kazan), com quem conversa sobre as possibilidades da vida para o futuro. A ela, ele diz:
-All I do is that, whatever it is… acting, writing, music, plays… I just wanna be a part of it all.
-Tudo o que eu sei é que, não importa o que aconteça… atuar, escrever, fazer música ou teatro… eu só quero fazer parte disso tudo.*
Desta forma, “Eu e Orson Welles” traz uma síntese do sentimento de quem ama a arte e é apaixonado pela expressão humana. É intrínseco ao sentimento da juventude desejar “fazer parte disso tudo”. Participar, criar, desenvolver, compreender, mergulhar fundo em universos criados pela mente humana. A maneira como se vai “fazer parte” depende de cada um. E o próprio Orson Welles é um exemplo de como vale a pena fazer o que se ama, mesmo com todos os tropeços que isso pode implicar. Afinal, Welles será sempre lembrado pela obra-prima “Cidadão Kane”, mesmo que seus filmes posteriores não tenham alcançado os mesmos patamares, e mesmo que sua carreira tenha sido marcada por muitas tentativas malsucedidas ou embates com os estúdios.
O que eu amo? Quem eu quero ser? Quem eu desejo ser? Talvez eu não tenha respostas a estas perguntas. E cabe a cada um encontrar sua própria resposta – ou nunca encontrá-las. Enquanto isso, vamos criando, pensando, lendo, estudando, amando, vivendo…
O importante é fazer parte disso tudo.