“Dogville” (2003)
O cinema e o teatro podem ter vidas conjuntas na arte, mas o que é arte? Como seria investigar tal conceito acerca de tantos poréns e tantos caminhos os quais podemos nos deixar levar pela nossa consciência ao tentarmos gradualmente encontrar algumas respostas para nossas questões? O artista é a origem da arte ou ela viria antes dele? Acredito que ambos sejam concomitantemente parceiros da criação e da obra e aquilo que a obra é, diria Martin Heidegger, só o podemos experimentar a partir de sua essência. A pergunta pelo significado de arte é necessária uma vez que muitas vezes caracterizamos alguma obra como “boa”, como “ruim”, “bonita”, “feita”, no entanto, antes de mais nada, seria interessante refletir sobre o que seria essa arte, da onde ela viria, qual seria sua ontologia por fim. Não é o objetivo aqui trilhar, a partir de bases filosóficas, os conceitos citados, o intuito é somente trazer ao leitor alguma forma de desequilíbrio, àquela luz que brilha em nossas mentes quando ficamos pensantes sobre alguma coisa ou quando descobrimos algo e a partir desse momento, questionamos.
Após rever o filme Dogville do diretor dinamarquês Lars-Von-Trier, foi o instante o qual essa lâmpada da reflexão brilhou em minha mente e comecei a pensar sobre a arte. Neste filme, o teatro ganha vida na frente das câmeras, o cenário simples e único, com desenhos no chão e escritos denominando os locais e os nomes das ruas, são elementos que me trouxeram algo novo, diferente e algumas vezes o distinto traz ideias, pensamentos. Não há casas de verdade, não há portas ou muros que separam as casas que em Dogville estão presentes, isto é, visto de cima é como um tabuleiro de um jogo e as famílias, dentro de seus domicílios, vivem naturalmente suas vidas, contudo, para quem vê através das câmeras, as vêem por inteiro, sem proteções. É uma cidade pacata e pequena dos Estados Unidos. As pessoas vivem suas vidas de forma casual e rotineira, são poucas que estão ali, todos se conhecem, todos vão à igreja para discutirem os problemas da cidade, etc.
Numa certa noite Tom Edison (Paul Betanny), um escritor e morador da cidade, ouve tiros ao redor das montanhas e encontra com Grace (Nicole Kidman) a qual, fugindo de gangsters da cidade grande, estava perdida nessa vila pequena e desconhecida. Tom a esconde numa mina e acaba se apaixonando por ela, tanto que ele à apresenta para os moradores de Dogville na tentativa de que todos gostassem e concordassem com o objetivo dele, que era, fazer com que Grace ficasse e não precisasse ir embora. Um dado muito bacana é que o filme é narrado, como se fôssemos os leitores de um livro e o lêssemos em voz alta para nós mesmos, então cada ação dos personagens antes mesmo que ela aconteça, temos o conhecimento de sua prévia, de seus movimentos. Grace, por fim, é uma estranha para todos, todavia, Tom consegue duas semanas para ela consiga convencer todos os moradores de que ela é uma boa pessoa e deve ficar em Dogville. Porém quando a polícia aparece à sua procura, os moradores de Dogville começam a se preocupar e questionar se deveriam deixar que ela permanecesse vivendo com eles.
É um período de crise e depressão econômica que o país vive, com isso, Grace é considerada como um gasto excessivo para a cidade, então Tom, tem uma conversa séria com ela acerca desse problema e a propõe que visite as casas da cidade duas vezes por dia – mas o que seriam essas visitas? – com certeza foi o que Grace pensara; ela teria que trabalhar mais e ganhar menos, como num trabalho voluntário, contudo, nada voluntário e sim, por sobrevivência e necessidade. Então, as cobranças começam, os exageros, os tratamentos para com Grace tornam-se insuportáveis e ela acaba se tornando uma escrava tanto dos moradores quanto de Dogville, trabalhando muito por quase nada e sendo mal tratada para ter sua liberdade intacta, no entanto, que liberdade?